segunda-feira, setembro 03, 2012

Clint Eastwood e o nome "Obama"

Num dos cartazes do seu primeiro e magnífico filme sob a direcção de Sergio Leone, A Fistful of Dollars/Por um Punhado de Dólares (1964), Clint Eastwood era apresentado como um herói que se distinguia pelo anonimato: "This is the man with no name..." surgia, afinal, como princípio de uma consagração mítica em que a rudeza fascinante da presença se combinava com a ausência de um nome identificativo — velho princípio, ao mesmo tempo ideológico e narrativo, activo em todas as culturas: aquilo a que não sabemos dar um nome faz medo.
Na sua muito comentada intervenção na Convenção Republicana, em Tampa Bay, Florida [texto completo: CBS], Clint Eastwood tentou qualquer coisa como o inverso da dramaturgia com que Leone o consagrou. Assim, deu o nome a alguém que só podia estar ausente — disse "I've got Mr. Obama, sitting here..." [video: 01m 50s] e esteve quase 10 minutos a falar para... uma cadeira vazia.
Poderia ser apenas um gag mal medido de um banal número de stand up comedy. Mas no contexto em que aconteceu, para mais tendo em conta a verdadeira (e mais que legítima) condição de monumento que Clint Eastwood ocupa na cultura americana, representa um gigantesco e incómodo desastre argumentativo.
Como é possível que o criador que, de forma tão eloquente, soube colocar em cena a dificuldade de lidar com a parte de sagrado que o factor humano contém (lembremos o admirável Hereafter), surja reduzido a esta vulgaridade anedótica?
Mais ainda: no mais estrito plano de uma campanha política, como é possível que ninguém se aperceba que esta "abstracção" do nome Obama apenas reforça o seu poder simbólico?
Evitemos atrair a estupidez dos muitos maniqueísmos que por aí andam. Não se trata de sugerir que Clint Eastwood é um grande cineasta "apesar" de ser republicano (como Robert Redford não é uma das peças centrais da história de Hollywood no último meio século "por apoiar" os democratas). Afinal de contas, basta ver a obra cinematográfica de Eastwood para entender que não é possível reduzir a sua visão do mundo a uma lógica correntemente partidária (Carrie Rickey, ex-crítica de cinema de The Philadelphia Inquirer, chama a atenção para isso mesmo numa interessante análise publicada no site da CNN). O que está em jogo é bem diferente — não se esperava que alguém que tem sabido percorrer as fronteiras agrestes da experiência humana (lembremos também o genial Bird) utilizasse o "diálogo" com... uma cadeira como fundamento, mesmo irónico, para um discurso que se quer político.