sábado, maio 04, 2013

Onde está Robert Downey Jr.?

"Chaplin" (1992)
Que é feito de Robert Downey Jr.? Está literalmente fechado no fato do "Homem de Ferro", suspendendo uma carreira de muitas e admiráveis proezas de interpretação — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Abril), com o título 'A monotonia do “Homem de Ferro”'.

Nunca tive dúvidas em reconhecer o cinema americano (de Hollywood aos independentes) como um dos mais complexos e fascinantes do mundo. Rejeito, por isso, as manifestações de anti-americanismo cultural que se tentem colar ao juízo negativo que possamos formular sobre um determinado filme proveniente dos EUA. Isto para dizer que o meu severo ponto de vista sobre Homem de Ferro 3 não resulta de nenhum tipo de demonização “ideológica”.
Aliás, confesso, o filme enquanto tal interessa-me muito pouco. Vejo nele a expressão banal de um modelo de “blockbuster” que parece fabricado apenas por equipas de “efeitos especiais” que ignoram o cinema como arte narrativa, confundindo a acumulação de explosões e ruído com a produção de espectáculo. Filmes como este nascem de uma monotonia criativa bem expressa nas suas promoções: depois de mais de duas horas de filme, é como se já tivéssemos visto tudo no respectivo “trailer”...
Vale a pena perguntar o que se está a perder. Desde logo nessa matéria vital da história de Hollywood que são os actores. Tornou-se penoso ver um talento tão admirável como Robert Downey Jr.: quando não está encerrado no seu fato de ferro, limita-se a sustentar um repetitivo registo de sarcasmo cínico (como nas entrevistas sobre a saga do Homem de Ferro). É uma desilusão tanto maior quanto estamos a falar de alguém cuja filmografia inclui sofisticadas composições em títulos como Chaplin (Richard Attenborough, 1992), Short Cuts (Robert Altman, 1993), Assassinos Natos (Oliver Stone, 1994), Fim de Semana em Família (Jodie Foster, 1995), Wonder Boys (Curtis Hanson, 2000), O Detective Cantor (Keith Gordon, 2003) e Boa Noite, e Boa Sorte (George Clooney, 2005).
Mas a maior perda, por mais paradoxal que possa parecer, é de natureza comercial. A ocupação maciça dos mercados por produtos como Homem de Ferro 3 implica a secundarização (promocional, antes de tudo o mais) da mais nobre produção americana. Veja-se a discreta presença desse “thriller” admirável que é Regra de Silêncio, de Robert Redford. Não será preciso recuar muitos anos para compreender que, num contexto de genuína diversidade, um filme com um elenco deste teor (Shia LaBeouf, Susan Sarandon, Nick Nolte, Julie Christie... além do próprio Redford) estaria na linha da frente da exibição. Pois bem, sabem em quantas salas foi lançado nos EUA? Exactamente: cinco (crescendo depois para um máximo de 84). E em quantas salas, também nos EUA, a 3 de Maio, Homem de Ferro 3 irá ser lançado? Segundo informações dos analistas da indústria: um pouco acima de... 4 mil!
Há outra maneira de dizer isto: não faz sentido gastar grandes energias voluntaristas na discussão daquilo que o público “quer” ou “não quer” ver... Como sempre, quando se trata de avaliar as perversas lógicas do consumo, importa começar por perguntar o que põem à frente desse mesmo público.