domingo, março 31, 2013

Páscoa com Bach e Brahms


Notável a escolha do programa proposto pela Gulbenkian em semana de Páscoa, aliando (a mais “clássica” escolha de) uma cantata de Bach ao superlativo Um Requiem Alemão, de Brahms, num conjunto que confirmou em pleno as qualidades interpretativas da Orquestra residente, assim como o trabalho (de já mais de quatro décadas) de Michel Corboz com o coro que dirige, aos quais juntou três vozes solistas, duas delas, tal como ele, de origem suíça (acrescente-se vi o concerto de quarta-feira, o segundo dos três apresentados). 

Mesmo tendo sido soberba a interpretação da cantata Ich hatte viel Bekümmernis, BWV 21, de Bach (e que espantoso é aquele diálogo entre violino e oboé), foi o Brahms que arrebatou o serão numa leitura intensa, que a direção de Corboz e a magnífica resposta do coro e solistas tão bem sublinharam. A obra é já em si um monumento de visão e de expressão de personalidade. Sem recorrer aos textos “canónicos” das missas pelos mortos, Brahms optou por escolher passagens da Bíblia selecionadas mais pelo seu valor poético que pela eventual carga teológica (como bem sublinha o texto no programa da sessão). Sob uma linguagem muito pessoal, que de resto ajudou a definir os caminhos do romantismo, Brahms Um Requiem Alemão é, mais que uma manifestação de fé, uma reflexão meditativa sobre o homem e a morte, num quadro que naturalmente não exclui a transcendência. A perda de figuras que lhe eram próximas – Robert Schumann e a mãe, em concreto – estão na origem terrena de uma obra que, pelos valores que cruza, ganhou depois uma dimensão maior. Cabe por isso à interpretação esse saber no desenhar de uma coexistência dos dois planos (o da vida terrena e o da divindade) que a música sugere. Brindem-se por isso a subtileza da voz de Raches Harnisch (belíssima) e a firmeza da de Rudolf Rosen que, aliadas aos jogos de contrastes que a obra percorre e que tanto a orquestra como o coro tão bem sublinharam, fizeram deste Um Requiem Alemão algo que nos transportou de facto para lá de uma vivência terrena durante os cerca de 70 minutos que fizeram deste mais um momento a reter na já longa (e frutuosa) história de Corboz em Lisboa.