quarta-feira, novembro 20, 2013

Em conversa: Blanca Li (1/2)


Iniciamos hoje a publicação de uma entrevista com a coreógrafa Blanca Li, que apresentou esta semana o espetáculo Robot! no CCB, como parte da programação do Lisbon & Estoril Film Festival. Esta entrevista serviu de base ao artigo ‘Podemos procurar a emoção nos gestos e sons de uma máquina?’, publicado na edição de 18 de novembro do DN.

O homem reflete sobre a máquina desde que a inventou. Os Kraftwerk desenvolveram mesmo, nos anos 70, uma reflexão sobre a relação entre o homem e a máquina. Como se podia então abordar este mesmo tema de um modo diferente?
Em tempos a robótica estava num patamar algo imaginário, de escritores e de cineastas. Buscava-se a imagem de como seria um robot. Hoje temos robots. A máquina hoje faz parte da nossa vida. Levanto-me, vou buscar dinheiro a uma máquina, pago a uma máquina no supermercardo, chego ao aeroporto com um cartão de embarque que saiu de uma máquina, viajo de comboio que é guiado por uma máquina... Quantas máquinas tenho na minha vida! São uma realidade. Há uma transformação da nossa sociedade, porque estas máquinas vão mudar o nosso comportamento e a nossa maneira de viver. Comecei a pensar nisto, e comecei a encontrar coisas incríveis na internet. Há coisas muito interessantes a acontecer. Reparei que no Japão havia muitos artistas a trabalhar com novas tecnologias e que, em universidades, há quem esteja a estudar o que serão os robots do futuro. E há empresas de todo o mundo a tentar ser a primeira a criar um robot de companhia... Fui até ao Japão para me encontrar com artistas, com pessoas que trabalham em robótica, fui ver exposições... Eu sabia que queria fazer um espetáculo sobre a relação entre o homem e a máquina mas não sabia por onde ir, por onde me focar... E a viagem que fiz ao Japão foi muito útil. Porque vi coisas muito diferentes e encontrei o Mawiak Denki, um coletivo que inventa máquinas musicais. Uma espécie de robots. Disse que gostaria de trabalhar com aquelas máquinas. Quando voltei do Japão fui visitar um fabricante de robots em França. Visitei-os porque fazem uns robots que se movimentam muito bem. Lancei-me então na criação do espetáculo e a ideia era a de falar sobre este novo mundo onde as máquinas já não estão no imaginário mas aqui. Falar disso de uma maneira poética e lúdica. E saber se podia criar emoções com uma máquina. Podemos criar essa emoção com público? Poderemos, nem que por um momento, sentir algo por uma máquina?

A ideia da inteligência artificial assusta-a?
A máquina é uma máquina e depende de nós. Tenho de a programar. Mas é imperfeita e temos de viver a cada doa com essas imperfeições das máquinas. Mas hoje as máquinas metem-me menos medo. Sei que podem tomar um espaço muito importante nas nossas vidas, mas a verdade é que há sempre um homem por detrás de uma máquina.

A máquina é, assim, uma expressão do homem?
Sim. Mas podemos ver o que nos diz a história. Se usarmos a máquina para fins mais é igual ao que aconteceu sempre. Haverá sempre quem vá usar as máquinas para dominar, para meter medo, para fazer a guerra. Mas também há um lado que pode ser interessante para todos os nós, já que podemos usar as máquinas para curar, para ensinar, para criar, para a inteligência... Há dias, a falar com um matemático, dizia que usando uma calculadora já nem precisamos de pensar para somar, o que de alguma maneira também anula coisas nossas. Mas se não sabemos como e porque a utilizamos, a máquina também não nos serve para nada. É complicado...

E como pensou o movimento. Quando imaginamos robots a mover-se surge-nos sempre aquela visão de gestos “robotizados”, mecânicos...
Com este espetáculo queria romper esse conceito do robot que se mexe assim. E evite-o ao máximo. Tentando dar um pouco de humanidade aos gestos dos robots e trabalhando os movimentos dos bailarinos de uma maneira mecânica mas sem os clichés da robótica. Refletindo sobre a realidade do corpo, as articulações... Porque um robot não se pode mover como nós. Há impedimentos. E a partir dessa consciência trabalhei a coreografia. Pareceu-me mais interessante que imitar um robot.

O filme Inteligência Artificial, de Steven Spielberg, mostra-nos um mundo em que os robots são aparentemente iguais a nós. Não era essa a visão que procurava...
Penso que o robot que se parece connosco mete-nos medo. E creio que o homem prefere um robot de plástico que tem cara de robot e de máquina. Quando mais se aproxima de nós mais medo mete. É um mito... Já vi uns robots japoneses que são quase como pessoas, mas com algo muito estranho. As nossas caras têm muitos pequenos músculos e de reações e os robots isso não podem fazer. E por isso têm uma expressão estranha e que mete medo. Os fabricantes estão por isso a procurar cada vez mais fazer robots que se pareçam com máquinas. À exceção dos robots sexuais ou coisas assim... Mas também já existem bonecas insufláveis há muito tempo.

(continua)