domingo, maio 12, 2013

A pulsão poética de Malick

Não devemos pedir desculpa pela poesia. Nem alimentar a ilusão de que há nela qualquer universalismo obrigatório... Nada disso: como bem o demonstra o trabalho de Terrence Malick, a poesia divide — este texto foi publicado no Diário de Notícias (8 Maio), com o título 'A poesia é uma coisa política'.

Vivemos tempos de promoção mediática da desconfiança. Em relação a quê? Ao que realmente importa. Por um lado, oferece-se espaço, atribui-se importância e reconhece-se credibilidade à vergonhosa enxurrada de estupidez consagrada pelo Big Brother; por outro lado, não se confia na delicadeza poética de criadores como Terrence Malick, não poucas vezes tratados como fenómenos marginais para espectadores suspeitos de fervores espirituais... A questão, entenda-se, não está no suposto universalismo de Malick. Aliás, devemos começar por reconhecer o exacto contrário: como prova o seu novo filme, A Essência do Amor, não há cinema que mais nos convoque nos limites do entendimento humano e, por isso mesmo, mais nos perturbe e divida.
Apesar disso (ou justamente por causa disso), talvez seja útil avaliar o que é, e como é, a pulsão poética de Malick. Uma projecção dos factos mais enigmáticos da existência humana? Sem dúvida. Em todo o caso, importa sublinhar o genuíno poder da poesia: não um discurso de fuga em relação às convulsões do nosso mundo, antes uma derivação emocional e conceptual que nos relança numa outra visão, visceralmente política, desse mesmo mundo.
No seu magoado romantismo, A Essência do Amor existe também, afinal, como retrato íntimo de uma América rural, ferida no seu âmago: de forma discreta, mas sempre contundente, Malick faz-nos sentir a dor de comunidades esquecidas, tentando sobreviver face aos valores do “progresso”. Por isso, as atribulações amorosas vividas pelas personagens de Ben Affleck, Olga Kurylenko e Rachel McAdams (e também o padre interpretado por Javier Bardem) são sinais de um tempo amargo para a utopia made in America. Como em John Ford, a demanda espiritual confunde-se com o drama da terra.