quinta-feira, agosto 15, 2013

A "fama" segundo Sofia Coppola

Finalmente, alguém ofereceu a Emma Watson um papel capaz de a libertar do infantilismo de Harry Potter: em The Bling Ring, Sofia Coppola filma-a na teia contraditória da "fama" e dos "famosos" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Agosto), com o título 'Para discutir a crueldade da “fama”'.

A televisão mais medíocre, secundada pela imprensa mais cor-de-rosa, fez-nos reféns da ideologia dos “famosos”. O seu poder é de tal modo devastador que quase ninguém discute a obscena visão do mundo que nela triunfa. Na melhor das hipóteses, questiona-se a “verdade” ou a “mentira” dos seus considerandos, ao mesmo tempo recalcando que mesmo a verdade mais cristalina não é um dado absoluto, surgindo sempre sustentada por um determinado discurso sobre o factor humano.
Vem isto a propósito de um filme que tal ideologia poderá reduzir a um fait divers sobre a atracção dos “famosos”. E tanto mais quanto se baseia em factos verídicos, evocando a saga desse grupo de adolescentes que se especializou em assaltar casas de gente célebre do mundo do espectáculo. Resta saber se tão cândida descrição consegue dar conta do que acontece em Bling Ring – O Gang de Hollywood, quinta longa-metragem de Sofia Coppola.
É bem verdade que o cinema de Sofia Coppola [foto] nasce de uma distância pudica em relação a tudo aquilo que filma, como se se tratasse apenas de fazer uma “reportagem” sobre a própria estranheza da realidade circundante. Seja como for, aquilo que o seu filme vai revelando é menos uma trama policial e mais um cruel drama emocional: os elementos do “Bling Ring” acreditam que a posse dos objectos dos “famosos” lhes trará uma gloriosa imunidade a todos os incidentes do mundo à sua volta.
Não se trata, entenda-se, de renegar a presença e a sedução das estrelas no céu sagrado do entertainment (como é que alguém da família Coppola poderia fazê-lo?...). Trata-se, isso sim, de dar a ver a ânsia da “fama” como uma violenta dependência afectiva. Nesta perspectiva, Bling Ring renova uma nobre tradição de cinema social, indissociável da história de Hollywood.