sábado, setembro 08, 2012

Os selvagens de Oliver Stone (2/2)

Com a adaptação do romance de Don Winslow, Oliver Stone reencena os circuitos das drogas: Selvagens ilustra a dimensão mais "experimental" da sua filmografia, evocando Assassinos Natos – este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 Setembro), com o título 'Novas aventuras na selva'.

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No começo de Selvagens, dois dos protagonistas recebem um vídeo de um cartel da droga, mostrando uma brutal cena de tortura. Definindo as leis do mundo inquietante que vai ser retratado, Oliver Stone expõe também o seu bizarro jogo de espelhos: o vídeo é uma prova de real, mas também uma espécie de espectáculo interno que faz parte de uma teatralidade cruel. Daí o paradoxo eminentemente contemporâneo: já não há sociedade, apenas grupos mais ou menos fechados que tentam preservar um poder fragmentado e fragmentário. Em boa verdade, tudo voltou a um regime tribal. O título apresenta uma metáfora simples, mas eloquente: no tempo dos satélites, telemóveis e todos os delírios virtuais que possamos imaginar, o nosso habitat regressou à crueza maniqueísta da selva – comer ou ser comido.
A hipocrisia corrente, sobretudo no seu militante anti-americanismo, tende a reduzir criadores como Oliver Stone a “exilados” no interior seu próprio país. É uma visão banalmente mentirosa, desde logo porque Stone nunca deixou de trabalhar no coração de Hollywood, com os grandes estúdios (Selvagens tem chancela da Universal Pictures). Mas é, acima de tudo, uma perspectiva que mascara a parte de amor patriótico que sempre existiu na sua filmografia. Ou alguém duvida que Platoon (1986), no seu retrato trágico das florestas do Vietname, é acima de tudo um grito angustiado dirigido à mãe América?
Por uma ironia eminentemente cinéfila, Selvagens evoca ainda uma outra América, hoje em dia menosprezada pela tecnocracia dos “efeitos especiais”. É a América dos pequenos filmes de série B em que todos os delírios românticos são possíveis, incluindo o delírio anarquizante e libertário da narrativa de Ophelia (Blake Lively). Como se o sangue fosse apenas tinta vermelha.