sexta-feira, agosto 31, 2012

"Morangos com Açúcar": o filme???

Face à série televisiva Morangos com Açúcar, o recém-estreado Morangos com Açúcar - O Filme é apenas mais do mesmo. Com a agravante de o produto ser agora servido como... cinema! Dito de outro modo: o horror televisivo ocupa, literalmente, o espaço comunicacional do cinema. E não tenhamos dúvidas que tem imenso poder económico e simbólico — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 Agosto), com o título 'A nova tragédia social'.

Uma atitude corrente no meio jornalístico, misto de hipocrisia e soberba, “recomenda” que se reduza Morangos com Açúcar a motivo de chacota... Há em tal atitude uma cegueira idêntica à dos puristas de esquerda que, em 1975, se empenhavam em denunciar os críticos “imperialistas” que defendiam um filme chamado Tubarão, de um tal Steven Spielberg. De facto, por muitas razões, a começar pelas jornalísticas, importa não passar ao lado do fenómeno: com ele, e através dele, se tem (des)educado várias gerações de jovens espectadores, reduzindo a ficção a uma colagem de anedotas pueris sobre namoros assexuados, ao mesmo tempo que se trata as imagens como uma derivação preguiçosa da mais medíocre estética publicitária e a banda sonora como uma antologia de jingles para promover a venda de discos.
Pois bem, a tudo isto importa acrescentar agora que o populismo televisivo que gera um produto como este acredita que ele é transponível para cinema: Morangos com Açúcar – o Filme aí está, sendo penoso observar como se consegue gastar hora e meia em imitações requentadas da própria série, sem que seja possível detectar a mais discreta ideia... de cinema. Dir-se-ia que assistimos a uma montagem arbitrária de “spots” que, na melhor das hipóteses, tentam vender uma determinada marca de gelados.
No meio de tudo isto, deambula uma galeria de jovens incautos e esforçados, “dirigidos” para se comportarem face a uma câmara com tiques que reduzem a nobre arte de representar uma personagem a uma pose banal para um anúncio falhado de água de colónia. Podemos (e devemos) admitir que, em alguns deles, há talentos que ficaram por cumprir. Mas isso apenas agrava a tragédia social, mediática e simbólica que tudo isto arrasta.