terça-feira, agosto 28, 2012

Madonna e as suas armas

Na véspera do início do capítulo americano da sua MDNA Tour (no Wells Fargo Center, de Filadélfia), Madonna emitiu um comunicado em que apresenta a própria digressão, definindo-a como uma viagem — "da escuridão para a luz / da raiva para o amor / do caos para a ordem".
Em boa verdade, a explicitação de um conceito não parece ser a motivação essencial do texto. Ou, pelo menos, não foi assim que ele foi lido nos próprios EUA. Exemplos: o Philadelpia Inquirer titula: 'O manifesto de Madonna: "Não apoio a violência ou o uso de armas" '; a Rolling Stone esclarece que 'na MDNA Tour, as armas falsas e a violência são símbolos'; enfim, um dos mais completos sites de fãs, o Mad-Eyes, lembra que 'Madonna explica o uso de armas em carta aberta'.

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A mais básica atenção e disponibilidade para a complexidade (histórica e cultural) da questão do uso das armas na sociedade americana ajudará a compreender todo este sereno didactismo — da parte de Madonna, claro, e também de meios de comunicação que, em vez de favorecerem especulações apocalípticas, preferem começar por fixar factos e divulgar informações.
Dito isto, importa também acrescentar um facto simbólico cujo peso não pode ser secundarizado. Chamemos-lhe efeito-Madonna — assim, é um facto que a sua imensa visibilidade mediática lhe impõe uma responsabilidade, também mediática, que, como se prova, ela não recusa assumir; ao mesmo tempo, como não lembrar que a mesma questão estética (a saber: o modo de figuração das armas) é todos os dias esquecida ou banalizada quando os protagonistas são outros?

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Fiquemo-nos por um contra-exemplo actual. E pensemos, por exemplo, nas imagens de promoção do filme Os Mercenários 2, de e com Sylvester Stallone.
Repare-se: não quero favorecer nenhuma visão demoníaca, nem caricatural, de Stallone que, além do mais, em determinado momento de reconversão interna de Hollywood, através de filmes como Rocky (1976), O Beco do Paraíso (1978) ou o primeiro Rambo (1982), foi uma curiosa reencarnação do espírito mais conservador do imaginário do herói clássico. Acontece que Os Mercenários 2 é um filme acompanhado de imagens como estas:


E a questão não é a de saber se estas imagens são "boas" ou "más", "inocentes" ou "perigosas". Deixemos isso para os debates televisivos que se organizam como sermões purificadores de incautos espectadores — como muito bem diz a língua inglesa, beauty is in the eye of the beholder.
A questão tem a ver com a predominância de uma atitude, antes do mais jornalística, que escolhe como alvo automático de suspeição qualquer excepção (Madonna, claro, independentemente do juízo de valor que cada um, com toda a legitimidade, possa formular sobre o seu trabalho) e cultiva a indiferença de olhar e pensamento face à regra.
É uma grande questão no interior da qual, hélas!, o universo figurativo de Stallone se instalou como  matéria meramente instrumental. E em relação à qual Madonna não abdica de ter um discurso, o seu discurso — além do mais, milhares de anos de história da humanidade sugerem também que a sua condição de mulher não pode ser excluída da reflexão sobre todo este labirinto.