domingo, julho 29, 2012

"Revista de imprensa": um equívoco televisivo

PABLO PICASSO
Guitarra, folha de música e copo de vinho, 1912
A pouco e pouco, em televisão, as chamadas "revistas de imprensa" transformaram-se em mais um formato retórico, sem verdadeira consistência discursiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Julho), com o título 'Revista de imprensa???'.

O modelo da chamada “revista de imprensa” generalizou-se nos espaços informativos. E é uma boa ideia televisiva: um convidado propõe uma rápida visão dos jornais do dia, destacando artigos e temas que pontuam a actualidade e despertaram a sua atenção.
O certo é que, como acontece com muitos outros objectos do espaço televisivo, também aqui a formatação se tem sobreposto à diversidade (que o modelo pode conter). De facto, os convidados deixaram de falar de jornais, para passarem a dissertar (?) sobre “tudo” o que possa ser notícia.
Na prática, assistem-se a coisas extraordinárias como um especialista em agricultura biológica a tecer espantosas considerações sobre a venda de armas dos soviéticos ao regime sírio. Ou um treinador de pingue-pongue a especular sobre as nuances jurídicas do programa nacional de saúde concebido por Barack Obama...
Estou a inventar? Um pouco, ma non troppo. Também já participei (com muito gosto) neste tipo de rubrica e, se alguém pensar que estou a “culpar” os convidados, não pretendo excluir-me de tal possibilidade. Em todo o caso, não creio que seja uma questão de “culpas” televisivas (deixemos isso para os comentadores futebolísticos com vocação falhada de juízes). É, isso sim, um desses fenómenos de indução discursiva que a televisão produz com cada vez maior frequência.
Dir-se-ia que, pelo simples facto de se colocar uma câmara e um microfone à frente seja de quem for, o indivíduo representado se torna especialista “automático” em tudo o que nos possa afectar, desde os dramas do aquecimento global até à polivalência de Fábio Coentrão na equipa do Real Madrid.
Seria apenas um capítulo mais do anedotário televisivo, não se desse o caso de, através dele, se reforçar uma triste indiferença. A saber: falar de jornais é falar do que lá se escreve, das imagens que se mostram, do modo como tudo isso se organiza graficamente... Desta maneira, as “revistas da imprensa” fazem passar uma cruel mensagem: os jornais não existem, a não ser como pretexto para uma performance que nada tem a ver com a imprensa e os seus valores específicos.