terça-feira, julho 17, 2012

"Magic Mike": o sexo, aliás, o dinheiro

Com Magic Mike, Steven Soderbergh aborda um ambiente, no mínimo, insólito: um espectáculo de strippers masculinos para um público feminino... Nada a ver com as monstruosidades correntes das especulações (tele)mediáticas. Em boa verdade, o motor da acção é a circulação do dinheiro — este texto foi publicado no Diário de Notícias (12 Julho), com o título 'Os novos "proletários" do sexo'.

O imaginário sexual está ferido por duas poderosas entidades: por um lado, a televisão que alimenta programas em que qualquer centímetro de nudez da coxa de um famoso (não estou, sequer, a inventar...) pode ser pretexto para questionar a estabilidade do sistema solar; por outro lado, uma imprensa dita “cor-de-rosa” (mas de muito baço respeito pela dignidade humana) que descreve as relações sexuais como se fossem narrativas intermutáveis de um estúpido reality show.
Dito isto, que não é banal nem inconsequente (porque ocupa gigantescas zonas do espaço social), seria talvez inevitável que nos questionássemos sobre o modo de abordagem da sexualidade num filme como Magic Mike. Estamos perante um universo de strippers masculinos que representam para um público feminino. Não se trata apenas de um “desvio” em relação ao estereótipo (mulheres que se despem, dançando, para uma plateia de homens), mas também de um desconcertante enigma: afinal de contas, quando aqueles homens estão em palco, quais as conotações sexuais de tudo aquilo?
Simplifiquemos, já que o brilhantismo de Steven Soderbergh provém da capacidade de chamar as coisas pelo seu nome. Qual era a moral da sua primeira longa-metragem, Sexo, Mentiras e Vídeo (1989)? Pois bem, que o vídeo transfigurava a percepção do sexo, gerando mentiras. No caso de Magic Mike, assistimos ao metódico esvaziamento da sexualidade: exuberantemente teatral, é um facto, mas também afectivamente nula.
Soderbergh filma o trabalho em série das personagens à procura da sua sobrevivência económica, quer dizer, a gélida circulação do dinheiro – se ainda existe um cinema “proletário”, é aqui que o podemos encontrar. Apetece parafrasear o mestre Lacan: “A relação sexual não existe”.