quinta-feira, dezembro 29, 2011

Em conversa: Osso Vaidoso (2)


Autores de um dos melhores discos portugueses dos últimos anos, os Osso Vaidoso são Ana Deus e Alexandre Soares, músicos experientes e com vidas anteriores em variados projectos. Esta é a primeira parte de uma entrevista que serviu de base a um texto publicado no DN a 23 de Dezembro.

Regina Guimarães é uma colaboradora de Ana Deus desde inícios dos anos 90. O que procuraram desta vez nas suas palavras? 
Ana Deus - Todos nós crescemos nestes processos. Mas desta vez pedi-lhe coisas mais concretas, como no caso do Bem mal, foi um pedido ainda debaixo da ideia dos Nadadores de inverno, sobre o fazer fora do tempo e da corrente, e a Regina pegou num poema de um romântico francês, Charles Cros, e fez uma tradução/adaptação. Como estávamos a tocar ao vivo e não propriamente a pensar em gravar, queríamos textos que se percebessem à primeira, que não deixassem quem ouve de fora, como acho que acontecia nos Tigres.

Alguns dos poemas de Regina Guimarães provém de experiências concretas. Sentem uma carga diferente nessas palavras que decorrem de acontecimentos ou pessoas reais? 
AD - São experiências muito diferentes das nossas, que nos fazem ver o "lado de lá" e que nos põem em causa. O caso da Matematicamente será o mais flagrante, escrita pela Regina a partir de conversas com jovens presos na tutoria do Porto, em ataque cerrado aos valores herdados desta porcaria do "ter e parecer" e do crime e castigo. Em oposição temos a "Um e o muito" escrita com um grupo de jovens da Qualificar para incluir, que aposta na ocupação dos chamados tempos livres com atividades de grupo e criações.

Como escolheram os outros dois autores em cuja poesia encontram palavras para outras canções?
AD - Ao Valter [Hugo Mãe] pedi que fizesse uma letra como um testemunho de alguém mais velho, mas libertário, pois a ideia de que com a idade vem o conservadorismo parece-me antiquada. Os novos velhos serão novos. Sabia que ele andava na altura a escrever sobre a velhice. Ao Alberto Pimenta fomos buscar a libertação da forma. A Cola-cola é um belíssimo poema sobre o efémero e a Ni nha rias, obedece à forma visual do poema onde as palavras são divididas quase sílaba a sílaba.

Como vêem este momento para a música que se faz entre nós num tempo em que o facto de cantar em português parece ser novamente uma característica motivadora para quem faz música? 
Alexandre Soares - Só não tenho inveja deste momento na música portuguesa porque a sinto próxima. O que quero dizer é que me parece é que a música em Portugal está muito viva nos novos e excelentes músicos que agora se ouvem. A diversidade é imensa, e essas diferenças são sinais de um tempo que se vive em todo o lado não só em Portugal.

Sentem heranças de vossos trabalhos anteriores em obras de músicos de gerações mais novas? 
AS - Não somos nem herança nem doutores de confiança.
AD – (risos)

Que horizontes de futuro encaram para esta vossa banda? 
AS - Não paramos de compor depois da saída deste disco. Já temos mais temas e , para o ano editamos outro, ou então ficarão acessíveis na net. Entretanto os espetáculos são o nosso guia espiritual.

Como pode um osso, mesmo ser carne, ser vaidoso? 
AD - Se calhar com alguma cegueira, mas não seremos todos cegos?