quinta-feira, outubro 10, 2013

Bertolucci depois da revolução (2/2)

Com o belíssimo Eu e Tu, Bernardo Bertolucci reencontra e reavalia o tema obsessivo da juventude — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Outubro), com o título 'Muitos anos depois da revolução'.

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Confunde-me sempre a indiferença com que alguns profissionais, do jornalismo à política, encaram as representações correntes da juventude, em especial as que são veiculadas pela publicidade e por certos formatos televisivos. Chegámos mesmo a uma conjuntura (internacional, não tenho dúvidas) em que, por vezes, basta um “jovem” especializar-se em dizer coisas brejeiras ou apenas estúpidas no pequeno ecrã para ser celebrado como modelo de “rebeldia”.
Não admira que quando Eu e Tu, de Bernardo Bertolucci, passou no Festival de Cannes (2012), alguns tenham encolhido os ombros, desconcertados com o facto de ser “apenas” a história de um rapaz de 14 anos que se refugia na cave do seu próprio prédio...
Não estou a sugerir que fosse “obrigatório” enaltecer o filme apenas por ostentar a assinatura de um nome fulcral na história do cinema europeu do último meio século. O que, creio, não deve ser ignorado é o facto de Eu e Tu ser um objecto claramente consciente daquela formatação audiovisual da juventude, apostando em reagir contra os seus lugares-comuns e o seu moralismo “anarquizante”.
Em boa verdade, Bertolucci sempre filmou os jovens como incautos protagonistas da cruel desagregação das utopias de felicidade. Em 1964, rodou mesmo o seu Antes da Revolução sob a égide da célebre frase de Talleyrand que garante que quem não viveu “antes da revolução” não conhece “o prazer de viver”. Muitos anos depois, neste filme de sublime simplicidade, o rapaz e a rapariga que dizem “eu e tu” são herdeiros magoados dessa ânsia nunca aquietada de encontrar um lugar feliz. Se se ficam pela cave, isso talvez queira dizer que, ainda assim, duas hipóteses continuam em aberto: poderão voltar a subir ou alguém irá saber o que se está a passar lá em baixo.