domingo, maio 05, 2013

Cuca Roseta e a raiz do fado (1/2)

Cuca Roseta tem um novo álbum, de seu nome Raiz: pretexto para uma conversa com uma fadista que não abdica da dimensão de verdade que o fado pode conter — este diálogo serviu de base a um artigo publicado no Diário de Notícias (29 Abril), com o título 'É preciso não ter medo de seguir o instinto'.

De onde vem o título deste novo álbum, Raiz?
Foi um título que demorou a chegar. Por causa do fado Nos Teus Braços, do meu primeiro álbum, as pessoas pediam-me para eu criar mais músicas. Fui compondo temas novos, surgiu um conceito de que não estava à espera e tratava-se de saber como encerrar tal conceito numa só palavra. No primeiro disco, falava do fado como procura da verdade da própria pessoa, de acordo com um princípio de respeito por tudo aquilo que se canta. Aqui, quis ir mais fundo que a procura da própria verdade. Seria “origem”. Ou “essência”. Ficou Raiz.

É uma raiz pessoal, subjectiva?
Sim, mas é mais do que isso: é o encontro com o meu fado. Já cantei outros géneros musicais, mas tenho uma paixão pelo fado. E aqui mostro o que é, para mim, o fado como interpretação, melodia e descrição de experiências de vida.

Em qualquer caso, creio que a primeira interpretação do título terá a ver com uma ideia de regresso a uma raiz, não pessoal, mas do próprio fado.
Também. Há coisas que escrevi porque senti que tinham de estar no disco: uma letra sobre Amália Rodrigues, outra sobre Lisboa, um fado tradicional, um fado menor (que é o meu preferido), uma marcha e uma música mais popular, próxima do teatro de revista. Depois, há uma mais africana, outra mais jazz... mas a raiz do fado tinha de lá estar. É bom adaptarmo-nos ao tempo que vivemos, mas sou também um bocadinho conservadora: por exemplo, não gosto de trazer muitos instrumentos novos: tenho apenas um violoncelo num tema, há cordas no tal hino a Lisboa...

Nos últimos anos, bem ou mal, o fado tem vivido uma história de muitas contaminações, com mais instrumentos para além das clássicas guitarras, algumas variações mais ou menos jazzísticas...
... E não resulta! [risos] Não é por mal que o digo. Aquilo que resulta é... o de sempre! O segredo é esse: o minimalismo, a raiz.

Quando lemos os títulos do alinhamento do álbum, há qualquer coisa de quase didáctico: Fado do Cansaço, Fado da Essência, Fado do Contra... e temos ainda a vaidade, o perdão, a entrega. Como se fossem alíneas de uma filosofia pessoal.
É um bocadinho assim. Cada fado conta uma história diferente da de qualquer outro. O título do álbum podia ter saído de qualquer um deles: esperança, vaidade, perdão, essência, silêncio, vida. O “booklet” do disco, com fotografias de Pablo Corral Vega, foi feito nessa perspectiva: cada fado tem associada uma imagem minha.

Podemos, aliás, perguntar até que ponto alguém que canta (fado ou não) é alguém que inventa uma personagem, como um actor ou uma actriz frente a uma câmara.
É alguém que representa, sem dúvida, mas que representa algo que tem a ver com a sua experiência. Eu não consigo cantar uma letra que, de alguma maneira, não tenha vivido.

Quer isso dizer que há uma dimensão confessional?
Há uma certa exposição, no sentido em que é tudo mais cru e mais transparente. Tem a ver com a tal procura da verdade. É uma exposição interior, em que é preciso não ter medo de seguir o instinto, de sermos únicos. Há uma letra, Fado dos Sentidos, que fala disso: “Não tenhas medo de ser quem és / De teres o mundo contra os teus pés / De ter a coragem a ferro e quente / Firme no chão e no presente / Sê mais que tu, vai mais além / Ao mais alto que o sonho tem.”

[continua]