domingo, outubro 20, 2013

Gustavo Dudamel chega a Berlim


O cinema dá muitas vezes à música um corpo tangível do qual, depois, dificilmente nos abstraímos, as experiências de cada um criando para cada obra as suas próprias imagens. Cada um de nós tem por isso experiências particulares de associação de imagens a certas músicas. Não escuto, por exemplo, o Agnus Dei da Grand Messe des Morts de Brahms, sem visualizar a sequência na praia na reta final da Árvore da Vida de Terrence Malick. Assim como não dissocio o Alina de Arvo Pärt do Gerry de Gus Van Sant ou o Adagio da Sinfonia Nº 10 de Gustav Mahler de Quem Me Amar Irá de Comboio, de Patrice Chéreau. Há contudo experiências cinematográficas que se transformaram em acontecimentos partilhados por multidões, as associações entre obra musical e o filme que a utiliza tornando-se assim expressão partilhada da cultura popular de um tempo. Aconteceu, por exemplo, quando Visconti usou o Adagietto da Sinfonia Nº 5 de Gustav Mahler na sua brilhante adaptação ao grande ecrã de Morte em Veneza, de Thomas Mann. Quando A Cavalgada das Valquírias (da ópera A Valquíria) de Richard Wagner assombrou uma sequência de bombardeamento aéreo em Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. Ou quando Stanley Kubrick filmou uma valsa para uma nave e uma estação espacial ao som do Danúbio Azul de Johann Strauss ou, no mesmo 2001, Odisseia no Espaço (de 1968) tornou num episódio maior da história da relação da música com o cinema o momento em que a “alvorada do homem” se faz ao som do primeiro segmento de Also Spracht Zarathustra (1896), de Richard Strauss (voltando à mesma obra mais adiante, já no final do filme, com imagens do grande monólito que encontramos na órbita de Júpiter). Não admira por isso que a capa de uma nova gravação desta obra, pela Berliner Philharmoniker, dirigida nesta ocasião por Gustavo Dudamel, aluda claramente a essa memória com uma imagem de espaço, planetas e a presença sugestiva da luz difusa de uma estrela no horizonte.

O disco, que assinala a primeira gravação do maestro venezuelano com a orquestra alemã, representa todavia mais um episódio na história (já longa) do relacionamento da Berliner Philharmoniker com a música de Richard Strauss (de resto o foco do texto que lemos no booklet deste lançamento da Deutsche Grammophon). Em 1888 um ainda muito jovem Richard Strauss assinalou o seu primeiro concerto com a orquestra berlinense dirigindo a sua própria fantasia sinfónica Aus Italien e, dois anos depois, o maestro Hans Bulow fazia ali a estreia na cidade, com a mesma orquestra, do célebre poema sinfónico Don Juan (de 1888), uma das três peças do compositor que Dudamel apresenta neste seu novo disco. O alinhamento junta ainda Till Eulenspiegels Lustige Streiche (1895), em conjunto os três poemas permitindo-nos um retrato de um período ainda inicial, mas marcante, na obra de Strauss. A já reconhecida versatilidade de Dudamel (que já brilhou tanto a dirigir Gustav Mahler como John Adams, apesar de ter ainda no latino Fiesta!, com a Simon Bolívar, o seu disco-assinatura de referência) volta a manifestar-se nestas interpretações que, mesmo não sendo peças para candidatura para o estatuto de disco do ano (nem nada que se pareça), não deixam de representar uma segura abordagem à música de Strauss, colocando nos escaparates uma gravação nova (e competente) de obras (sobretudo a que dá título ao disco, naturalmente) que fazem parte do cânone dos “best sellers” clássicos da clássica.