domingo, novembro 20, 2011

Entrevistas de arquivo:
The Human League (2002)


Não foi preciso o somatório de elogios dos artistas associados ao fenómeno electroclash para que muitos reconhecessem nos Human League e, sobretudo, no álbum 'Dare' (de 1981), um dos mais marcantes nomes da história do relacionamento das electrónicas com a música popular. 21 anos depois de ter lançado um álbum que já ganhou o seu peso de marco na história, Phil Oakey falou, em exclusivo, ao DN. A reedição do clássico álbum de 1981 que então acontecia, e o lançamento de uma compilação de temas da pré-história dos Human League permite-nos um reencontro com uma banda fundamentail entre as referências da nova música electrónica. Esta entrevista foi publicada a 7 de Dezembro de 2002 no suplemento DNmais.


20 anos depois Dare ainda tem um certo sabor futurista...

Muitos dos avanços tecnológicos que aconteceram depois dos sinteti-zadores analógicos têm sjdo, de certa forma, coisas com "sabor antigo"... As ferramentas de gravação que apareceram são, sobretudo, máquinas de gravação. Os samp/ers são gravadores que permitem um trabalho muito rápido. No final dos anos 70, os sintetizadores eram, de facto, uma novidade absoluta... Costumo dizer que os samp/ers são como urna máquina fotográfica, ao passo que os sintetizadores analógicos permitem fazer pintura. Partimos de uma tela em branco e temos de a ilustrar., Fazemos o que queremos, mas temos de criar e não apenas dar forma a algo que já existe. Por isso penso que, ainda hoje, os sintetizadores são ainda o instrumento mais moderno que existe.

Anos antes, quando o grupo começou, o trabalho com os sintetizadores, era já uma certeza para os Human League?
Essa era a ideia dos músicos que criaram o grupo percursor dos Human League, que se chamava The Future (e que mais tarde saíram para formar os Heaven 17, mais concretamente o lan Wright e o Martin Ware). Eu também só queria trabalhar com sintetizadores. Ainda hoje sinto que só me sinto bem á lidar com sintetizadores, até porque não domino nenhum outro instrumento. Perco-me... Se um músico entra em estúdio para tocar guitarra é porque eu não posso dar o meu contributo nesse momento. Nem sei mesmo ver, se algo soa mal, o que é que está errado. É um mistério para mim.

Já escutava música electrónica antes de se juntar aos outros músicos e formar, os Human League?
Sim. Éramos, na altura, um grupo muito arty, muito atento às novas expressões... O primeiro artista «electrónico» que nos chamou a atenção foi o Walter Carlos. A banda sonora de A Laranja Mecânica, assim como o filme, foi muito importante naquela altura. Era diferente, inovadora, extraordinária, e tinha sons que nunca
tínhamos escutado.

E que impacte tiveram em vós os pioneiros electrónicos de 70?
Foram referências fundamentais. Não escutávamos muito os Tangerine Dream... Não conhecíamos então os Can que, para ser honesto, só agora estou a aprendera conhecer... Já os Kraftwerk tiveram outro impacte, até porque nos mostraram, claramente, o que podíamos fazer. Havia também outros nomes que nos influenciaram então, como o Jean Michel Jarre, o Daniel Miller e também o Georgio Moroder... De resto,  I Feel Love, de Moroder, foi uma peça fundamental para nós. Queríamos ser uma espécie de novos Donna Summer(s)...

Mas com um clima mais sinistro...
Era verdade, talvez por sermos rapazes do Norte de Inglaterra que tinham visto muitos filmes de ficção científica.

É isso que define o ambiente de Sheffleld, de onde vêm?
Sem dúvida.

Como Justifica o facto de Sheffieid nos ter dado tantas bandas electrónicas na alvorada de 80?
Nunca obtive uma explicação definitiva para esse facto. Éramos uma cidade muito continental... O único lugar onde vou e sinto haver afinidades com Sheffieid é a cidade de Colónia, na Alemanha. Na altura não sofremos a taxa de desemprego de outras cidades inglesas, e podíamos comprar os instrumentos que nem erarn astronomicamente caros. Tínhamos de fazer horas extraordinárias para os pagar, é certo, mas isso ainda não mudou... Sheffieid era, também, uma cidade consideravelmente aríy. A cidade adorava os Roxy Music e David Bowie...

Não havia, também, uma cesta dinâmica punk nas entrelinhas dos primeiros registos dos Human League?
Nunca teríamos conseguido fazer nada se não tivesse acontecido o fenómeno punk. Mudou a forma de encarar a música e o ser-se músico. Gostávamos muito dos Clash, que eram também muito populares em Sheffieid. Mostraram-nos que não tínhamos de ser exemplares nem geniais. Podíamos apenas procurar expressar-nos.

Apesar do clima menos luminoso dos primeiros discos, pontualmente apareciam nos vossos discos frestas de calor pop , como, o Emplre State Human...
Essa semente já lá estava... Era a tal procura de sentido na herança de Giorgio Moroder. Ele foi, de resto, a grande inspiração para essa canção.

Mas algo muda de Travelogue para Dare... E o som ilumina-se.
A equipa envolvida tem muito a ver com o que mudou. Em primeiro lugar há logo que destacar a presença das vozes femininas, que aligeiraram muito a intensidade do som. A luz em vez da sombra... Tínhamos de seguir naquele sentido. Tínhamos uma dívida enorme, na ordem das 50 mil libras, com a editora. Ou fazíamos um disco que nos ajudasse e à nossa carreira, ou acabava tudo e voltávamos a trabalhar em hospitais. Era o momento de avançar...

As "meninas", assim como os penteados, trouxeram também um toque glam ao grupo...
Aí era uma reacção de oposição de época à estética visual do punk e, de certa forma, uma herança dos Roxy Music e de David Bowie. De certa forma assumimos frontalmente uma pose de estrelato, política que muitos grupos antes dos Roxy Music rejeitavam em absoluto. Veja-se o caso dos Pink Floyd, que vendiam milhões de discos... Não era essa a nossa posição. Éramos uma banda muito visual. Gostávamos de cinema e de trabalhar com imagens em geral. De resto, fizemos nós mesmos as capas dos nossos primeiros discos.

Como é que se relacionavam com os outros grupos que, nessa altura assumiram igualmente essa herança do glam, dos Ultravox aos Soft Cell, dos Duran Duran aos Classix Nouveaux?
Alguns desses grupos saltaram para a carruagem da imagem quando esta ia já em andamento. Creio que os Duran Duran usaram muito a nossa linguagem. Os Soft Cell, curiosamente, eram mais um grupo de performance (como agora os Fischerspooner), mas tinham canções muito bem escritas. A banda que sempre me pareceu ter mais afinidades reais connosco foram os Cabaret Voltaire, até porque usavam slides em concertos, como nós... E havia a seriedade... Bom, na realidade não era assim tão sério como parecia, talvez mais irónico. E senti também sempre muitas afinidades com os Devo.

E como se relaciona, hoje, com as novas bandas que são evidentes herdeiras dos Human Leagye, como os Ladytron ou Laptop? Até mesmo os Fischerspooner?...
Algumas dessas bandas até usaram loops e samples de som nosso... Estou a gostar muito do que está a acontecer. Frequento o circuito dos clubes há muitos anos, e creio que as pessoas se estão a cansar das grandes discotecas. E estão a aparecer muitas coisas novas... Estou a gostar muito de alguns novos grupos como, pior exemplo, os Adult, de Detroit. Têm um som muito inteligente e sólido... Gosto também da Dot Allison, e gostaria até de gravar com ela...

Conhece, certamente, o álbum de tributo aos Human League...
Naturalmente! Não conhecia os Ladytron até esse momento.

Todos esses grupos e artistas, têm apontado Dare, sistematicamente, como um disco de referência.
Isso é muito bem de ouvir...É bom saber que trouxemos algo à música de outras pessoas, da mesma forma como David Bowie, Iggy Pop e Lou Reed trouxeram algo que nos estimulou a nós.

Dare teve um fortíssimo impacte junto ao público, mas certamente também dentro do grupo. Foi difícil pensar o que fazer depois?
De facto...Esse disco foi a materialização exacta daquilo que queríamos fazer, isto sem querer dizer que não me orgulhe de discos que tínhamos feito antes ou dos que gravámos depois. Mas na altura queríamos mesmo continuar a fazer música pop as nossas finanças eram até então tremidas, pelo que também nesse sentido o disco foi positivo. Tal como foi positivo trabalhar com aquele grupo de pessoas... O mais interessante em Dare foi o resultado do esforço colectivo de nove pessoas, que não teriam atingido aqueles resultados sozinhos.

Porque levararm tanto tempo a conceber um sucessor (na época era hábito editar-se um álbum por ano)?
Toda a gente ficou meio afectada, meio doida! Para ser honesto, o grupo nem era quem estava mais insano. O Martin Rushent, que era o produtor, perdeu toda a confiança no que estávamos a fazer depois. Se o Martin não se tivesse sentido daquela forma, o sucessor teria aparecido mais cedo... Ele afastou-se, tínhamos o Mirror Man e o Fascination, que não podíamos depois juntar a mais nada... Essas duas canções iriam fazer parte de um álbum que não pudemos completar sem o Martin. Vistas as coisas à distância, reconheço que talvez tenha sido lesivo o volume de sucesso que então vivemos. Foi prematuro... E não tínhamos talento para responder à altura...

Curiosamente, na altura eram sistematicamente sovados peta imprensa britânica. No ano passado, quando lançaram Secrets, passaram de “bestas” a bestiais...
É um facto! As críticas que tivemos com Secrets foram as melhores que alguma vez obtivemos. E o mesmo voltou a acontecer, agora, com , este disco de material mais antigo, dos inícios de vida do grupo... Penso que tudo isso também se deve ao facto de sermos hoje um grupo discreto, que está algures no cenário. Não temos um protagonismo actual evidente. E as pessoas falam de nós como alguém que usa instrumentos interessantes e faz boas canções.

Secrets saiu numa pequeníssima independente. É talvez por isso não conheceu a exposição que poderia ter vivido...
Mesmo assim estou muito satisfeito com o disco, indepententemente das vendas.

Metade do álbum eram instrumentais. Sempre tiveram um fraquinho por instrumentais...
Na verdade somos uma banda instrumental (risos). Impomos a nós mesmos a obrigação de fazer canções. Começamos sempre por ter a parte instrumental e só depois esta evolui para o formato de canção. Nunca partimos das vozes... Há 20 anos era difícil fazer carreira com instrumentais... Um Oxygene (Jean Michel Jarre) é uma rara excepção... Desde que a música de dança mudou os hábitos, tornou-se mais fácil...

Entre meados de 80 e o recente Secrets, os Human League não deixaram nunca de, ocasionalmente, surpreender-nos. Com Crash, em 1986, ensaiaram uma linguagem assumidamente americana...
Foi uma experiência interessante. Não era bem um álbum de Human League, mas mais um ensaio sobre como é que os americanos fazem discos. O Jimmy Jam e o Terry Louis não só são extremamente talentosos como foram verdadeiros gentlemen. Ajudaram-nos, abrirarn-nos os olhos... E deram-nos um número um, sem o qual talvez não estivéssemos aqui hoje. E creio que o mesmo se voltou a passar, mais tarde, com o Tell Me When. São pequenas histórias e momentos de sucesso que nos fazem sentir porque fazemos música há tantos anos.

Romantc e Octopus foram tentativas de reencontrar a alma perdida de Dare?
Não creio que houvesse uma ideia definida do que poderíamos fazer quando gravámos o Romantic... Nessa altura estávamos até perdidos. Deixámos de usar sintetizadores e adoptámos os samplers, que toda a gente então usava, não por acreditarmos nesses instrumentos, mas porque pensávamos que nos fariam novamente famosos. Foram dias difíceis. Creio que só nos reencontrámos apenas em Secrets... Agora estou sentado no estúdio, a olhar para os instrumentos que sei que quero explorar e como os explorar.

Quer isso dizer que vamos esperar menos tempo até ao próximo álbum?
Isso já não sei (risos)... Hoje é muito difícil obter o apoio de uma editora. E nós sempre dependemos, também, do apoio de um produtor. É mais uma questão de confiança... Será que vamos, finalmente, fazer um disco completamente sós?

Ainda tocam ao vivo...
Sim, tocamos muito ao vivo. Hoje somos talvez menos artistas e mais "fornecedores", na medida em que damos ao público o que, inevitavelmente, quer. Quando se começa uma carreira, subimos ao palco para dar coisas novas a descobrir. Quando se envelhece temos de ter a consciência da lista de canções que as pessoas querem ouvir.

Tem canções especiais que goste de recordar ao vivo?
Não tenho canções preferidas em particular. Tenho mais temas de que não gosto como, por exemplo, o Together In Electric Dreams, de que as plateias tanto gostam. E tocamo-la, claro! Em casa não escuto as nossas velhas canções. Tento concentrar a minha atenção nas coisas novas que vão aparecendo. Nunca se fez música tão boa e tão aberta a novos espaços como hoje.

Compra muitos discos?
Sim, dois ou três todas as segundas feiras.

Comprou Shoot The Dog, de George Michael, que usa um sample de Love Action, dos Human League?
Não. Creio que o disco tem muito a ver com a sua maneira de agir. Ele não queria que se soubesse da sua sexualidade. E perdeu o rumo da sua carreira desde então... Se conseguir ultrapassar este problema, talvez reencontre a sua capacidade de fazer grandes canções. Mas eu não tenho estado muito atento a discos de canções. Compro mais dance music. Estou muito atento ao electroclash, e por acaso têm aparecido aí algumas belíssimas canções. Comprei, todavia, o último álbum do David Bowie, mesmo não querendo... (risos). Gostei dos últimos dos Alpinestars, de Dot Allison... Ainda não sei se gosto muito do novo dos Ladytron... Mas há muitas coisas belas por aí...

Vem aí o repackage dos Human League, reunindo Dare com Love And Dancing. Como nasceu este outro projecto?
As pessoas talvez não se lembrem, mas nós tornámos viáveis as produções de remisturas na música pop . Já havia máxi-singles. A Lene Lovich ou os Spandau Ballet já tinham máxis, mas não eram particularmente criativos. Eram mais uma versão alongada com adição do instrumental. O Martin Rushent, que estava muito ligado à cena de Nova Iorque e conhecia o que se estava a passar com nomes como o Grandmaster Flash e resolveu aplicar as mesmas ideias à nossa música. Pareceu-nos natural juntar, depois, essas experiências num só álbum... Mas foi um momento de excepção. Ainda hoje sinto alguma dificuldade em lidar com a ideia de remistura... Há singles com cinco remisturas, e duvido que as pessoas as escutem todas.