segunda-feira, novembro 25, 2013

Em conversa: Alain Guiraudie (2 / 2)

Este texto corresponde a parte da entrevista com o realizador francês Alain Guiraudie realizada recentemente em Lisboa, a propósito da apresentação do filme 'O Desconhecido do Lago'. A entrevista serviu de base ao artigo 'Cenas de amor, desejo e morte nas margens de um lago' publicado na edição de 21 de novembro do DN.

As várias personagens que encontramos nas margens do lago colocam, em alguns casos, diferenças entre o que é o amor e e o sexo. Era um debate que queria assim explorar?
O filme também explora as questões do desejo e do amor. Essa é uma questão algo misteriosa para mim, mas queria explorar esse mistério. Efetivamente o sexo faz parte do amor. Mas nos meus filmes gosto de evocar um desejo, um amor que não se resolve no sexo e que pode existir sem o sexo. Um amor maior e infinito que pode existir sem o sexo.

Surpreendeu-o a boa bilheteira que o filme conseguiu em França?
Sim... Mas o que surpreendeu mais foi a unanimidade que se gerou em torno do filme. Achava que ia dividir mais as opiniões. Teve logo uma unanimidade na imprensa em Cannes. Sabia que tinha um bom potencial, senão não o faria.

Como conduziu o casting para o filme?
Usei atores, e poucos eram homossexuais. Mas tinha muitos figurantes que procurei junto de pessoas habituadas a este tipo de lugares e que sabiam como se comportar. O casting juntou algo de muito íntimo. Alguns foram pessoas que me agradaram fisicamente ou pela sua maneira de ser. Mas discuti muito o casting com duas outras pessoas com quem trabalho. Discutimos muito as escolhas. Gosto de saber as suas opiniões. Se escolhesse apenas as pessoas porque me agradavam poderia enganar-me. Há ali intuição e algo muito refletido também. Passamos muito tempo a discutir, a fazer ensaios com os atores, a ver os ensaios. Com os atores, no fundo, não foi complicado. Para os naturistas e figurantes a coisa é um pouco mais. Passo muito tempo com os atores… Não lhes pergunto da sua sexualidade. Um ator heterossexual pode fazer um papel de uma personagem homo. Há atores que têm problemas em fazer cenas de sexo seja com homens ou mulheres. Alguns leram o argumento e disseram-me logo que não. E compreendo-os.

A presença muito evidente da natureza no filme parece ser outra das suas grandes opções.
É-me importante colocar as pessoas da natureza. Acho que isso tem a ver com as características do tema e, por isso, do filme. Participa na sensualidade. É importante ter referências no mundo. E eu cresci no campo, entre a natureza. É o meu mundo. Nunca fiz um filme numa grande cidade.

O que significa um prémio como a Queer Palm que, além do troféu de Melhor Realizador na secção Un Certain Regard conquistou em Cannes?
Dizem-me que tem um certo reconhecimento em Inglaterra ou nos Estados Unidos, mas não sei se me fará qualquer coisa... Tenho a impressão que fecha o filme num género muito particular. Eu próprio não compreendo lá muito bem o conceito de queer. É uma sexualidade bizarra? A homossexualidade ainda é uma sexualidade bizarra? Mas dizem-me que é mais uma abertura sobre o mundo... Então porque é que só os filmes com protagonistas homossexuais podem vencer a Queer Palm?

Mas a exposição obtida em Cannes foi importante para o filme...
Foi o João Pedro quem me entregou o prémio. Não tenho reservas quanto a isso. É claro que foi um bom momento. Havia gente feliz, a fazer a festa... Mas os prémios não são a razão pela qual faço filmes. Nem sei bem a que corresponde um prémio. Até mesmo essa ideia de competição entre filmes... Já fiz parte de júris e já dei prémios, porque é preciso escolher um filme e dizer que uns são melhores que outros. Isso estabelece uma hierarquia, dita ideias que há filmes bons e filmes maus, que uns filmes são superiores face a outros.... Mas ao mesmo tempo um prémio permite descobrir... 

Pode ver aqui a primeira parte da entrevista.
E aqui uma opinião sobre o filme que aqui publicámos recentemente.