sexta-feira, janeiro 25, 2013

O som do Oeste, segundo Tarantino

É verdade que desde cedo a música foi sempre mais que um elemento plástico no cinema de Quentin Tarantino. E convenhamos que poucos realizadores possuem, como ele, uma obra que agita inclusivamente os espaços musicais que o seu cinema aborda. Recorde-se como Pulp Fiction recuperou Misirlou, um velho clássico surf rock de Dick Dale & His Del-Tones e lhe deu nova vida ou como Jackie Brown nos lembrou dessa pérola que é Across 110th Street de Bobby Womack.

Se no díptico Kill Bill a relação com a música alcança um nível de integração mais profundo (podemos mesmo dizer carnal) com o corpo do filme, no novo Django Libertado, sem dúvida um dos melhores títulos da filmografia do realizador norte-americano, Tarantino atinge novo episódio de entendimento maior entre a música e o filme que a acolhe, integra e assimila. Narrativa passada nos anos que antecederam imediatamente a Guerra Civil norte-americana, Django Libertado espelha todavia uma série de ressonâncias com o presente (entre elas uma consciência que temos do tempo que passou e da história que vivemos como sociedade). É um filme de época, mas uma história que assim se conta no presente. O presente de Tarantino e do seu cinema. O presente histórico de uma América que tem um presidente afro-americano a cumprir um segundo mandato. O presente de uma humanidade que sabe que, apesar de legalmente resolvida a escravatura, há uma carga (que é mais que uma memória) que não se pode apagar.

É essa noção de confronto entre o passado (o do tempo da ação) e o presente que é o do espectador em sala que passa por uma banda sonora que sublinha ainda a alma cinéfila de Tarantino que passa pelo próprio filme. Não lhe basta levar a uma das cenas o ator Franco Nero (que vestiu pela primeira vez a pele do Django do filme de 1996 de Sergio Corbucci), como dessa velha banda sonora chama a presença da canção de Luis Bacalov, na voz de Rocky Roberts que serve o genérico do novo filme. Convoca ainda, da mesma genética western spaghetti, a presença de Ennio Morricone, que assina mesmo um inédito, Ancora Qui, para a voz de Elisa Toffoli. E depois rasga o tempo e marca um sentido de presente (que é o nosso) que é herdeiro dos ecos que aqui se evocam com RZA, James Brown ou 2Pac. Como quem sabe que uma história tem um começo, um fim... e deixa uma herança.