quarta-feira, agosto 29, 2012

Para acabar com o 3D?

Que está a acontecer, afinal, com o 3D? Será que um dos maiores trunfos comerciais do novo cinema digital vai desembocar num esgotamento sem alternativa? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Agosto) com o título 'A agonia dos filmes 3D'.

Afinal, que valor podemos atribuir à nova vaga de filmes a três dimensões? Que aconteceu desde que começaram a surgir títulos como Chicken Little (2005), primeiro filme dos estúdios Disney em 3D digital, ou Beowulf (2007), a animação dirigida por Robert Zemeckis, fabricada a partir da filmagem prévia de actores (motion capture)? E qual a herança do fenómeno global que foi Avatar (2009), de James Cameron?
No plano meramente comercial, rapidamente se tornou claro que o incremento do 3D não pode ser dissociado da criação de um mercado global digital. Dito de outro modo: o 3D foi apresentado como um “suplemento” espectacular da nova tecnologia, para mais “legitimando” o aumento do preço dos bilhetes. Ora, mesmo não querendo demonizar o digital (bem pelo contrário!), importará reconhecer que, na esmagadora maioria dos casos, a aplicação do 3D não foi acompanhada de uma reflexão consistente sobre os desafios técnicos e artísticos envolvendo as imagens a três dimensões. Alguns filmes nasceram mesmo de um absoluto vazio de pensamento: U2 3D (2008), por exemplo, sobre a “Vertigo Tour” dos U2, aplica as três dimensões através das convenções de uma montagem “acelerada” à maneira da MTV, com resultados desastrosos.
Há excepções neste processo, sendo inevitável destacar dois magníficos lançamentos de 2011: As Aventuras de Tintin e A Invenção de Hugo, com Steven Spielberg e Martin Scorsese, respectivamente, a apostarem nas três dimensões para relançar todo um riquíssimo imaginário da aventura e da fábula. Mas a dúvida persiste: quando é que um filme, em vez de se limitar a utilizar uma tecnologia “obrigatória”, existe, de facto, pelo 3D e através do 3D?
O exemplo de A Gruta dos Sonhos Perdidos (2010), de Werner Herzog, será, por certo, um dos mais desconcertantes e também mais reveladores. Para filmar a gruta Chauvet, no sul de França (onde existem algumas das mais antigas pinturas executadas pelos seres humanos), o cineasta alemão utilizou uma sofisticada “Fusion Motion Camera”, fabricada pela Sony, a cujo desenvolvimento está ligado o próprio James Cameron. E o mínimo que se pode dizer é que Herzog não é um exibicionista: as suas filmagens são, obviamente, pensadas e executadas em função das especificidades do 3D.
Agora que nos chega a edição do filme em DVD, sem 3D, que dizer dos resultados?... Pois bem, que se podem ver com o mesmo fascínio, como se o filme nunca tivesse existido a três dimensões. É verdade que todas as generalizações são prematuras. Mas não é menos verdade que o 3D vive um processo de prolongada agonia cujas perspectivas estão longe de ser redentoras. A não ser que esteja a nascer qualquer “coisa” enraizada nas singularidades das três dimensões, elaborada a partir das regras de registo e consumo do cinema mas que, a prazo, já nem sequer se poderá chamar cinema.