quarta-feira, outubro 31, 2012

Uma história noturna

Mais discretamente que noutros tempos, o certo é que os dinamarqueses Raveonettes vão continuando a construir uma obra. E do alinhamento do seu mais recente álbum, editado em setembro, apresentam agora o single Curse The Night, que fazem acompanhar com um teledisco que é quase um pequeno filme. Aqui ficam as imagens.

Novas edições:
Danny Elfman, Frankenweenie


Danny Elfman 
“Frankenweenie” 
Walt Disney Records / EMI Music 
4 / 5

Colaborador regular de Tim Burton (só não colaboraram em Ed Wood, por alturas de um desentendimento e Sweeney Todd, uma vez que este era um musical baseado em composições de Stephen Sondheim), Danny Elfman contribuiu, com a sua música, para a definição de uma marca autoral que reconhecemos há muito na obra do realizador, mal imaginando nós os seus filmes com outros sons... E meses depois de um Dark Shadows apenas de rotina – tanto para o realizador como no plano da banda sonora – eis que ambos se reencontram num dos seus melhores projetos dos últimos tempos. Se Frankenweenie, baseado numa curta-metragem sua de 1984, é um dos melhores e mais pessoais filmes de Tim Burton nos últimos anos, a partitura que Danny Elfman aqui assina é também uma das mais cativantes das que nos tem apresentado entre as suas produções mais recentes. Tal como o filme, que toma como central a figura de um cãozinho (na melhor linha Frankenstein) que é diferente de tudo e todos, evoca em vários elementos a memória do sublime Eduardo Mãos de Tesoura, também a música de Elfman reencontra aqui afinidades com esse que continua a ser o paradigma de referência para a relação entre ambos. Estamos pois novamente num terreno de um certo lirismo assombrado, a doçura de certas linhas vivendo sempre ameaçada por sombras (de eventual travo gótico por perto), aos coros cabendo ocasionais frestas de luz numa atmosfera mais densa (as vitaminas de ação de certas sequências exigindo depois maior fôlego rítmico e descargas de intensidade respetivamente sugeridas pelas cordas e metais, o órgão surgindo para acentuar o tom sepulcral da coisa). Apesar do natural mediatismo que o disco-companheiro Frankenweenie Unleashed! possa cativar, dos dois álbuns lançados por ocasião da estreia deste filme este é, claramente, o que mais traduz o que de melhor há em Frankenweenie. Até porque, à exceção da canção de Karen O que escutamos quando chegam os créditos finais e de uma outra, que escutamos no próprio filme, na voz de Winona Ryder, esse álbum companheiro inspirado pelas atmosferas de Frankenweenie é um verdadeiro susto!

'Star Wars' regressa em 2015


A notícia chegou ontem, ao fim da noite, e dá conta da venda da Lucasfilm à Disney por uma soma astronómica. George Lucas, que recebe parte da soma entre dinheiro e ações, afirmou que era chegada a altura de passar o universo de Star Wars a uma nova geração de realizadores. E ficou já anunciado um Episódio VII para 2015, seguindo-se um VIII e XI. E, depois, um filme novo a cada dois a três anos...

Recorde-se que a Disney nos últimos anos adquiriu a Pixar e a Marvel, sendo esta mais uma importante contribuição para um catálogo que tem apostado em franchises. Resta saber que tipo de histórias e que tom (entre as contribuições da animação digital e imagem real) terão os novos filmes Star Wars... É que da segunda trilogia, na verdade só se “aproveitou” mesmo o Episódio II...

Podem ler aqui a declaração oficial proferida por ocasião da compra.

50 anos de James Bond,
Chris Cornell, 2006


O maior tiro ao lado da história das Bond songs coube à colaboração entre David Arnold e Chris Cornell da qual surgiu a canção para Casino Royale, o primeiro filme com Daniel Craig na pele do agente 007. Depois de uma sucessão de filmes com vozes femininas e com vontade de vincar a estreia de um novo ator, a canção foi trabalhada no sentido de traduzir o clima da banda sonora. You Know My Name chegou ao número 7 no Reino Unido e número 79 nos EUA, mas é claramente das menos inspiradas de sempre do universo James Bond.

terça-feira, outubro 30, 2012

Chantal Akerman e a loucura (2/2)

MAGRITTE
La Folie Almayer
1969
Homenageada no DocLisboa, Chantal Akerman está também de volta ao mercado português, através de A Loucura de Almayer — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Outubro), com o título 'Entre a Malásia e a utopia'.

[ 1 ]

Entramos no cinema de Chantal Akerman como numa paisagem de Magritte (hélas!, um belga tal como ela): reconhecemos objectos, corpos e cenários; ao mesmo tempo, sentimos ou pressentimos que o nosso reconhecimento não basta para compreender a lógica da cena que contemplamos. Afinal de contas, este mundo em que sabemos nomear cada personagem ou adereço é também um mundo assombrado pelo sem sentido de muitas das suas relações. O mapa do género humano carece de coerência e estabilidade: no limite, isso conduz-nos ao imenso planalto do absurdo ou ao desfiladeiro da loucura.
A Loucura de Almayer é sobre isso mesmo. Ou melhor, nasce no interior de tudo isso. Ao transpor o romance de Conrad para a Malásia de 1950, Akerman não está exactamente a “actualizar” a história. Em boa verdade, a ideia que ela faz passar é a de uma radical intemporalidade dessa história: Almayer (notável e enigmático Stanislas Merhar) possui a vertigem de uma personagem que deseja subtrair-se ao inexorável do tempo.
Por uma cruel e muito literária ironia (do género que a escrita de um Roland Barthes nos ensinou a ter em conta), a língua francesa dá corpo à moral de tudo isto. A palavra “malaise”, designando o país e a identidade geográfica da filha de Almayer (nascida de uma mãe “malaia”), é também a mesma que define uma condição individual em que o “mal-estar” envolve o desencanto existencial e a angústia moral. Em boa verdade, nessa fricção da linguagem falada, deparamos com a tragédia mais funda de Almayer: ele é alguém que procura encontrar um lugar estável na esquizofrenia da sua odisseia geográfica, um viajante ferido pelo próprio desejo utópico que o colocou em movimento. Através do seu cinema secreto e contemplativo, Akerman mostra-nos como somos sempre nómadas.

Cães subaquáticos

A fórmula é tão antiga quanto a relação de confiança que se estabeleceu entre cães e seres humanos. Ou seja: um cão e uma bola (ou outro objecto que possa ser lançado). Mais exactamente: dono lança a bola + cão corre atrás da bola + cão devolve a bola — a felicidade é uma coisa simples, hélas!
Com uma diferença: Seth Casteel lança a bola para a... água. Aliás, duas diferenças: Casteel é um fotógrafo que mergulha com o cão, possuindo também o sentido dessa fracção de tempo em que a imagem se faz coisa viva e irrepetível: o "instante decisivo", como diria o grande Cartier-Bresson (neste caso, se preferirem, o instante canino...).
Underwater Dogs é o resultado de toda esta agitação: um álbum sobre cães subaquáticos e o seu fotógrafo, qual celebração da arte de ser... peixe. Com uma diferença filosófica que Casteel não deixa de sublinhar: "O salmão não está, por certo, interessado numa bola de ténis."

Para passar a mensagem...

Mais um aperitivo para o álbum Awayland, dos Villagers, que chega em novembro. Depois do promissor Waves, lançado há poucas semanas, agora escutamos Passing a Message, com um teldisco gráfico assinado por Billy Pilgrim. Aqui ficam as imagens...

PS. O álbum promete...

Novas edições:
I Like Trains, The Shallows


I Like Trains 
“The Shallows” 
I Like Records 
2 / 5

Seja a evocar figuras ou acontecimentos ou a debater cenários de um futuro que podemos contemplar no horizonte, os escoceses I Like Trains gostam (além dos comboios), de fazer das canções pequenos episódios de reflexão. Há cinco anos, em Elegies For Lessons Learnt cantavam uma praga do século XVII, uma tentativa de regicídio em 1800 ou a memória de um estudante que tentou saltar o muro de Berlim em 1961... Em 2010, o segundo álbum, He We Saw The Deep desviava, por sua vez, os olhares para o futuro. E agora, em The Shallows focam o presente, numa coleção de canções que traduzem cenários de relacionamento entre o homem e a tecnologia. Possivelmente inspirado pelo título do livro de Nicholas Carr – que entre nós vai brevemente ser publicado pela Gradiva como Os Superficiais (The Shallows, no original) – no qual se discutem os efeitos da Internet sobre os nossos cérebros, a nova coleção de canções dos I Like Trains mostra todavia mais boas intenções que reais concretizações. O alinhamento abre, com tom algo promissor em Beacons onde juntam uma discreta cenografia electrónica (de alma pós-punk) a uma estrutura pop/rock em registo claramente evocador das mesmas matrizes seguidas por nomes como uns Interpol, The National (e afins), sendo que, além da instrumentação, das formas e referências evocadas e modelos de composição seguidos, até a voz grave e bem colocada de Dave Martin ajuda nesse plano de comparações... O que ocasionalmente seriam interessantes focos de debate acabam porém reduzidos a uma sucessão de canções que não escapam a um clima que domina o disco de fio a pavio. E um disco que se propunha a lançar um tema atual e urgente acaba, sobretudo, na segunda metade do alinhamento, por ser coisa cansativa e que pouco acaba por comunicar... Tiro ao lado, portanto.

No topo do vulcão

Fotos: Yu Yamauchi

São imagens tiradas no topo do Monte Fuji, o enorme vulcão que domina a paisagem em volta da cidade de Tóquio, no Japão. Durante quatro meses o japonês Yu Yamauchi viveu numa pequena cabana no topo da montanha e captou imagens de inúmeras alvoradas. Uma seleção dessas imagens está agora exposta sob o título Dawn, na Miyako Yoshinaga Gallery, em Nova Iorque.

Podem ver aqui algumas das imagens no site do fotógrafo.

Le1f atua hoje em Lisboa


Atua hoje em Lisboa o rapper Le1f, uma das figuras centrais do movimento que tem sido descrito como queer rap. Expressão com visibilidade recente de uma postura que rompe uma certa homofobia com expressão algo "endémica" durante anos a fio junto a alguns nomes deste universo musical, o queer rap não procura contudo ser apenas uma força política, mas antes um espaço de expressão da individualidade e criatividade de cada um. Entende-se que, como acontece em tantos outros “movimentos”, que cada músico sinta no fim que está mais atento à sua agenda artística pessoal que a uma agenda de grupo. Vale por isso a pena, além de refletir sobre o género, descobrir quem é Le1f, que hoje à noite passa pela ZdB, em Lisboa. Podem entretanto ler hoje uma entrevista, assinada pelo João Moço, com o rapper na edição impressa e e-paper do DN.

E aqui podem ver o teledisco para o tema Wut.

50 anos de James Bond,
Madonna, 2002

Madonna foi chamada para assinar e dar voz à canção-tema para o filme de 2002 Die Another Day. Em parceria com Mirwais a cantora propôs uma das canções que mais se afastaram do cânone James Bond mas cujos resultados dela fizeram a mais bem sucedida das canções ao serviço de 007 desde A View To A Kill, dos Duran Duran. Madonna explorou ainda mais a fundo o universo James Bond no teledisco que criou para acompanhar a canção e no qual surgem referências a vários filmes, gadgets e personagens da série, da pistola dourada de Scaramanga a Oddjobb. Uma das referencias mais claras do teledico aponta inclusivamente para o papel que a própria Madonna desempenhou no filme, como instrutora de esgrima.

Podem ver aqui o teledico de Die Another Day.

Lianne La Havas: o simples e o complexo

O canto de Lianne La Havas envolve uma complexa textura soul, não dispensando algumas reminiscências folk, ao mesmo tempo oferecendo-se como expressão da mais pura arte da simplicidade. Depois de Lost & Found e Forget, aí está o tema que dá título ao seu álbum de estreia, Is Your Love Big Enough? — um contido e admirável exercício a solo (com guitarra), nos estúdios da rádio WFUV, em Nova Iorque.


>>> Site oficial de Lianne La Havas.

segunda-feira, outubro 29, 2012

Chantal Akerman e a loucura (1/2)

Chantal Akerman no seu filme Je, Tu, Il, Elle (1974)
Homenageada no DocLisboa, Chantal Akerman está também de volta ao mercado português, através de A Loucura de Almayer — estes textos foram publicados no Diário de Notícias (28 Outubro), sob o título genérico 'Chantal Akerman reinventa romance de Joseph Conrad'.

* Nasceu em Bruxelas, em 1950.
* Prémio Lumière (2005): melhor filme francófono, Amanhã Mudamos de Casa.
* Dirigiu um episódio de O Estado do Mundo (2007), produzido pela Fundação Gulbenkian

Antes de A Loucura de Almayer, Chantal Akerman já mostrara o seu fascínio por cenários mais ou menos distantes, por exemplo filmando em espaços novaiorquinos, no documentário News from Home (1977) ou na comédia romântica Um Divã em Nova Iorque (1996). Entre os seus títulos mais conhecidos, incluem-se ainda Les Rendez-Vous d’Anna (1978), Toute une Nuit (1982) e a comédia musical Golden Eighties (1986). Em D’Est (1993), filmou os países de Leste depois da Queda do Muro de Berlim.


Subitamente, Chantal Akerman emerge como um nome essencial na actualidade cinematográfica portuguesa. Primeiro, porque o DocLisboa lhe dedicou uma retrospectiva integral que, além do mais, permite avaliar o seu singular ziguezague entre a “objectividade” do documentário e a “subjectividade” da ficção; depois, porque o seu filme mais recente, A Loucura de Almayer (2011), chegou ao circuito comercial na passada quinta-feira. E vale a pena recordar que, em meados da década de 70, Akerman encontrou no nosso país, no âmbito do Festival da Figueira da Foz, um importante espaço de divulgação dos seus primeiros filmes, nomeadamente Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles (1975) e Je, Tu, Il, Elle (1974).
Cineasta belga, de uma geração marcada pela herança crítica e experimental da Nova Vaga, Akerman tem mantido uma importante relação criativa com o universo literário, por vezes apostando em ousadas reinvenções de obras ligadas à grande tradição do romance. Assim aconteceu com A Cativa (2000), adaptando para o presente A Prisioneira, quinto volume de À Procura do Tempo Perdido, de Marcel Proust. Com A Loucura de Almayer, propõe também uma inesperada deslocação temporal: o ponto de partida é o primeiro romance de Joseph Conrad, Almayer’s Folly, publicado em 1895 e tendo por cenário as Índias orientais; agora, o filme retoma a personagem de Almayer, transferindo-o para os anos 50, no século XX, embora mantendo o mesmo assombramento cenográfico e existencial dos cenários da Malásia.
A “loucura” de Almayer nasce do cruzamento cruel de duas componentes. Assim, ele pode ser visto como o protótipo do colonizador que, em terras exóticas, persegue a miragem de uma riqueza absoluta. Ao mesmo tempo, o seu envolvimento com as personagens locais empurra-o para um labirinto vertiginoso, porventura sem saída: Nina, a filha que nasceu do casamento com uma mulher que enlouqueceu, é a prova real da sua utopia e também do seu impasse existencial.
Para interpretar Almayer, Akerman escolheu de novo Stanislas Merhar, o actor francês que já protagonizara A Cativa. Com uma carreira discreta, mas recheada de momentos invulgares, Merhar tem sido curiosamente convocado para universos directa ou indirectamente inspirados na tradição literária. Vimo-lo, por exemplo, em A Carta (1999), de Manoel de Oliveira, ou ainda em Adolphe (2002), de Benoît Jacquot, adaptação do clássico de Benjamin Constant que, infelizmente, nunca chegou às salas comerciais do nosso país.

Do virtual para o real

Depois de uma série de "discos" disponibilizados online, o projeto canadiano The Weekend estreia-se com uma edição "convencional" em novembro, num álbum que vai recolher temas dos três que foi lançando pela Internet. E como single propõe este Rolling Stone, que se apresenta com teledisco.

Sound + Vision Magazine
hoje às 18.30 na Fnac Chiado


Hoje há mais uma sessão Sound + Vision na Fnac Chiado. Pelas 18.30 fala-se dos discos, dos filmes e dos livros que fazem a atualidade. Entre os títulos a apresentar estão um DVD que recolhe algumas das primeiras curtas-metragens da nouvelle vague francesa, o disco em que Tori Amos revisita, com uma orquestra, alguns temas da sua obra e a edição em DVD das duas longas-metragens documentais de Gonçalo Tocha. A evocação dos 30 anos de Blade Runner, de Ridley Scott, também passa por esta sessão.

Novas edições:
Patrick Wolf, Sundark and Riverlight

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Patrick Wolf 
“Sundark and Riverlight” 
Bloody Chamber Music / Popstock 
3 / 5

Não têm faltado, este ano, “celebrações” de carreira que optam, em vez da mais tradicional operação best of, pela recontsrução de canções sob novos arranjos para orquestra. Tori Amos assim o fez em Gold Dust. Antony Hegarty, mesmo sem data redonda em agenda, apresentou um disco orquestral. E agora quem entra em cena é Patrick Wolf, propondo num álbum duplo novos pontos de vista sobre canções dos seus dez primeiros anos de carreira. Mas ao invés das outras revisões, pensadas para as potencialidades cromáticas e dramáticas de uma orquestra, a proposta de Patrick Wolf opta por recorrer a um ensemble de câmara. Opção até surpreendente dado o tom grandioso com que tantas vezes encarou os arranjos das mesmas canções que aqui revisita. E confesso que mais depressa o imaginaria a tomar caminos como os que Neil Hannon seguiu com os Divine Comedy numa atuação londrina em meados dos anos 90 que então editou em disco na forma de três versões do single Everybody Knows (Except You). Gravadas nos estúdios Real World, de Peter Gabriel, as canções que Patrick Wolf aqui revisita chegam de todos os seus álbuns e dos EPs Brumalia e Lupercalia, as mais pessoais e melancólicas arrumadas no disco 1, as mais dialogantes e capazes de celebrar o diálogo e a partilha rumando ao disco dois. As leituras mais surpreendentes cabem às memórias do algo desarrumado Lycanthropy. Vulture, originalmente um surto de angulosidade e pujança eletrónica, surge irreconhecível (não necessariamente melhor que a versão original, entenda-se). Os melhores instantes resultam contudo de colheitas apontadas a canções na sua origem mais próximas do modelo da balada (ou que caminham nas suas periferias), como é o caso de Bluebells, as transformações de Teignmouth ou de Overture estando ainda na lista dos momentos de maior brilho deste alinhamento. Pelo contrário, toda a intensidade dramática de um The Libertine, Hard Times ou a vibração pop de Magic Position ou Together perdem perante o regime de dieta proposto. Na verdade, Sundark and Riverlight parece mais um interesante programa de concerto que um álbum de feitos conquistados. É verdade que o desafio da contenção “de câmara” pode ser proposta mais estimulante para quem transforma e ideia maios exequível em eventuais concertos (viajar com orquestra, sabemos, é caro). O lote de canções não deixa dúvidas sobre o facto de termos em Patrick Wolf um dos mais interessantes cantautores da sua geração. Mas esta revisão de arranjos teria ganho substancialmente se outra teatralidade morasse em algumas destas versões. Faltou a orquestra.

Os Duran Duran, e não só...

John Taylor, baixista dos Duran Duran, assina as suas memórias “so far” num volume a que dá o título In The Pleasure Groove. Num registo confessional fala de música. Mas também de problemas que enfrentou fora dos palcos.

A narrativa propõe um era-uma-vez cronologicamente arrumado, franco e honesto, recuando aos dia de escola (quando ainda usava óculos e usava o seu nome Nigel), a descoberta da música , os concertos a que assistiu com o colega de escola Nicholas Bates (que hoje conhecemos como Nick Rhodes) e os momentos de estreia como músico quando integrou os Shock Treatment. O livro é particularmente rico em informações sobre o período da criação dos Duran Duran e da progressiva busca de um rumo e de uma formação definitiva (num período de dois anos, entre 1978 e 1980). É igualmente atenta a descrição das memórias da etapa inicial da vida do grupo, sobretudo os acontecimentos de 1981 (da edição do primeiro single e gravação do álbum de estreia até à primeira viagem aos EUA), 1982 (com a criação de Rio, a rodagem dos telediscos que fizeram história e os incidentes na Alemanha que o impediram de tocar em Lisboa) e 1983 (com claros sinais de algum desnorte durante a criação de Seven and The Ragged Tiger). John Taylor explica ainda com cuidado a génese dos Power Station e a necessidade de uma pausa, sem esquecer contudo o momento da criação de A View To A Kill, para o filme de James Bond com o mesmo nome que representou a derradeira ação da formação do grupo antes da sua reunião, longos anos depois.
John dá-nos a noção de como viveu com entusiasmo o reencontro que os conduziu a Notorious (e como então o quinteto foi reduzido a um trio), não perde muito tempo com Big Thing, reconhece os erros na altura de Liberty, lembra o Wedding Album e depois quase secundariza a música para se focar nos problemas pessoais que viveu nos anos 90 (drogas, álcool e questões familiares).
Apesar de retomar algum foco musical na aventura com os Neurotic Outsiders e no reencontro que gerou o álbum Astronaut, o livro deixa muito por contar sobre a sua carreira a solo, a segunda vida dos Power Station, a gravação do álbum Reportage (nunca editado) e até mesmo a criação de Red Carpet Massacre (que dá a entender ter gerado valentes dores de cabeça, sobretudo pela falta de interesse dos media na banda) e até mesmo de All You Need Is Now. Leitura interessante no período 1978/86, que desafie agora o músico (pelo evidente sucesso que o livro está a gerar) a um volume dois que, uma vez “resolvidas” as memórias mais difíceis da sua vida pessoal, nos possa depois contar o era-uma-vez pós-Notorious com a mesma precisão. Se bem que, se algum dia houver uma memória escrita por Nick Rhodes (o único elemento do grupo omnipresente desde a formação da banda, em 1978), esse será certamente o livro a ler...

50 anos de James Bond,
Garbage, 1999


Coube aos Garbage a criação da canção para The World Is Not Enough, a canção-tema para o filme de 1999 da série James Bond. A canção foi co-assinada por David Arnold, autor da banda sonora, e segue os diálogos entre as electrónicas e o som de uma orquestra que caracterizam a partitura original que o músico criara para o filme. Apesar de revisitar o cânone Bond e de ter alcançado alguns resultados na Europa (foi número 11 no Reino Unido), o single está longe de ser dos mais representativos da série.

domingo, outubro 28, 2012

"Tubarão" na idade do Blu-ray


A edição em Blu-ray de Jaws/Tubarão (1975), de Steven Spielberg, tem o seu próprio site. E até um trailer [video]. Não é uma mera curiosidade promocional: os chamados suportes "alternativos" são cada vez mais centrais na dinâmica artística e comercial dos filmes e, em boa verdade, representam para muitos espectadores a única via de conhecimento directo de muitos filmes.
Daí o paradoxo: por um lado, Tubarão foi um dos grandes fenómenos da reconversão económica da indústria cinematográfica, efectivamente iniciando a idade dos blockbusters; por outro lado, as glórias desse tempo são, agora, matéria de eleição para as mais fascinantes formas de sofisticação digital.
Daí também que seja importante dizer que, para além da excelência do restauro que agora nos é oferecido (e de alguns magníficos extras), o que persiste é... o próprio filme. A saber: a sua capacidade de colocar em cena um medo primordial que ignora a consistência de qualquer comunidade humana, social ou familiar. No limite, Tubarão coloca em cena uma espécie de esvaziamento simbólico do humano — nas atribulações existenciais do século XXI, o seu novelo temático, hélas!, parece ainda mais actual.


>>> 1975: ensaio de Peter Biskind na revista Jump Cut.
>>> 2012: ensaio de Mark Dinning na revista Empire.

U.S. Girls: uma aventura a solo

O plural é o novo singular: Meghan Remy vem de Toronto, expõe-se artisticamente como U.S. Girls e, em boa verdade, a sua encantatória sonoridade confronta-nos com uma multiplicidade difícil de classificar — no limite, há nela a nostalgia de um rock primitivo, acre e agreste, desembocando na inquietação de uma paisagem noturna de David Lynch. Aliás, o teledisco de North on 45 parece não falar de outra coisa. Em complemento, vale a pena ver também o bizarro ambiente de cabaret (?) em que ela nos apresenta o tema Jack.




>>> U.S. Girls na BBC.

Chabrol: the end

Como avaliar o estado do mercado cinematográfico?
De muitas maneiras, por certo. E tendo em conta muitos índices, tendências, sucessos ou insucessos — afinal de contas, um mercado é sempre, para o melhor e para o pior, um mercado social.
Pois bem, no mercado português, Claude Chabrol já não é uma prioridade. E, por certo, não por ter falecido há mais de dois anos, em Setembro de 2010. Acontece que o seu derradeiro filme, Bellamy, magnífica variação sobre as matrizes clássicas do policial, só agora chega às salas do nosso país.
Dir-se-ia que já não há urgência (comercial, antes do mais) face a um nome tão grande e tão respeitável como Chabrol... O que, na prática, recoloca uma dúvida pertinente: até que ponto, em termos globais, o mercado ainda pode (ou sabe) lidar com alguém que se chama Chabrol?
A pergunta pode mesmo adquirir uma bizarra variação: de que modo o mercado concebe, estuda ou imagina os espectadores a que se dirige?

Para evocar Hans Werner Henze

Em dois discos um breve panorama pela obra de Hans Wener Henze, que ontem morreu aos 86 anos. Gravações do catálogo da EMI reunidas num volume da série 20th Century Classics.

Não deverá faltar muito tempo para que a “voz” de Hans Werner Henze volte a ser escutada com o protagonismo que lhe é devido. Afinal, foi um dos maiores compositores europeus da segunda metade do século XX e um dos mais importantes autores de ópera numa época em que poucos pareciam acreditar na sua vitalidade. A extensa discografia que o compositor registou no catálogo da Deutsche Grammophon (em alguns casos de peças orquestrais contando com ele mesmo como maestro) deverá justificar, assim espero, uma caixa antológica ao jeito das que a editora tem lançado nos últimos tempos (veja-se o bom recente exemplo de Fischer-Dieskau) que permita assim vida conjunta a gravações que há muito não estão disponíveis (algumas anteriores à era digital). O mesmo se poderá dizer de uma Wergo, em cujo catálogo também identificamos importante representação de gravações de obras do compositor alemão.

Enquanto isso não acontece, e apesar de algumas pontuais edições recentes o manterem presente nos escaparates mais atentos e completos – ainda este ano houve uma edição em Blu-ray de uma produção do bailado Ondine – o disco que mais bem sugere uma ideia de retrato do compositor para os que eventualmente não conheçam é este dois-em-um integrado na série dedicada a figuras do século XX que a EMI Classics tem vindo a construir. O volume dedicado ao compositor alemão junta duas sinfonias, uma terceira peça orquestral e um conjunto de três canções baseadas em poemas de Auden, juntando gravações de três discos editados nos últimos 20 anos.

A Sinfonia Nº 7, que data de 1984 (e aqui encontramos em gravação de 1992 pela City of Birmingham Symphony Orchestra, dirigida por Simon Rattle) tenta responder a uma demanda sobre que caminhos deveria esta forma caminhar rumo a uma nova etapa, servindo o andamento final uma visão de uma Terra deserta, de onde a humanidade desapareceu. A Sinfonia Nº 9, de 1997, (aqui pela Berliner Philharmoniker e o Rundfunkchor Berlin, dirigidos por Ingo Metzmacher) é uma peça ainda mais pessoal, evocando memórias de juventude, com uma dedicatória aos heróis e mártires do anti-fascismo alemão. O alinhamento inclui ainda a Barcarola (de 1979), peça orquestral de pungente carga visual e três canções que Ian Bostridge gravou num álbum dedicado a Henze.

Três olhares, por Pedro Serranito


Continuamos a fazer viagens pelo mundo através dos olhares de amigos e leitores do Sound + Vision. Nesta primeira etapa as presenças resultam de convites feitos por nós. A seu tempo abriremos espaço a contribuições dos leitores (estejam por isso atentos). A ideia é simples. Cada um deverá olhar para um lugar. Aquele onde vive. Aquele onde viajou. Escolher três imagens. E fazê-las acompanhar de um pequeno texto. Hoje apresentamos olhares captados no Reino Unido por Pedro Serranito, que é relações públicas da CML. Um muito obrigado ao Pedro pela colaboração.

"Another Place" (de Antony Gormley) - 100 estátuas de bronze, cada uma com 650 Kg, realizadas do molde do próprio corpo do artista e que se encontram espalhadas ao longo de 3 Km na Praia de Crosby em Liverpool.

Todas em contemplação, a olhar o mar e o horizonte em silenciosa expetativa.

50 anos de James Bond,
Sheryl Crow, 1997


O segundo filme 007 com Pierce Brosnan é um dos mais gritantes exemplos de má gestão dos ingredientes, pelo menos no que toca à música. Se por um lado o filme encetou um relacionamento com David Arnold (que depois de John Barry foi quem por mais tempo esteve associado a esta série) por outro optou por destacar a participação de Sheryl Crow em detrimento da de kd Lang, ambas tendo contribuído com canções para a banda sonora. Tomorrow Never Dies, de Sheryl Crow, chegou ao número 12 no Reino Unido, não figurou sequer na tabela americana e é das mais fracas das Bond songs de colheita recente (só batida pelo verdadeiro tiro ao lado de Casino Royale). Já Surrender, de kd Lang é uma das melhores Bond songs de sempre, firme no cânone e suportada por uma interpretação fortíssima e pungente (e nunca foi sequer editada como single). Alguém se enganou aqui, quando resolveu assim arrumar a visibilidade das duas canções no mesmo filme.

sábado, outubro 27, 2012

Paul Banks (de novo) a solo

Inconfundível voz dos Interpol, Paul Banks já tinha experimentado as delícias da expressão a solo, com o seu alter-ego 'Julian Plenti' (Julian Plenti Is... Skyscraper, 2009), embora não deixando de contar com o apoio da banda. Esta esquizofrenia criativa volta a exprimir-se num novo álbum: desta vez, para evitar confusões, Paul Banks assina... Paul Banks e o álbum chama-se... Banks.
E se é verdade que a marca dos Interpol não está ausente, não é menos verdade que Banks consegue uma síntese invulgar entre uma sensibilidade pós-punk e o negrume poético da sua voz (ainda e sempre, malgré lui, evocando Ian Curtis...). Pelo meio, há uma faixa intsrumental intitulada Lisbon. Eis o primeiro teledisco de Banks: Young Again, com realização de Sophia Peer.

Hans Werner Henze (1926-2012)

Morreu, aos 86 anos, um dos grandes compositores europeus da segunda metade do século XX. Um homem de convições, marcado pela juventude assombrada pelo regime nazi (chegou a ser recrutado e acabou a guerra como prisioneiro), etapa que formaria convicções de esquerda que aflorariam inclusivamente na sua obra. Foi um resistente na ópera quando muitos a davam como coisa do passado. Deixou-nos também importante obra sinfónica.


Podem ler aqui o obituário que publiquei no DN,

(em atualização)

"O Sporting é o impossível"

JACQUES LACAN
(1901-1981)
Na sua deslumbrante e galáctica versatilidade, alguns comentadores do futebol inventaram uma nova categoria filosófica: aquilo-que-não-pode-acontecer... — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Outubro), com o título 'O Moreirense não existe...'.

1) – Estamos esclarecidos. Afinal, não havia crise. Nem económica, nem política, nem coisa nenhuma. Nos últimos dias, compreendemos, finalmente, que a única crise que atormenta o país é a “Crise do Sporting”.

2) – O assunto não é simples. A crise, caros colegas espectadores, não pode ser simples. Em todo o caso, creio que comecei a perceber melhor. E aqui estou para tentar esclarecer-vos. De facto, correu um insidioso boato segundo o qual o Sporting teria sido eliminado da Taça de Portugal... Havia mesmo quem se atrevesse a dar um nome ao clube responsável por tal afronta: “Moreirense” era a designação dessa entidade inexistente.

3) – Acontece que, se é verdade que o Sporting foi eliminado de alguma competição, podem crer que jogou sozinho... Porquê? Porque o jornalismo é uma coisa séria e se um grande (como o Sporting) tivesse sido eliminado por uma equipa modesta (o tal “Moreirense”), era inevitável que essa equipa sem história saltasse para as manchetes dos noticiários. Se o “Moreirense” tivesse ganho ao Sporting, não se falaria doutra coisa. Podem crer: o Sporting anda a jogar sozinho.

4) – Aliás, uma prova muito real do que vos estou a dizer é que, em tempos pré-históricos, quando uma equipa secundária (ou terciária...) eliminava um grande, havia sempre uma frase emblemática que todos repetiam: “Aconteceu Taça!” E era uma festa. E todos os adeptos e comentadores celebravam o acontecimento.

5) – Agora não. Não só não “acontece Taça”, como, em paralelo, estamos a assistir à consagração de um novo modelo de comentário face a coisas como a miragem do “Moreirense” ou as desastrosas exibições da selecção portuguesa. A sua palavra de ordem é: “Isto não pode acontecer”. Com uma variação ainda mais elaborada: “Em alta competição, isto não pode acontecer.” Parece-me ser uma variação ousada sobre a fórmula de Jacques Lacan: “O real é o impossível”. Tenho dúvidas, apesar de tudo, que fosse isso que Lacan queria dizer... mas isto sou eu a desconversar, armado em adepto do Moreirense.

The Smiths, 1987

Foi há 25 anos. Os Smiths tinham editado em finais de setembro o álbum Strangeways, Here We Come (que seria o seu derradeiro registo de originais e ainda hoje é o meu álbum preferido da banda). E quando extraíram do seu alinhamento um segundo single - este I've Started Something que hoje recordamos - já o mundo sabia que tinha chegado o fim. Na verdade, encerravam uma curta mas vibrante e rica carreira em alta. Poucos o fizeram assim. E hoje deixamos a memória desse teledisco que, para muitos (como eu) representava na altura a expressão visual de algo que ia acabar...

Bon Iver: Lisboa, 26 de outubro de 2012

Foto: DN / Ângelo Lucas
Fica registado como um dos momentos mais inesquecíveis de palcos em 2012 aquele em que Justin Vernon encerrou o seu segundo concerto lisboeta deste ano com Calgary e, logo depois, a simplesmente perfeita Beth/Rest. Por si só estas duas canções faziam com que a noite tivesse valido a pena. Mas foi interessante ver como a música de Bon Iver respira uma noção mais encorpada de fisicalidade ao vivo. Assim como foi curioso constatar o fenómeno em que se transformou.

Podem ler aqui a crítica que hoje publiquei no DN.

A caminho de Marte (parte 2)

Foi hoje colocada online, no blogue Marte Ataca! a segunda parte de um texto originalmente publicado no suplemento Q., do DN, sobre o planeta vermelho. Hoje recordam-se os primeiros estudiosos de Marte e as conclusões de observações, sobretudo algumas que fizeram história em finais do século XIX. Começa asssim...

Marte encanta o homem há séculos. Deram-lhe, pela cor vermelha com que o vemos a olho nu, o nome do deus romano da guerra. Mas teríamos de esperar até 1609 para lermos um primeiro estudo científico sobre os movimentos do planeta, pela pena de Johannes Kepler. O telescópio de Galileu ajudou a ver mais e melhor este mundo vizinho. Em 1636 o italiano Francesco Fontana desenhava Marte tal como o via com a ajuda do telescópio. E em 1659, Christian Huyggens identificava uma primeira estrutura no planeta. Desenhava-a na forma de um triângulo (hoje sabemos ser Syrtis Major). E sete anos depois Giovanni Cassini calculava a duração de um dia marciano: 24 horas e 40 minutos (apenas mais dois minutos do que a medida hoje reconhecida). É também pelo telescópio que, em finais do século XIX, Marte volta a estar na ordem do dia e com mais protagonismo que nunca no panorama científico. Uma maior proximidade entre a Terra e Marte, em 1877, permitiu a descoberta das suas duas luas – Phobos e Deimos. E, no mesmo ano, o italiano Giovanni Schiaparelli (que dirigia o observatório de Brera, em Milão) identificou cerca de 60 estruturas na superfície do planeta.

Podem ler aqui o resto do texto.