sexta-feira, março 30, 2012

Novas edições:
Madonna, The Complete Studio Albums (1983-2008)


Madonna
"The Complete Studio Albums (1983-2008)"
Rhino
4 / 5

No mesmo momento em que chega MDNA, a discografia de Madonna conhece uma edição retrospetiva numa caixa que reúne os seus álbuns de estúdio editados entre 1983 e 2008. Todos? Bom, quase todos, de fora ficando um título algo “esquecido” que na verdade mora naquele espaço entre dois mundos que não permite uma “arrumação” precisa da sua identidade. É disco de estúdio, sem dúvida; mas será uma banda sonora? Ou nem por isso?... Falamos de I’m Breathless, disco editado em 1990 na sequência do filme Dick Tracy. Não é a “banda sonora original” do filme (que teve edição em nome próprio), mas inclui canções que o filme usa, assim como outras por si inspiradas. Who’s That Girl, de 1987, só tinha Madonna em parte do alinhamento (ou seja, não é um disco apenas seu). Evita, de 1997, é a expressão fiel da banda sonora do filme e não se limita à voz de Madonna (ou seja, também não é disco apenas seu). I’m Breathless é caso menos fácil de classificar... Será por isso que este álbum de 1990, que inclui o clássico Vogue e revela olhares mais próximos pelas tradições do teatro musical (e seus arredores), acaba fora deste olhar antológico? Salvo este episódio, que poderia dar à caixa antológica o sabor da (re)descoberta de um disco quase “perdido”, The Complete Studio Albums (1983-2008) é mesmo assim um olhar panorâmico sobre uma obra que, apesar de ocasionais momentos menores, se afirma como uma das mais sólidas, consistentes e personalizadas da história da música popular. O panorama começa em 1983 com Madonna, onde a presença das heranças diretas da noite nova-iorquina são evidentes, em Like A Virgin (1984) aprofundando-se uma relação com a canção pop que atinge patamares de maior solidez em True Blue (1986), o primeiro álbum verdadeiramente marcante como um todo na obra de Madonna (até então autora sobretudo de grandes episódios no formato de single). Depois de um álbum de remisturas (justificadamente ausente deste alinhamento), chegamos a Like a Prayer, onde Prince surge num dueto, a house brota nas entrelinhas de Express Yourself, o gospel no tema título e a fragilidade de um tom confessional marca Oh Father. Nos noventas Madonna brilha nos diálogos com as heranças da cultura house em Erotica (1992), conhece um episódio menos brilhante ao ensaiar diálogos com descendências do rhythm and blues em Bedtime Stories (1994) e assina uma das suas obras-primas em 1998, sob produção de William Orbit, em Ray Of Light. Nos anos zero encontra um patamar de diálogo entre uma sobriedade adulta entretanto conquistada e espaços de diálogo ocasional com a música de dança e electrónicas entre Music (2000) e American Life (2003) e revela novo momento de inspiração maior ao evocar ecos de memórias da vida noturna nova iorquina no belíssimo Confessions On A Dance Floor (2005), o disco que em Hung Up revelou não apenas um dos maiores êxitos da obra de Madonna mas também uma das raras ocasiões em que a música dos Abba conheceu descendência direta (na forma de um sample de Gimmie Gimmie Gimmie que é central à construção da canção). Na arrumação cronológica segue-se Hard Candy, o disco que em 2008 nasceu da vontade (já fora de tempo e, convenhamos, do seu território) de assimilar os universos da pop temperada a hip hop de escola Timbaland... Com faixas extra nos três primeiros álbuns (correspondendo às edições remasterizadas já antes editadas), apresentando os discos em miniaturas que reproduzem as capas originais, este percurso é uma ocasião para seguir um caminho. E verificar por que razão Madonna se transformou no ícone maior que hoje é. Resta depois regressar a MDNA para sentir que a vontade em vincar a todo o custo uma certa “juventude” fora de época (que algumas das canções mais dançáveis do novo disco) não só não repete a excelência (e a real motivação de reencontro com memórias) que fez de Confessions on A Dance Foor o seu melhor disco de alma noturna, como não segue as sugestões mais aconselháveis que fizeram de Music e American Life bons episódios de continuidade e acaba assim por repetir a desorientação de Hard Candy... Antes de gravar um novo álbum, há que refletir sobre a espantosa obra que aqui reencontramos.