sábado, setembro 29, 2012

Em conversa: Gary Numan

Um dos pioneiros da pop electrónica na Inglaterra de finais de 70 é hoje apontado como uma das figuras mais influentes da sua geração. Coisa rara num universo implacável como o da pop, um músico que se tornara memória obscura desde meados de 80 viu-se mais tarde citado como herança fulcral para uma variedade impressionante de famílias de músicos. Nos anos 90 nomes corno os Nine Inch Naus, Marilyn Manson, Foo Fighters ou Deadsy revelaram assim heranças invulgares em domínios rock. Nas esferas das electrónicas dançáveis o Numan é igualmente venerado. Em inícios de 80 era, juntamente com os Kraftewrk, alimento fundamental do som electro que começava a transformar o hip hop. O electroclash, na alvorada do século XXI escutou-o outra vezz... E mais tarde até as Sugarbabes transformam Are Friends Electric..
Em 2002, dois anos depois de um regresso mais mediatizado com Pure, falei com ele. Esta é a transcrição (editada para 2012) de uma entrevista originalmente publicada nas páginas do suplemento DNmais.

Nos dias de Replicas [álbum de 1979] poucos foram os que em si reconheceram imediatamente um futuro. John Peel foi um "padrinho" para si...
Foi o único que tocou os discos antes do grande sucesso.

Quando Are Friends Electric começou a rodar na rádio, em 1979, actuou pela primeira vez no Top Of The Pops, numa performance que hoje é apontada corno histórica. Foi um momento assim tão importante?
A canção era muito diferente do que o programa estava então a mostrar, mas eu não chamo a mim qualquer marco histórico nessa ocasião. O que se passou é que eu era um grande fã do programa. Via-o desde os dias da minha adolescência...

Viu por ali passar Bowie, os T-Rex...
Precisamente... E já o via até mesmo antes deles. Mas reparara já que todos usavam muitas luzes coloridas. Eu queria evitar um pouco aquilo, sobretudo porque muitas vezes aquelas luzes transformavam tudo numa espécie de banda de baile em bar de praia... Na altura as luzes eram sempre as mesmas, todos olhavam para a câmara, todos sorriam para a câmara... Eu não queria fazer aquilo. Pedi então apenas luz branca, e evitei sempre olhar para a câmara, excepto num momento específico da canção.

Lavou para ali a ideia de teatro que começava também a trabalhar nos seus concertos?
Tudo para aproveitar as potencialidades do meio e fazer da música algo mais interessante. E da letra algo mais apelativo. Sorrir para a câmara não tinha nada a ver com aquela letra!

As letras de Replicas parecem reflectir muita leitura na área da literatura de ficção científica...
Sim, interessava-me bastante por ficção científica quando era mais novo, mas à medida que fui envelhecendo fui mudando de interesses. Replicas foi, na verdade, um disco que nasceu de uma vontade de escrever um livro, que não consegui concluir. Talvez porque estivesse mais destinado para escrever canções. O livro era uma colecção de contos, e acabei por converter grande parte daquelas histórias em letras de canções. De certa forma Replicas é um álbum temático.

E desenha uma visão muito sombria do futuro... Era a sua visão da então?
Exatamente.

De certa forma segue um pouco as linhas de um Soylent Green ou de um Blade Runner...
O conto de Philip K Dick do qual surgiu o filme Blade Runner, o Do Androids Dream Of Electric Sheep, foi das coisas mais marcantes que li. Quando o filme surgiu senti que tinha muito a ver com o ambiente de Replicas. Voltei a sentir o mesmo mais tarde com O Extreminador Implacável, com aquela coisa da máquina que parece ter uma pele humana, e impossível de detetar. Essa era uma das ideias fulcrais em Replicas. O disco tem muitas ideias de ficção científicas, é verdade.

Ainda assina algumas dessas visões sobre o futuro?
Sim, algumas. Não diria que o álbum queria ser profético, até porque era apenas entretenimento; Mas penso que o futuro é um misto de deslumbramento e terror. A tecnologia pode dar-nos coisas incríveis... De resto, vivemos num tempo em que tomamos muitas coisas por conquistadas. Vivemos as descobertas a tal ritmo que, se não acontece nada de novo numa semana ficamos desapontados. Mas temos ferramentas incríveis à nossa disposição. E podemos não só saber mais sobre o que nos envolve, como descobrir muito mais sobre nós mesmos. Com um computador, mesmo sem saber muita técnica, qualquer um poder criar. Hoje posso desenhar revistas, T-shirts, até mesmo as capas do meus discos.

Podem ver aqui um excerto da atuação de 1979 no Top of The Pops.