domingo, março 11, 2012

Bruce Springsteen 2012 (2/2)

Com o 17º álbum de estúdio, Bruce Springsteen reafirma o seu lugar central na história do rock made in USA: um discípulo da tradição que, num misto de ternura e crueldade, continua a olhar para o seu presente — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 Março), com o título 'A América de Deus e do povo'.

[1]  Na história criativa de Bruce Springsteen, as feridas do 11 de Setembro desenham uma inevitável fronteira emocional. Ele foi, afinal, um dos primeiros contadores de histórias a assumir a respectiva herança com o álbum The Rising, publicado em Julho de 2002. O novo Wrecking Ball, por certo um dos mais fascinantes momentos da sua obra, pertence ainda a esse capítulo em que a América se revê tanto nos dramas da sua história recente, como na vitalidade das suas tradições. Por um lado, encontramos aqui o discípulo da tradição folk, já revisitada no incontornável We Shall Overcome: The Seeger Sessions (2006); por outro lado, com uma agilidade de fazer inveja a muitos experimentadores mais jovens, Springsteen integra percussão electrónica, ritmos hip-hop e até, no vibrante Rocky Ground, um rap a cargo de Michelle Moore.
Em todo o caso, mesmo não esquecendo que Springsteen foi um empenhado apoiante de Barack Obama, seria precipitado encaixá-lo num rótulo politico-partidário. A sua arte transcende qualquer conjuntura política, remetendo-nos para uma noção primitiva da América, indissociável de uma visceral sensibilidade religiosa. Em Jack of All Trades, por certo uma das mais belas baladas do seu historial, ele canta essa sensibilidade na sua permanente relação com o mundo do trabalho: “I’ll take the work that God provides” (“Aceito o trabalho que Deus concede”).
De acordo com o próprio Springsteen, há uma cumplicidade entre Wrecking Ball e o lendário Nebraska (1982), gravado a solo, em sua casa. Para lá das muitas diferenças de produção, o que permanece é esse empenho em encontrar uma voz individual capaz de ecoar os sentimentos de toda uma nação. Ao fazê-lo, Springsteen merece, como poucos, o cognome de artista popular [video: Death to My Hometown no Apollo Theater].