sexta-feira, julho 12, 2013

CURTAS Vila do Conde (4)

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Como fazer um retrato de Jean-Luc Godard? Como falar da obra sem excluir o corpo? Pois bem, a melhor resposta é a que não teme entregar-se nas mãos (leia-se: imagens e sons) do retratado... O resultado chama-se Quod Erat Demonstrandum, dura 26 minutos e tem assinatura de Fabrice Aragno (colaborador regular de Godard desde Notre Music, em 2002).
De acordo com uma proposta do próprio Godard — tratava-se de corresponder a uma encomenda televisiva —, foi elaborado um sistema de sequências que, em última instância, vão sendo pontuadas pelas presenças do realizador na sua própria obra. Entenda-se: presença figurativa e presença sonora (sem que a segunda implique necessariamente a primeira). Daí que tenhamos, por exemplo, um fragmento da curta Charlotte et son Jules (1959), em que a personagem de Jean-Paul Belmondo se apresenta com a voz de... Godard; ou alguns planos de Prénom Carmen (1983), em que o realizador assume a personagem trágico-burlesca do 'Tio Jeannot' de Maruschka Detmers, aliás, Carmen X; ou ainda essa espantosa silhueta da cabeça de Godard, subitamente "alagada" pela imagem do mar [foto], em Scénario du film "Passion" (1982), produto genial da primeira fase videográfica do autor, escalpelizando o projecto e a rodagem de Passion (1982).
Em resumo, assistimos ao renovado cumprimento de uma regra moral do universo godardiano: citar não é "evocar" nem "imitar", mas integrar — o que ele fez, por exemplo, em Vivre Sa Vie (1962), com as imagens de A Paixão de Joana D'Arc (1928) [video], refá-lo agora Aragno com as imagens da sua própria obra. A memória é esta metódica paixão.