quinta-feira, maio 09, 2013

A essência de uma linguagem


Chega hoje às salas de cinema o novo filme de Terrence Malick. Estreado em Veneza, foi desde logo marcado por uma comparação (equívoca, superficial e profundamente desatenta) ao imediatamente anterior A Árvore da Vida. Se tropeçamos na forma, ou seja, nos movimentos de câmara, na montagem, no modo de utilizar a música (estamos por isso a falar de linguagem), então não reparamos que esses são apenas “instrumentos” através dos quais o realizador encontrou uma linguagem a que aqui volta a dar voz. To The Wonder (que entre nós estreia com o terrível e pobre título à la filme de cordel A Essência do Amor) é na verdade algo que não seria possível sem essa linguagem definitivamente encontrada no sublime A Árvore da Vida, mas que aqui serve algo completamente diferente.

Sob uma narrativa "clássica" (onde os saltos de tempo, nas elipses, não deixam nunca se seguir a lógica natural dos ponteiros do relógio, sempre em frente), acompanhamos a história de um relacionamento entre um homem americano e uma mulher europeia. Conhecem-se em França, viajam juntos ao Monte St. Michel, passeiam-se por Paris (de resto nunca vimos a cidade assim filmada). Decidem ensaiar uma vida conjunta nos EUA, na pequena cidade no Oklahoma onde ele vive e trabalha (recolhendo amostras de solos e águas para controlo ambiental). E é dessa América contemporânea e profunda que Malick nos dá um olhar profundamente desencantado, sob um quadro de nítida perda de fé. Uma perda que expressa não apenas nas convulsões da vida dos dois protagonistas, mas também na figura de um padre da região. E é através das suas deambulações entre os bairros menos luminosos da cidade e os trajetos entre pedreiras, rios e poços petrolíferos do protagonista que encontramos uma terra em desmoronamento, de traços marcados, magoados, quase sempre despidas de uma esperança e de uma explicação.

Se A Árvore da Vida era jubliante celebração da relação com a fé e a transcendência, mesmo no quadro da dor que a perda convoca, To The Wonder é por sua vez um melancólico olhar sobre a perda de rumo, a dúvida, o desalento (reparem até como está quase vazia a igreja). Até mesmo a música (e desta vez, além da soberba partitura de Hannah Townshend, passamos pela música de Pärt, Górecki, Wagner, Bach, Dvorák ou Tchaikovsky, entre outros), está menos presente, deixando-nos o trabalho de som – que conta com papel determinante de Daniel Lanois – o silêncio dos grandes espaços, o vento, os ecos da rua, o som do avião que nos lembra constantemente que aquela vivência americana a dois (ou a três, se contarmos uma filha) pode a qualquer momento quebrar-se por uma eventual viagem de regresso.

Nada por isso como ver e refletir antes de fazer cut and paste de outras opiniões. Se no fim continuarem a achar que To The Wonder e A Árvore da Vida são a mesma coisa temo assim pela capacidade de distinguirem entre si os filmes de um Tim Burton ou de um Peter Greenaway, os discos de um Leonard Cohen ou de uma Laurie Anderson, os quadros de um Pollock ou de um Rothko... Pois é... Convém não confundir a “voz” com aquilo que nos conta.