quinta-feira, maio 03, 2012

Fernando Lopes (1935 - 2012)

FOTO: Bruno Castanheira (DN)
Vemos ou revemos os dois minutos de Uma Abelha na Chuva (1972), reproduzidos aqui em baixo graças à maravilhosa insolência do YouTube, e contemplamos a arte de Fernando Lopes em todo o seu esplendor. Não apenas um subtil entendimento da montagem como gesto de reordenação (à letra: criação de uma nova ordem) do mundo, mas o cinema como vida que se liberta da vida, a ela regressando num misto de desejo frustrado e desejo renovado.
Talvez por isso, na sua rudeza suave (teremos, a propósito, que repensar as significações da expressão "Português Suave"), muitos dos seus heróis são sósias incautos do próprio cineasta: o Belarmino Fragoso de Belarmino (1964), sem dúvida, mas também João Guedes, na Abelha, ou Claude Brasseur, em O Fio do Horizonte (1993), este o filme da solidão suprema e, por isso, o mais difícil de percorrer e, num certo sentido, aceitar.
Vemos Laura Soveral a abrir uma porta, ouvimos uma voz a abrir a imagem, uma imagem que se abre para outra. E pressentimos também o lugar luminoso (infinitamente obscuro, hélas!) do feminino na arqueologia dramática de Fernando Lopes. Maternais e frias, as mulheres dos seus filmes são sempre mensageiras de algo que permanece inacessível — maldição suprema: elas são também as primeiras a viver essa inacessibilidade, como se a lógica masculina da (des)ordem do mundo fosse o erro primordial dos humanos.
A admirável fotografia resume a tragédia suspensa que Fernando Lopes aceitou filmar, com infinita ternura: o artista e a sua mãe fazem uma imagem de inquietante dor; fora da imagem, o artista, em corajoso encore autobiográfico, posa ao lado da dor que já se fez imagem — sorri, ou talvez não, em qualquer caso aceitando o mundo como imagem.


>>> Autobiografia de Fernando Lopes, escrita para o JL (2007).