quarta-feira, março 06, 2013

Autre Ne Veut: ecrãs e karaoke

Visto de Brooklyn, o mundo contemporâneo é um labirinto de ecrãs. Não é difícil aceitar tal definição. Mais ainda: se o dissermos cantando (quem se atrever a tal...), vamo-nos sentir numa paisagem de perversa ventriloquia em que alguém está sempre a fazer o karaoke de alguém. Comédia colectiva? Chamem-lhe assim, se quiserem, mas não menosprezem a ansiedade que a habita e, todos os dias, se fragmenta em novas e desesperadas ficções através das quais, bem ou mal, mais mal que bem, partilhamos a nossa verdade com os outros — aos mais apressados, sugere-se um salto imediato para o video, em baixo.
Este é, pelo menos, o fôlego filosófico que colhemos no trabalho do brilhantíssimo Arthur Ashin, inquilino de Brooklyn, cidadão do mundo e nostálgico, ma non troppo, de coisas mais ou menos electrónicas, anos 80 e afins, que em todo em caso nunca anulam uma obstinada fidelidade ao espírito R&B — e não menosprezemos o facto de o seu falsetto não disfarçar uma descomplexada dependência estética em relação a Prince. Isto sem esquecer a conjuntura de revival R&B em que, em tempos recentes, nos envolveram Frank Ocean ou Jessie Ware.
Em boa verdade, nenhum rótulo satisfaz na descrição de tão heterodoxo artista que nos deixa a sensação de uma discreta colagem aos sentimentos do seu/nosso tempo, nem que seja pelo exercício de um elegante pudor descritivo. Para que tudo bata certo, convém esclarecer que Ashin, avesso a falsas transparências, foi à língua francesa buscar um belíssimo e enigmático nome artístico: Autre Ne Veut. E que o seu novo álbum (cerca de dois anos depois da estreia com... Autre Ne Veut) dá pelo nome de Anxiety.
Ecrãs, karaoke, paranóia e uma desconcertante lucidez, estão condensados no magnífico teledisco de Play by Play, a canção de abertura do álbum. Para que conste, convém não menosprezar o facto de o desencantado romantismo do empreendimento desembocar num tema final, épico de contenção, servido com o título World War. Ficam avisados.