segunda-feira, junho 11, 2012

Depardon fotografa Hollande

RAYMOND DEPARDON
François Hollande, Eliseu (29 Maio 2012)
Raymond Depardon, grande fotógrafo francês dos últimos 50 anos, veterano da agência Magnum, foi o escolhido para realizar o retrato oficial do 24º Presidente da República Francesa, François Hollande.
Como quase sempre acontece em situações deste género, há uma espécie de apagamento "estilístico" do fotógrafo, necessariamente envolvido na concretização de uma encomenda que pressupõe a satisfação de desígnios oficiais muito concretos — neste caso, a imagem do Presidente, além de funcionar como ícone oficial, será exposta, durante o seu mandato, em milhares de lugares e instituições estatais em todo o território francês. Ainda assim, talvez não seja abusivo detectar alguns elementos de pose que podemos encontrar noutros momentos, e em contextos necessariamente diversos [dois exemplos a preto e branco], do extraordinário percurso de Depardon.
Seja como for, registe-se o paradoxo: parece haver uma tentativa de esbater a própria sensação de pose, aliás confirmada pelo facto de Depardon ter referido que pediu ao Presidente, não para permanecer imóvel, mas para caminhar em direcção à sua câmara. Há quem veja nessa "neutralidade" uma aproximação de modelos amadores, como se "qualquer um de nós" pudesse ter feito aquela foto nos jardins do Eliseu... É uma asserção que vale a pena discutir, quanto mais não seja porque a imagem assinada por Depardon, não se confundindo com nenhuma das fotografias oficiais das últimas décadas, de De Gaulle a Sarkozy, não deixa de se distinguir por uma genuína singularidade iconográfica.
Dir-se-ia que o Hollande de Depardon se encaixa, com um misto de pragmatismo e distante ironia, nos efeitos de homogeneização iconográfica que a nossa globalização favorece. Que é como quem diz: por um lado, o Presidente apresenta-se como uma personagem como-qualquer-outra, registado num momento de-insuperável-banalidade; por outro lado, o fundo da imagem (o salão de festas do palácio e o seu edifício principal) parece conservar a memória orgulhosa de um tempo outro, de que o imaginário de Versalhes permanecerá, quand même, como a inspiração simbólica.
Tendo em conta que o discurso de Hollande se enraíza numa frágil, mas envolvente, ideia de regresso a uma França "normal" ("normal" foi mesmo a palavra escolhida pelo Libération para, a 7 de Maio, noticiar o seu triunfo eleitoral), não admira que alguns especialistas nesta área, com pontos de vista divergentes, estejam a analisar o seu retrato em função da "normalidade" que nele se procura inscrever de forma mais ou menos consciente.
Uma coisa parece segura: esta é uma imagem que envolve uma subtil interpelação do espectador/cidadão. Já não se trata apenas de proclamar o ideário democrático ("eu represento-vos"), mas também de deixar em aberto uma hipótese de transversalidade política ("eu sou a representação que fizerem de mim"). Não é uma ideia de esquerda (nem de direita, já agora) — apenas um grão de areia nas ilusões correntes dos nossos circuitos de comunicação.
Vemos Hollande fotografado por Depardon e sentimos uma nexo de intimidade pouco comum numa imagem deste teor: para além da gravidade da função e do fundamental sentido comunitário que ela envolve, há nele uma marca de solidão. Que isso seja normal, eis o suave choque simbólico.
RAYMOND DEPARDON,
Aldeia de Virei, Angola (1994)
RAYMOND DEPARDON
Hospital Psiquiátrico, Collegno, Itália (1980)