terça-feira, agosto 28, 2012

"360": que relações humanas?

Como é que conhecemos os filmes, em particular através da Internet? Será que um filme se pode reduzir a uma contabilidade de "deve & haver" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Agosto), com o título 'Relações humanas e desumanas'.

O novo filme de Fernando Meirelles, 360, tem como base as ambivalências das relações contemporâneas. E filma-as com uma desencantada moral: a proliferação de circuitos nem sempre garante uma genuína verdade humana. Como se nos esquecêssemos que construir uma relação (profissional, conjugal, sexual) é algo mais do que pôr a funcionar um “link” da Internet...
Vale a pena, por isso, observar o que a Internet faz a filmes como este. Assim, o inefável IMDb, sempre empenhado em “quantificar” a complexidade o cinema, informa-nos que o “metascore” do filme (resultante da “soma” de intervenções críticas fornecidas pelo site Metacritic.com) é de 43, numa escala de 100. Negativo, portanto. Por sua vez, a Wikipedia trata a recepção do filme através de uma única linha de texto, citando uma percentagem do mesmo teor: noutro site, Rotten Tomatoes, 360 tem um score muito baixo (20%), baseado em 59 críticas.
Repare-se: não se trata de sugerir que os sites estão a trabalhar com dados falsos. Trata-se, isso sim, de discutir o perverso efeito “globalizante” deste tipo de (des)informação. O resultado prático é sempre o mesmo: a “crítica” deu cabo deste filme... Qual crítica? Como contrariar a definição dos críticos (“bons” ou “maus”, admito todos os pontos de vista) como um rebanho cujas inevitáveis diferenças se reduzem a percentagens típicas de um balancete empresarial?
A questão, em última instância, transfere-se para o filme. Assim, os mais medíocres “blockbusters” de Verão conseguem manchetes apenas porque custaram muitos milhões de dólares... enquanto o filme de Meirelles, uma aposta muito séria em falar de temas dos nossos dias, circula com a aura de um imenso falhanço. Quantas pessoas vão desistir de o ver apenas por causa das generalizações simplistas da Internet?