quarta-feira, março 27, 2013

José Sócrates no Reino da Estupidez

GEORGE GROSZ
Os Melhores Anos das Nossas Vidas
c. 1923
* Falo da Estupidez sobre a qual escreveu o nosso grande Jorge de Sena (em O Reino da Estupidez). Ou seja: aquela que se converteu em Inteligência, mas não se esquece de venerar o seu passado...

* Escrevo (e publico) antes de José Sócrates aparecer no muito comentado regresso à televisão. Quer dizer, faço o inventário de três formas de Estupidez que as suas palavras não anularão (mesmo que qualquer um de nós as possa considerar irrelevantes, deslocadas ou medíocres).

1 - os inimigos de Sócrates conseguiram essa coisa, estúpida entre todas, de gerar um delirante efeito de espera e expectativa em relação à sua performance televisiva, empolando o seu discurso antes mesmo de dele ouvirmos uma única sílaba — nunca se viu, aliás, uma campanha tão estupidamente cega, gerando o exacto contrário daquilo que seria o seu bizarro programa ético ("calar" Sócrates): por estes dias, a Sócrates foi concedido o poder imenso, de simbolismo totalizante, de não emitir um único som e, no entanto, existir como se não parasse de falar.

2 - tal efeito reforçou ainda mais a estupidez clubista que grassa na sociedade portuguesa: qualquer atenção que se dê a alguma entidade com determinadas conotações (ideológicas ou outras), tende a ser imediatamente rotulada como colagem aos desígnios mais torpes — não é metáfora: vivemos no país em que o árbitro que marcou um penalty contra o "meu" clube é necessariamente suspeito de corrupção...

3 - o espaço de reflexão política está estupidamente reduzido à guerrilha dos soundbytes — como se fazer política fosse apenas a arte de mostrar que se pode ser sempre menos inteligente que o nosso interlocutor ou adversário.

* Que aconteceu para que, quase quarenta anos depois de 1974, a sociedade portuguesa seja varrida por estes ventos de "purificação" que só sabem proclamar o silenciamento do outro como método de progresso (político)? Que é feito da arte das contradições que o 25 de Abril celebrou? Afinal de contas, nessa arte deambulava o mais utópico dos enunciados: a possibilidade de pensar a política para além da dicotomia direita/esquerda.

* Não creio que José Sócrates, hélas!, tenha poder, recursos ou sequer programa para nos ajudar a reencontrar essa energia política e estética — e não há coisa mais política que a intervenção estética. Em todo o caso, a Estupidez que gostaria de o calar está ainda mais distante de tal capacidade, aliás confirmando a sinistra ideologia futebolística que triunfou por todo o lado: onde está o adepto de um clube que seja capaz de admirar o jogo do adversário?