segunda-feira, julho 22, 2013

O suicídio eleitoral do PS?

JOHN KENSETT
O Velho Pinheiro
c. 1872

1. Estranha indiferença. Na sempre bizarra acalmia do dia seguinte, muitas interpretações do discurso do Presidente da República (21 Junho) salientam que Cavaco Silva se limitou a fazer o que, para ele, seria mais natural — conservar o Governo PSD/CDS-PP em funções —, ignorando tais interpretações o papel do Partido Socialista em toda esta conjuntura.

2. Podemos, evidentemente, especular infinitamente sobre as razões, visíveis ou ocultas, de todos os protagonistas. Num esforçado delírio conspirativo, estilo sempre na moda (em particular nas redes ditas sociais), podemos até considerar que tudo aquilo que aconteceu não passou de uma cabala dos "cavaquistas" para atrair o PS e, perante a sua esperada recusa de acordo com os partidos no poder, abrir caminho a uma "normal" confirmação da actual governação.

3. Tal delírio satisfará, por certo, as boas consciências de todas as esquerdas, mas não consegue rasurar o essencial do combate simbólico que persiste. A saber: o PS, em nome da sua dignidade, afasta-se voluntariamente de qualquer peso de influência na área da governação, recolocando-se uma vez mais no espaço de reivindicação dos comunistas. Resta saber até que ponto tal escolha (porque se não é uma escolha, não passa de um disparate moralista) pode envolver uma lógica candidamente suicida.

4. Na prática, para não se sentir indigno, o PS continua a esbracejar na terra de ninguém de uma esquerda que confunde a riqueza da sua mitologia com o pragmatismo do combate político: além de não revelar qualquer estratégia de entendimento com as forças da direita, o PS continua a não ter a coragem de, de uma vez por todas, afirmar que, politicamente, não pertence, nem quer pertencer, à área da esquerda comunista. Consequência prática: a crispação que se anuncia — com a "radicalização estéril" a que, muitíssimo bem, se refere Henrique Monteiro — vai devolver protagonismo (televisivo, antes do mais) às forças em torno do PCP (veja-se o timing de Arménio Carlos, logo no próprio dia 21: "CGTP não exclui avançar para nova greve geral").

5. António José Seguro insiste em lutar para, nas próximas eleições, conseguir "maioria absoluta". Mais do que nunca, importa dizer que esse discurso de triunfalismo à distância é um erro estratégico (cortando laços de diálogo com as outras forças políticas) e um infantilismo ideológico (permanecendo enredado num sebastianismo tecido de "amanhãs que cantam"). Reconhecê-lo não é negar o importantíssimo papel do PS no presente e, sobretudo, no futuro, da sociedade portuguesa — reconhecê-lo é tão só lembrar que seria duplamente trágico que o PS fosse o principal agente da sua própria morte eleitoral. Com dignidade, por certo.