sexta-feira, setembro 30, 2011

Hollywood, 1955

Era o tempo em que se faziam imagens a cores para promover filmes a preto e branco, mas ainda não havia o preconceito televisivo contra o preto e branco... Genialmente fotografado por Stanley Cortez, único trabalho de realização de Charles Laughton, The Night of the Hunter/A Sombra do Caçador (1955) é um desses objectos que pode simbolizar a idade de ouro de Hollywood, ao mesmo tempo que possui a irredutibilidade de uma experiência estética realmente única. A história do reverendo Harry Powell (Robert Mitchum), da sua pregação do Bem e da sua promoção do Mal, entrou na lenda e na cinefilia como um contundente retrato das ambivalências do género humano – agora disponível em DVD.

7 memórias queer (5)

1982 – VICTOR/VICTORIA, de Blake Edwards

Julie Andrews não interpreta exactamente uma mulher (Victoria) que se disfarça de homem (Victor). Na verdade, ela assume a identidade de um homem que finge ser uma mulher... Confuso? Sim, sem dúvida, e também devastadoramente divertido. No limite, Blake Edwards consegue colocar em cena, não apenas as fronteiras instáveis do bilhete de identidade sexual de cada um, como as suas permanentes ambivalências. Ou seja: Victoria não é tanto uma coisa ou outra... mas a sua peculiar acumulação. E neste exercício hiper-elegante, o cineasta é o primeiro a saber que o facto de Victoria (aliás, Victor, aliás, Victoria...) ser interpretada por Julie Andrews não é alheio à energia simbólica do filme e também ao seu subtil envolvimento emocional. Afinal de contas, ela foi durante muitos anos a imagem de marca de uma candura (também sexual) consagrada através de filmes como Mary Poppins (1964) e Música no Coração (1965). Mais ainda, estamos a falar de um casal: Blake e Julie eram casados desde 1969.


[colaboração com O Sétimo Continente]

Ao som dos Pink Floyd


Os MGMT passaram pelo programa de Jimmy Fallon na NBC. E apresentaram uma versão de Lucifer Sam, uma das canções do álbum The Piper at the Gates of Dawn, dos Pink Floyd. Aqui ficam as imagens.

Novas edições:
Pink Floyd, The Piper at the Gates of Dawn


Pink Floyd 
“The Piper At The Gates of Dawn”
EMI Music 
5 / 5 

Assim como aconteceu há algum tempo com os Beatles, a obra em disco dos Pink Floyd conheceu um tratamento digital em estúdio, do qual resulta uma série de reedições que começam agora a chegar ao mercado. Entre as reedições conta-se, naturalmente, o álbum de estreia do grupo que, por representar o único longa-duração da banda a traduzir a etapa em que era Syd Barrett quem comandava os seus destinos, regista ideias e caminhos bem diferentes dos que, com o tempo, fizeram a essência do com dos Pink Floyd. The Piper At The Gates Of Down é, por isso, e muitas vezes, o disco dos Pink Floyd mais amado pelos que não se identificam com a restante obra da banda e o menos aclamado pelos seus mais acérrimos admiradores. É em tudo um disco diferente da demais obra do grupo, apenas no álbum seguinte – A Sucerful of Secrets, de 1968, onde pontualmente ainda colaborou Barrett – havendo marcas evidentes de proximidade com o que aqui se escutava. Juntamente com os singles Arnold Layne, See Emily Play e Apples and Oranges (não incluídos no LP), o álbum The Piper at The Gates of Dawn sublinha a importante contribuição dos Pink Floyd para a criação de uma expressão londrina da cultura psicadélica que então conhecia outro importante pólo criativo na Califórnia. O disco, editado em 1967, traduz por um lado os ecos das noites vividas entre os eventos UFO (que remontam a 1966) e outras visões através das “viagens” que podemos sentir a bordo de temas como Astronomy Domine ou o “clássico” Intersellar Overdrive. E, por outro lado, as heranças pop que habitavam na genética formadora do próprio Syd Barrett, claras nas formas de um Bike ou The Gnome. O álbum nasceu numa etapa de transição na forma de trabalhar nos estúidios da EMI em Abbey Road (que só passariam a responder sob o nome da rua depois do álbum de 1969 dos Beatles). Com sessões contemporâneas a Sgt Peppers, mas mais ajustadas ao ritmo de trabalho habitual dos estúdios que ao que os fab four começavam a talhar a seu jeito, usando ainda gravadores de quatro pistas, o álbum de estreia dos Pink Floyd conseguiu mesmo assim criar um acontecimento diferente e desafiante. Entre histórias de gnomos, espantalhos, contos de fantasia e alguma ficção científica, The Piper At The Gates Of Dawn abriu caminhos, alargou visões, afirmou o talento raro de Syb Barrett e inscreveu na história um momento que geraria importantes descendências (e que hoje é tido como um absoluto clássico do seu tempo).

Mês Björk (30):
A caminho de 'Biophilia'


A fechar um mês que dedicámos a Björk, abrindo o caminho para a chegada do novo álbum Biophillia (que tem como data de lançamento o dia 10 de Outubro), escutamos hoje Moon, aquele que é o mais recente single da cantora islandesa e, após Crystalline, o seguindo single extraído do alinhamento do novo álbum. Brevemente, aqui, uma leitura crítica do novo álbum. Para já, aqui ficam as imagens que acompanham Moon.

Cantam (mas não encantam)


Foi há quatro anos. Depois de ensaiada uma ideia (bem sucedida, sublinhe-se) de encontro entre música e narrativa numa sequência de Em Paris, Christophe Honoré propôs em As Canções de Amor uma história de perda e redescoberta ao som de uma mão cheia de composições de Alex Beaupain, colocando, como mandam as regras dos velhos musicais, as canções nas vozes dos actores e as palavras cantadas na teia que define e explica, aos poucos, a narrativa que vemos evoluir no grande ecrã. O filme representou um verdadeiro acontecimento e tanto os actores como as canções e o olhar da câmara contribuíram para uma soma que fez do todo um caso notável do cinema do nosso tempo (sublinhando definitivamente Honoré como um dos grandes cineastas da sua geração). Quatro anos depois tenta repetir a ideia em Os Bem Amados. Mas com resultados completamente diferentes. Porque nem sempre uma boa ideia o é à segunda vez.


Mesmo com ingredientes diferentes e uma história distinta, são várias as semelhanças que encontramos entre As Canções de Amor e Os Bem Amados. Entre histórias e reflexões sobre o amor (a descoberta, a perda, o reencontro) cruzam-se personagens e canções. De absolutamente novo, uma narrativa que cruza épocas e lugares. Tudo começa na Paris dos sessentas, numa sapataria da moda. Passamos por Praga, no dia da “primavera” que os tanques soviéticos esmagaram. Com episódios seguintes entre Paris, Londres e Montreal, já nos noventas e na década dos zeros. No tutano da história mora uma mulher (interpretada por Ludivine Sagnier nos sessentas e por Catherine Deneuve mais adiante), o seu encontro com um médico checo (que na velhice é interpretado por Milos Forman), a filha que nasceu em Praga mas que cresceu em Paris. Desta última seguimos, já em adulta (numa excelente criação de Chiara Mastroiani) a sua inconstante e algo desafortunada vida amorosa. Perante um leque menos inspirado de canções de (novamente) Beaupain, Honoré conduz um melodrama de sabor clássico, com o 11 de Setembro algo metido "a martelo" numa altura em que a história passa por 2001... Alonga contudo excessivamente o desenrolar dos acontecimentos e só raras vezes a relação da história com a música gera instantes memoráveis. Não faltam belos enquadramentos, demonstrações claras da presença de um elenco de luxo. Mas com sabor a coisa repetida e requentada, Os Bem Amados em nada repete o encantamento de As Canções de Amor...


Imagens do trailer do filme

Gustavo + Herbie + George


A temporada 2011/12 da Los Angeles Philharmonic abriu, na passada 5ª feira, no Walt Disney Concert Hall, com um concerto que juntou, à orquestra dirigida por Gustavo Dudamel, o pianista de jazz Herbie Hancock, para uma noite integralmente dedicada à música de George Gershwin. O programa abriu com a Cuban Overture, depois com An American in Paris e, no final, contou com uma interpretação de Rhapzody In Blue, a peça que contou, ao piano, com Herbie Hancock. Começou assim a terceira temporada da orquestra com o maestro venezuelano, que está ligado à LA Philharmonic até 2019.

Podem ouvir aqui uma gravação (comentada) do concerto e ver algumas imagens desta noite.

Podem ler uma reportagem sobre este concerto aqui.

quinta-feira, setembro 29, 2011

Ser ou não ser Ryan Adams

Ryan Adams tem 36 anos (37 no dia 5 de Novembro), mas canta como se já tivesse tido várias encarnações que o levaram do rock ao country, passando pelo metal... sempre com regresso à origem. Qual origem? Pois bem, talvez este misto de serenidade e deambulação confessional – If you're so kind / can you let down your hair – que contamina as 11 canções do novo Ashes and Fire, envolvendo as vozes de Norah Jones e Mandy Moore, e ainda o pianista Benmont Tench (Tom Petty and the Heartbreakers).
Dito de outro modo: desde a abertura, com Dirty Rain [video: versão acústica], Ryan Adams defende um intimismo tecido de metódica distância e distanciação, como quem nos avisa que tantas subtis emoções não podem ser reduzidas ao ecumenismo dos tempos – audição integral disponível nas páginas de música da NPR.

Uma enciclopédia do 11 de Setembro

Das muitas publicações que dedicaram números (ou dossiers) especiais ao décimo aniversário do 11 de Setembro, a revista New York propôs uma das variações mais clássicas, e também mais interessantes: uma edição em forma de enciclopédia, cruzando memórias jornalísticas com ideias, interrogações e especulações que foram ficando no nosso tempo e no seu imaginário. Como recorda Frank Rich no seu admirável texto de introdução, 'Day's end': "Não é suposto as décadas aparecerem em embalagens consistentes decorrentes das divisões arbitrárias do calendário, mas foi isso que aconteceu com esta. Para muitos americanos, a nuvem do 11 de Setembro desapareceu. O que não quer dizer que, depois da sua passagem, se tenha revelado uma paisagem nacional mais feliz."
Entre os 92 temas coligidos, figuram o país como ideia ("America"), o regresso do humor de Saturday Night Live menos de três semanas depois dos atentados, a 29 de Setembro (Live from New York), e o inesquecível azul do céu (Blue) com que nasceu a manhã do dia 11 de Setembro de 2001.
FOTO Lyle Owerko
A Torre norte depois da queda da Torre sul

11 de Setembro de 2001
FOTO Peter Funch
(meados de Setembro, 2001)

Sangue português

Uma primeira imagem.
São actores: Rafael Morais, Anabela Moreira, Cleia Almeida e Rita Blanco.
Ou, se quiserem: Joca, Ivete, Cláudia e Márcia. Ou ainda: as irmãs Márcia e Ivete; os irmãos Joca e Cláudia, filhos de Márcia, sobrinhos de Ivete.
Parecem crianças assustadas. Ou talvez velhos, muito velhos, vencidos pelo desencanto da sua serenidade. Talvez seja mesmo verdade que os rostos de uma família vão integrando os tormentos do tempo, desenhando um mapa de territórios contínuos, de agreste continuidade. Talvez. Em todo o caso, o filme Sangue do Meu Sangue, de João Canijo, é sobre isso: a devastação do tempo e a nitidez com que isso se diz, com que disso se vive. E morre, continuando a viver.
É um filme português, imenso, devastado e devastador; cinema visceral, afinal belo como só nós podemos ser – estreia no dia 6 de Outubro.

Para suster a respiração (dizem eles)


Da dupla nova iorquina Holy Ghost chega mais um teledisco para um tema retirado do seu álbum de estreia. Aqui fica Hold My Breath.


Novas edições:
The Rapture, In the Grace of Your Love



The Rapture
“In The Grace Of Your Love”
DFA Records
4 / 5

Não tiveram o impacte global de uns LCD Soundsystem, mas aos The Rapture devemos apontar igualmente marcante percurso de convergência entre referencias pós-punk de finais de 70 e inícios de 80 e toda uma arquitectura rítmica escutada por caminhos da música de dança que abaria por desencadear importantes descendências entre tantos outros nomes na década dos zeros. Echoes (2003) foi um disco determinante no processo de redescoberta de uma pulsão dançante num quadro rock’n’roll (tal como uns valentes anos antes o haviam feito bandas como os Stone Roses ou Happy Mondays, porém sob convocação de outros ingredientes). Seguiu-se ainda, em 2006, Pieces of the People We Love. E depois um silêncio que agora rompem ao som de In The Grace Of Your Love um álbum que vive de reencontros (com a DFA Records, onde deram importantes passos e com um interesse evidente pelos ritmos de dança) e que na essência parece descobrir o prazer do desenho de canções que piscam o olho a uma pop para apetites mais gourmet (escute-se a discreta luminosidade de um Roller Coaster, por exemplo). Ainda por aqui sentimos ecos de algumas genéticas que definiram a alma inquieta dos primeiros discos da banda (de uns Talking Heads aos XTC, a face Gang of Four mostrando-se contudo de arestas mais polidas), o som revelando porém menos angulosidades, a voz irrequieta de Luke Jenner adaptando-se a quadros onde guitarras, programações e batidas encontram um entendimento mais arrumado. São ainda evidentes os instantes de bom relacionamento com a club culture, ecos de escolas house passando, depurados, pelo entusiasmante Come Back To Me. Munidos de uma bela carteira de ingredientes e um sentido apurado de gestão dos sabores, os The Rapture juntam o útil ao agradável. Ou seja, encontram uma mão cheia de belas canções para fazer de In The Grace Of Your Love o mais delicioso dos seus álbuns. Poderá não ter o sentido histórico que o pioneirismo de Echoes naturalmente registou na história da década dos zeros. Mas mostra, neste reencontro, que a banda (reduzuida a três elementos depois da saída do baixista Mattie Safer) soube encontrar um novo destino depois dos caminhos pelos quais caminhou na década dos zeros.

Histórias de um outro Brasil


Passou na edição de 2010 da Berlinale e logo aí chamou atenções. Agora chega aos ecrãs nacionais para nos confirmar que, ao contrário de certas fáceis ideias feitas, o cinema brasileiro do nosso tempo não vive apenas de retratos de vidas entre favelas. Mais distante, de resto, não podia estar a realidade de que trata Os Famosos e os Duendes da Morte (estreia hoje nas salas portuguesas). Primeira longa metragem de Esmir Filho (de quem o Queer Lisboa apresentou já a curta Alguma Coisa Assim e autor do pequeno filme Tapa na Pantera que virou sucesso na Internet), o filme transporta-nos para um Brasil de que pouco se fala por estes lados. Em concreto ruma a uma pequena povoação no Rio Grande do Sul, longe do calor, do sol, das praias... Longe de tudo. E é pela Intertnet que os mais novos que habitam aquela vila, essencialmente nascida de colonos alemães que ali chegaram há algumas décadas. Trocando fotos, falando em chats, ensaiando uma proximidade virtual, tentam disfarçar uma solidão que vivem mesmo em terra povoada.

Um deles, que assina online como Mr Tambourine Man (interpretado pelo estreante Henrique Larré) não parece ter senão um objectivo: sair dali. Nem que, por um dia, para ver um concerto de Bob Dylan Criado em conjunto com um texto que ao mesmo tempo ia sendo redigido por Ismael Canepelle (natural daquela região e autor já publicado), o filme toma ainda como peça central da sua identidade uma relação com a morte. Que se manifesta sobretudo através da ausência de uma amiga que se suicidou atirando-se da ponte metálica que habita na orla da povoação, e da qual restam imagens (fotos e filmes) na Internet...


Com um ritmo tranquilo, alma poética e uma fotografia que mostra interesses por vezes no limiar de um certo cinema experimental, Os Famos e os Duendes da Morte é um interessante retrato de um confronto de atitudes perante a vida que podem habitar num mesmo espaço. Entre os mais velhos, que integraram rotinas e rodopiam ao som de música nas festas anuais da região, e os mais novos, que vivem a urgência de outras experiências (e de fuga), o filme de Esmir Filho olha realidades de um outro Brasil do qual poucas vezes se fala. Mas que também existe.


Imagens do trailer do filme

Mês Björk (29):
Pelo grande ecrã


Um percurso hoje pelo trabalho de Björk no cinema. Mas que não se esgota, ao contrário do que se possa pensar, em Dancer In The Dark...

Bastava vê-la nos telediscos que acompanhavam as suas canções para em si reconhecermos uma actriz em potência. Contudo, ao contrário do que vulgarmente se pensa, não coube a Lars Von Trier a “descoberta” das capacidades performativas de Björk para lá da música e dos palcos. Em 1990 o filme islandês The Juniper Tree, de Nietzchka Keene, tomava a cantora como protagonista de uma história baseada no conto homónimo dos irmãos Grimm. Björk veste aqui a pele de uma mulher cuja mãe foi acusada de bruxaria. Rodado em 1986 com um orçamento mínimo, o filme só conheceu estreia em 1990, quando finalmente foi concluído e logo depois apresentado em Sundance. Em 2002 uma edição em DVD deu-lhe contudo uma maior visibilidade mas, mesmo assim, longe das atenções do grande público.

Foi contudo através de Dancer In The Dark que Björk inscreveu o seu nome na história do cinema. Nem que, como então terá dado a entender, seja experiência a não repetir. No filme, que arrebatou a Palma de Ouro em Cannes (num festival que também distinguiu a cantora como melhor actriz), Björk vestiu a pele de uma operária fabril com um grave problema de visão. Uma sonhadora que, perante os momentos mais difíceis, liberta uma voz interior que se expressa na forma de canções com a grandiosidade cénica que o cinema musical tantas vezes experimentou, aqui usando em favor da imagem um dispositivo com inúmeras câmaras digitais que o realizador arrumou em volta de alguns dos décors (com particular efeito ao som de Cvalda, numa cena de canto e dança em plena fábrica)... Von Trier fez contudo de Selma (a personagem que entregou a Björk) um ensopado de desgraças, o acumular de situações pelas quais passa resultando num cenário de tragédia que nem a melhor canção (ou sonho) pode salvar.

O filme dividiu opiniões logo à passagem no festival de Cannes. A personagem de Selma se, por um lado, vive de uma certa verdade que uma não-actriz lhe confere, por outro afirma-se assombrada por tamanha sucessão de dramas que acabam por retirar à narrativa a carga convincente que de outra forma poderia sugerir. O melhor de Dancer In The Dark vem contudo da música que Björk criou para o filme, juntando os sons dos espaços onde a acção decorre às electrónicas e à presença de arranjos sumptuosos para orquestra. Assim nasce Selmasongs, um disco relativamente curto (porque limitado às composições usadas no filme) mas que guarda em si uma exposição clara das capacidades de Björk enquanto escritora de canções e nele apresenta uma mão cheia de grandes canções, uma delas contando com a presença de Thom Yorke, dos Radiohead (I've Seen It All, nomeada depois para o Oscar de Melhor Canção Original). E isto numa altura em que o desafio que colocava a si mesma se centrava mais na exploração da matéria que faz a composição e não na moldura formal com que as canções se apresentam.

Não terá sido exactamente o dar o dito pelo não dito, mas a verdade é que Björk regressou ao cinema depois de Dancer In The Dark. Porém, a bordo de uma experiência completamente diferente, num filme que talhou o seu caminho por outros circuitos e que a colocou perante um trabalho em tudo diferente do que havia protagonizado tanto no filme de Lars Von Trier como no mais distante The Juniper Tree. Realizado por Matthew Barney, o filme Drawing Restraint 9 é na verdade um momento entre uma sequência de obras que integram a série Drawing Restraint, assinada pelo artista que comandou as operações por detrás das câmaras. Estreado nos festivais de Veneza e Toronto em Setembro de 2005 e, mais tarde, com distribuição comercial, o filme centra muita das suas atenções em factos e imagens da cultura japonesa, ora recriando uma tradicional cerimónia do chá ora abordando a questão da pesca da baleia. Björk é figura-chave não apenas no que vemos no ecrã, como também enquanto autora da banda sonora, que teve então lançamento em disco.

Queer Lisboa: 15 anos /15 filmes (15)


E a terminar uma lista de 15 títulos escolhidos entre os 15 anos de história do Queer Lisboa, deixamos hoje um dos filmes que integraram a competição oficial da edição deste ano.

É ao ritmo da lenta vida no campo que evolui a história que vemos em Stadt Land Fluss, primeira obra de Benjamin Cantu que passou em 2011 na programação do Queer Lisboa 15. Estamos numa quinta, numa região rural a uns 60 quilómetros de Berlim. Uma quinta com objectivos pedagógicos, uma vez que acolhe estágios que precedem um exame que permite o acesso a uma carteira profissional para exercer um trabalho na agricultura. É aí que focamos a atenção entre dois estagiários, qualquer um deles com quotidiano algo afastado dos demais que ali trabalham. Aos poucos as suas rotinas convergem, dos espaços da lavoura aos momentos de lazer, aprofundando uma proximidade mais sentida que falada mas que será tudo menos coisa simples, apesar de nunca excessivamente turbulenta... como a vida do campo ao seu redor. Rodado praticamente sem actores entre o elenco (muitas das figuras que ali vemos habitam, e trabalham, de facto, naquela região), Stadt Land Fluss tem tanta vontade em acompanhar o aproximar dos dois protagonistas como em olhar o mundo ao seu redor. Lento, contemplativo. Simples. Mas profundamente sentido.

Podem ver o trailer do filme aqui

7 memórias queer (4)

1971 – MORTE EM VENEZA, de Luchino Visconti

A história dos filmes, sobretudo dos mais “antigos”, pode e deve fazer-se também através das reacções e ideias que suscitaram no momento do seu lançamento: assim, hoje não temos medo do primeiro comboio filmado pelos Lumière, mas importa não esquecer que alguns dos espectadores de 1895 se desviaram nas cadeiras, receando ser atingidos pelo objecto “em movimento”. Algo de semelhante se pode dizer do filme de Visconti inspirado na novela de Thomas Mann (e, da parte do cineasta, na personalidade de Gustav Mahler): no momento da sua estreia, Morte em Veneza foi discutido menos como um ensaio sobre as ambivalências sexuais e mais como um exercício sobre a utopia de uma beleza radical – a de Tadzio (Björn Andresen), sob o olhar de Gustav (Dirk Bogarde). E talvez seja essa expressão, sob o olhar de, que, mais do que nunca, importa valorizar. Porque a visão de Gustav nunca é indiferente, muito menos assexuada; ao mesmo tempo, porém, há nela uma violência paradoxal que visa um tempo anterior a qualquer gesto sexual, uma espécie de neutralidade feliz de todas as formas de sexualidade. Bem sabemos que Gustav morre nessa contemplação, mas qualquer utopia tem um preço.


[colaboração com O Sétimo Continente]

quarta-feira, setembro 28, 2011

100 dias de governo...

Esta primeira página do jornal i (28 de Setembro) é apenas um sintoma de um fenómeno que hoje, uma vez mais, contaminou o dia da imprensa, rádio e televisão – a ponto de sentirmos que o quotidiano é feito dos ecos incestuosos das linguagens informativas. Chamemos-lhe: o infantilismo mediático das efemérides.
Não se trata de moralizar sobre o valor simbólico dessas mesmas efemérides. Afinal de contas, também aqui propusemos as nossas leituras e imagens em torno dos dez anos passados sobre os atentados de 11 de Setembro de 2011. E, num plano mais pessoal, todos temos os nossos dias de aniversário... Trata-se, isso sim, de questionar um imaginário "informativo" que vive num delírio de intensificação de tudo o que possa ser pretexto para gerar um simulacro de história – ou História, tanto faz.
Que sentido faz acreditar, ou fazer acreditar, que ao centésimo dia da sua gestão um governo, qualquer governo, entra numa espécie de miraculosa significação? Não ao 99º. Não ao 101º. Mas naquela viragem (?) em que a contagem parece apaziguar-se na neutralidade dos zeros, gerando qualquer coisa de simbolicamente incontornável.
Escusado será dizer que semelhantes rituais servem para tudo menos para discutir/pensar a política, seja ela qual for. E que sejam 100 dias, eis o que é ainda mais significativo da obscena aceleração em que somos compelidos a viver. Já nem se trata de esperar, por exemplo, 1000 dias, apesar de tudo quase uma legislatura (no nosso sistema eleitoral). Mas de deixar passar uns banais três meses e reconfigurar todos os sentidos do mundo. Ou ainda: porque passaram 100 dias, tudo tem que fazer algum sentido.
Já faltou mais para estarmos enredados nos debates, inquéritos e comentários dos 10 dias de governo... Eis uma suposição anedótica, mas os tempos ensinam-nos que a gestão mediática da política, incluindo a que é feita pelos próprios políticos, há muito deixou de recear o anedótico.

As escolhas no Sound + Vision Magazine


Teve ontem lugar mais uma sessão Sound + Vision Magazine na Fnac Chiado. De uma evocação da carreira dos R.E.M. (que há uma semana atrás anunciaram a sua separação) a um olhar sobre o filme Sangue do meu Sangue, de João Canijo, que estreia no circuito de salas no próximo dia 5, a sessão passou ainda pelo conjunto habitual de discos, DVDs e livros destacados pelos autores deste blogue. Aqui ficam as sugestões apresentadas:

Discos: 

João Lopes
Return to the Dark Side of the Moon (Mojo - Outubro)
Hajime, André Carvalho
Devil's Dress, Susana Santos Silva

Nuno Galopim 
The Rip Tide, de Beirut 
Strange Mercy, de St Vincent 
2ª Sinfonia de Mahler pela LPO, dir V. Jurowski 


DVDs 

JL
Pneu, de Quentin Dupieux

NG
Os Amores Imaginários, de Xavier Dolan 
Mel, de Semih Kaplanoglu 

Livros 

JL
Francis Bacon - Lógica da Sensação, de Gilles Deleuze
Lettres à Hélène, Louis Althusser

NG
Listen To This, de Alex Ross 
A Queda de Berlim, 1945, de Antony Beevor 
O Messias de Duna, de Frank Herbert

Cantos da floresta


Ainda ontem aqui apresentávamos o álbum Hysteria, o terceiro dos Clap Your Hands Say Yeah. Hoje deixamos aqui imagens do teledisco que acompanha Maniac, o primeiro single extraído do alinhamento do disco. A realização é de Pieter Dirkx.

Discos pe(r)didos:
Wolfgang Press, Funky Little Demons


Wolfgang Press 
“Funky Little Demons”
4AD Records 
(1995) 

Foram um nome marcante na primeira etapa de vida da editora 4AD, editando uma sucessão de discos que ajudaram a definir parte da face sombria da personalidade da editora. Mas como em tantas outras histórias, um momento de viragem abriu novos horizontes e levou-os por caminhos que contribuíram para a construção dos seus dois mais interessantes álbuns: Queer (1991) e Funky Little Demons (1995). O catalisador para a mudança que levou os britânicos Wolfgang Press a novos desafios não foi senão o histórico 3 Feet High and Rising, o álbum “clássico” que assinalou a estreia dos De La Soul em 1989. Foi aí que reconheceram um novo sentido de frescura e uma alma lúdica que resolveram depois transportar para o som da banda. Experimentaram primeiras aproximações a novas ideias em 1991 e, em 1995, em Funky Little Demons, atingem uma ideia pop luminosa, cruzando um sentido clássico de canção com estruturas rítmicas escutadas entre uma música feita com samples, cortes e colagens e com cereja sobre o bolo nos jogos de contrastes possíveis entre a voz de barítono de Michael Allen e das vozes femininas (de escola R&B) que escutamos em alguns coros.
Funky Little Demons é um álbum na mais profunda definição do termo. Um conjunto de canções que se relacionam esteticamente entre si, da soma das doze que constituem o alinhamento nascendo um corpo consequente, cada canção afirmando-se como parte de um todo que vale mais assim que fragmentado. Na verdade chegou a ser extraído um single do alinhamento do álbum (Going South, lançado em vários formatos por alturas da edição do álbum). E temas como Chains, Executioner ou Fallen Not Broken podem inscrever-se entre as melhores de toda a obra da banda. Mas o valor conjunto de Funky Little Demons é o de um ciclo de canções que, juntas, definem um olhar pop apenas possível depois de assimiladas tanto as heranças new wave como as linguagens rítmicas associadas à cultura do sampling que marcou muita da música dos noventas.

Mês Björk (28): E o melhor álbum é...


Os leitores do Sound + Vision pronunciaram-se e votaram Vespertine, de 2001, como sendo o melhor álbum de originais de Björk. Destacados, na votação, ficaram ainda os álbuns Debut (1993) e Homogenic (1997), respectivamente em segundo e terceiro lugares. Aqui fica a tabela final da votação:

Vespertine – 31%
Debut – 27%
Homogenic – 20%
Medúlla – 6%
Post – 5%
Selmasongs – 4%
Volta – 2%
Drawing Restraint 9 – 0% (*)

(*) apesar do arredondamento apresentar 0%, o disco teve um voto expresso.

Um nome em tempo de afirmação


Acaba de chegar ao circuito de DVD nacional a edição local de Amores Imaginários, de Xavier Dolan. Lançamento da Alambique, sem conteúdos adicionais.

Eis um exemplo que deixa clara a importância que os festivais de cinema podem (e devem) ter na apresentação e acompanhamento de novos talentos em tempo de revelação e, depois, afirmação. Foi no Indie Lisboa que vimos, pela primeira vez, o cinema de Xavier Dolan. Foi com J'ai Tue Ma Mère, filme que focava a relação conflituosa (mesmo literalmente gritante) entre um filho e uma mãe, o papel protagonista cabendo ao realizador que assim assinava um depoimento com algum peso autobiográfico expondo-se a si mesmo no grande ecrã. Sucessor dessa promissora estreia, o filme Amores Imaginários representou a segunda passagem de Dolan pelo mesmo festival, mas desta vez com estreia comercial assegurada entre nós.  Ainda com algumas eventuais marcas do "eu" do realizador (que novamente assume um dos papéis protagonistas em cena), o filme procura contudo um registo mais elaborado que o que, de traços realistas, dominara a sua estreia. Dolan parece querer aqui deixar clara a admiração por nomes como Godard e Kar Wai numa narrativa que olha de perto a dinâmica (por vezes disfuncional) de um triângulo amoroso, entrecruzando a história que acompanhamos com instantes de uma tertúlia que vai lançando e debatendo temas... Longe de ser um filme falhado ou um salto maior que a perna, Amores Imaginários não repete todavia a carga dramática do filme anterior. É contudo o episódio de uma ideia em construção que afirma já Xavier Dolan como um nome a seguir entre a mais nova geração de realizadores.

Queer Lisboa: 15 anos / 15 filmes (14)


Mais um filme para recordar 15 anos de história do Queer Lisboa. Desta vez um documentário integrado na programação da secção queer pop.

Que Rufus Wainwright é uma das figuras mais interessantes do panorama da música popular do nosso tempo não é novidade, e longe de ser notícia está o facto de ter já composto e apresentado uma ópera (no mais clássico sentido do termo). Por isso, à partida, seria de esperar que não faltaria matéria prima na hora de pensar um documentário. Todavia, na hora de pensar um filme em torno dessa sua primeira ópera, o realizador compreendeu que havia todo um contexto em seu redor que não se esgotava na figura do cantor/compositor. E assim, Prima Donna: The Story Of Rufus Wainwright’s Debut Opera, de George Scott é, mais que o making of de uma ópera (que dividiu opiniões), um olhar sobre o músico e o universo ao seu redor, a ideia de família afirmando-se claramente (como seria de esperar) como peça central na formação da sua personalidade artística. A mãe, Kate McGarrigle (já visivelmente doente) é, tal como a vimos em palco ao lado do filho, uma presença inspiradora. Rufus não fecha o seu retrato no tempo em volta da composição, ensaios e estreia (à qual compareceu vestido à la Verdi), aceitando a intrusão do olhar do realizador por imagens de arquivo, num dos momentos mostrando-nos recordações de uma ópera encenada em família há longos anos atrás. Prima Donna: The Story Of Rufus Wainwright’s Debut Opera é assim, ao mesmo tempo que o documento da construção de uma obra de grande fôlego (e um desafio para um músico conotado com outros quadrantes da actividade musical), um olhar sobre como o mundo particular de cada um é, na verdade, o verdadeiro ponto de partida para a construção de uma linguagem (se, claro está, genuína).

terça-feira, setembro 27, 2011

Ela não é Elizabeth Taylor

Convenhamos que Kate Winslet e o fotógrafo Mario Testino não escolheram o mais simples dos desafios: para a edição de Setembro da revista V, propõem um portfolio em que a actriz se confronta com algumas imagens emblemáticas de Elizabeth Taylor, incluindo uma especialmente célebre em que ela surge com um colar de pérolas a desenhar uma moldura para o olhar (e que serve de padrão à fotografia escolhida para a capa da revista).
Acompanhado por uma entrevista assinada por Michael Martin, o dossier fotográfico parte da actualidade da própria actriz, com dois filmes marcantes, Contagion e Carnage (respectivamente de Steven Soderbergh e Roman Polanski) e ainda a série da HBO, Mildred Pierce (dirigida por Todd Haynes). O trabalho editorial aposta na possibilidade de recuperar uma sobriedade muito clássica em que se joga mais do que a "imitação" das poses, também elas clássicas, de Taylor. Trata-se, afinal, de afirmar uma linhagem em que a pertença ao cinema não pode ser dissociada de uma vocação iconográfica que sugere o poder divino do ícone. Este é mesmo um caso limite, de uma só vez venerador e perverso, em que uma actriz se reafirma ocupando o lugar de outra. Mais do que isso: é um exemplo modelar do modo como o glamour funciona como uma herança que importa manipular com especial delicadeza. Delicadeza que se confunde com uma forma de amor: afinal, aquilo que Winslet diz não é apenas "eu não sou Elizabeth Taylor"; é também "vocês sabem quem eu sou".

The Gift nos EUA: álbum + concertos

Explode, o álbum de 2011 da banda The Gift, chega hoje às lojas dos EUA e Canadá. O lançamento decorre de uma estratégia de expansão para o mercado americano que inclui uma série de concertos, a iniciar a 7 de Outubro, em Los Angeles, no Filter’s Culture Collide Festival. Seguir-se-ão espectáculos em Chicago, Toronto, Nova Iorque, Filadélfia e Cambridge. Em finais de Outubro, o grupo de Alcobaça estará no Brasil, para concertos em Porto Alegre e Rio de Janeiro.

Grande comédia (a sério!)

Amor Estúpido e Louco é uma grande comédia sobre o que está para além da tradicional "guerra dos sexos" – este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Setembro), com o título 'A nova comédia dos sexos'.

A imagem que ilustra esta crónica corresponde a um dos momentos mais insólitos, e também mais subtis, daquela que ficará, por certo, como uma das melhores comédias americanas deste ano: Amor Estúpido e Louco, da dupla Glenn Ficarra/John Recqua. De pé, Jacob (Ryan Gosling) vai dissertando sobre a sua “especialidade”, isto é, a conquista de mulheres e mais mulheres: ele é um implacável predador que, a par do progresso da sua contabilidade sexual, se mostra empenhado em transmitir o seu saber, “colorindo” a vida do angustiado Cal (Steve Carrell), à beira de um divórcio mais ou menos doloroso. Estão a conversar depois de uma sessão de exercício físico e Cal, perante a nudez de Jacob, pergunta-lhe se ele tem de estar mesmo naquela pose...
Há, aqui, um inteligente entendimento das nuances que uma imagem pode envolver. Por um lado, somos confrontados com a perplexa candura de Cal, tentando contrariar a eventual confusão entre a cumplicidade que entre eles está a nascer e qualquer outro género de intimidade (inequivocamente sexual); por outro lado, o ponto de vista da câmara decorre de uma forma de ambíguo pudor: nada é explícito, mas vemos a situação como se essa intimidade estivesse, de facto, à beira de ser explicitada.
É esse, afinal, o singular poder do registo cómico tal como praticado por Ficarra/Recqua, aliás prolongando a lógica do seu trabalho anterior, o magnífico Eu Amo-te Philip Morris (2009), com Jim Carrey e Ewan McGregor interpretando um par homossexual. Para estes cineastas, a dimensão sexual de cada comportamento remete sempre para outra “coisa” que fica por dizer ou que, em boa verdade, ninguém sabe como dizer. Eles filmam menos a tradicional “guerra dos sexos” e mais um estado de incerteza (cómica, justamente) em que a acção de cada um reflecte as ambivalências de qualquer identidade sexual, desde as meramente geracionais até às misteriosamente simbólicas.
Daí que este não seja um filme sobre a sexualidade enquanto factor... sexual. Ficarra/Recqua recusam liminarmente a violência moral de telenovelas, reality TV e seus derivados: a sexualidade não é uma espécie de adorno “pitoresco” ou “escandaloso” de cada personagem, mas sim um elemento fulcral do seu ser e do seu estar. Daí também um paradoxal efeito de distanciação, afinal genuinamente freudiano: a sexualidade está em tudo, mas não esgota a totalidade de cada ser.
É um excelente filme para lidarmos com a saturação “sexual” dos nossos dias. Num tempo tão carregado de mensagens “erotizadas”, desde a publicidade até ao patético imaginário jornalístico que envolve os “famosos”, esta é uma atitude que, para além da visão critica de usos e costumes, decorre da precisão muito política de quem não abdica de pensar a paisagem plural das relações humanas. Não há nada mais sério do que uma boa comédia.

A preto e branco


Novo teledisco para mais um tema do álbum lançado este ano pelo projecto tUnE-yArDs. Aqui fica Gangsta, com realização de Merrill Garbus.

Novas edições:
Clap Your Hands Say Yeah, Hysterical


Clap Your Hands Say Yeah 
“Hysterical” 
2 / 5 
V2 

O título de um disco pode ser o seu melhor amigo ou, em outros casos, o seu mais incómodo cartão de visita. Hysterical... Assim chamam os Clap Your Hands Say Yeah ao seu novo álbum. Sendo que, na verdade, se algo falta às canções do disco é um qualquer sentido de “histeria”, tão inesperadamente arrumadinho se mostra o alinhamento. Se recuarmos uns seis anos recordaremos no álbum de estreia deste colectivo (a que deram por título o seu próprio nome) um dos mais estimulantes dos discos que então chamavam atenções para o bairro de Brooklyn (em Nova Iorque). A angulosidade das formas, os caminhos de descoberta pelos quais as canções evoluíam faziam do álbum um novo herdeiro de uma velha escola que aponta a pop dinâmica e desafiante dos Talking Heads como ponto de partida... A verdade é que se fez silêncio depois de Some Loud Thunder (segundo álbum, editado em 2007), partindo cada um dos músicos dos Clap Your Hands Say Yeah rumo a diversas experiências paralelas. Do reencontro nasce agora Hysterical, mostra uma banda com aparente novo rumo, apontando a sua música a um terreno pop/rock de vistas largas, molduras épicas e formas polidas que em tudo lembra uns The Killers (a faixa de abertura dita logo o tom), pelo caminho surgindo instantes que ora evocam uns The Cure (Idiot) ou até uma tentativa de recriar o tom grandioso de uns Neutral Milk Hotel (em Yesterday Never)... Com uma pompa que as teclas (em registo strings e arredores) sublinham, Hysterical é um disco que parece sonhar com outros vôos (e tem cá tudo para despertar novos públicos, sobretudo os que gostam de descobrir músicas em anúncios de televisão). Mas de tão arrumado e previsível que se desenha o alinhamento e de tão polidas que se mostram as canções em Hysterical mais não acontece senão uma entediante (e desmotivadora) sucessão de mais do mesmo que em nada nos faz reencontrar o que de potencialmente promissor em tempos se escutava nos Clap Your Hands Say Yeah.

Queer Lisboa: 15 anos / 15 filmes (13)


Para ajudar a completar o panorama de títulos que fazem uma evocação de 15 anos de festival, fica mais uma memória de um filme que passou já pelos ecrãs do Queer Lisboa.

Vencedor do Queer Lisboa 13, em 2009, Ander, de Robert Castón, representou a primeira ficção com temática abertamente gay produzida no País Basco. O actor Josean Bengoetxea, que veste a pele do protagonista, venceu ainda esse ano o prémio e Melhor Actor. A história transporta-nos até um espaço em meio rural nos nossos dias. Ao pequeno mundo em volta de um quarentão que vive com a mãe e a irmã e divide o seu tempo entre o trabalho numa fábrica e a horta que produz muito do que come em casa, passando alguns dos tempos livres em ocasionais encontros com uma prostituta que vive algo à margem dos demais naquela região. Um pequeno acidente no campo impede-o de trabalhar por uns tempos, entrando em cena um emigrante vindo do outro lado do oceano que, partilhando o espaços com Ander, entra aos poucos na sua vida, despertando sensações que o assustam... Filmado com um sentido realista, Ander representou a estreia nas longas metragens de ficção do realizador, que é também um dos responsáveis pelo festival de cinema Zinegoak.

Podem ver o trailer do filme aqui.

Mês Björk (27):
Imagens para 'Who Is It'


Na hora de escolher um segundo single para o álbum Medúlla, Björk tomou o tema Who Is It como ponto de partida, mas usou antes uma versão distinta da registada no álbum, usando os sons de sinos e um coro. Para o teledisco, realizado por Dawn Shadforth, mostrou-se com um vestido em forma de sino (criado por Alexander McQueen), em imagens captadas num planalto na região de Hjörleifshöfði, na Islândia.

Já a pensar no Natal...


Ainda estamos em Setembro, mas começam já a surgir notícias de discos com sabor a Natal. Um deles, pela dupla She and Him. Aqui fica a capa de A Very She & Him Christmas, a editar a 24 de Outubro.

segunda-feira, setembro 26, 2011

David Fincher com os Marretas?

Depois de um grande esforço de investigação, estamos em condições de pôr fim às especulações sobre o envolvimento do autor de Seven com Miss Piggy e os seus pares... Aqui fica, por isso, o esclarecimento: o novo filme dos Marretas não é realizado por David Fincher.

Os Emmys nunca existiram

Qual é a grande festa anual da televisão mais internacional? É fácil responder: os Emmys. Foi dessa maneira que os canais portugueses trataram o evento? A resposta é igualmente fácil: não – este texto integrava uma crónica de televisão publicada no Diário de Notícias (23 Setembro).

Era legítimo esperar que a informação tivesse gerado muitas e variadas horas sobre o grande evento televisivo do domingo, dia 18 (madrugada de segunda-feira na Europa): a 63ª edição dos Emmys, os prémios da Academia de Artes e Ciências da Televisão.
Mas não, a jornada futebolística mereceu mais atenção, mais debates e mais especulações do que as proezas de Mad Men ou Modern Family. Ainda por cima, até mesmo um nome do cinema (um tal Martin Scorsese) ganhou um Emmy. De facto, a lógica televisiva dominante, enredada na caricatura fulanizada da política e na celebração quotidiana da “crise”, já quase não sabe olhar para o que acontece à sua volta... nem mesmo para conferir alguma importância a fenómenos como os Emmys.
Convenhamos que não há nisso nada de surpreendente: do mesmo modo que se submeteu ao império narrativo e económico da telenovela, quase todo o espaço audiovisual português secundarizou os mais nobres produtos da televisão que se faz em todo em mundo e, em particular, nos EUA. A não ser que alguém queira fazer o favor de avançar para, estoicamente, defender a estética das telenovelas (uma qualquer) contra, por exemplo, o humor de 30 Rock... Será como tentar demonstrar que o “Menino da Lágrima” bate aos pontos a “Última Ceia” de Da Vinci. Boa sorte!

Marilyn, 1946

É com um espanto, mesclado de ternura e tristeza, que redescobrimos as imagens de Marilyn Monroe (1926-1962) obtidas em 1946 por Joseph Jasgur. Cerca de dois anos passados sobre a morte do fotógrafo (faleceu a 21 de Março de 2009, dois dias antes de completar 90 anos), algumas dessas imagens são notícia, já que vão ser leiloadas pela firma Julien's Auctions (das que aqui se reproduzem, apenas a segunda a contar de baixo integra o leilão).
Para além de nos remeterem para uma época pré-Marilyn – quem vemos usa ainda o nome Norma Jean –, as fotografias reflectem uma candura pré-Hollywood (e o verbo "reflectir" carrega toda uma magoada nostalgia poética). É algo que envolve as imperfeições de uma pose ainda distante das subtilezas do glamour e, por isso mesmo, insolitamente realista. Como se apenas pudéssemos celebrar a sedução do logro ontológico: ser Marilyn seria um destino, quer dizer, uma magia que começou a derramar-se num tempo mítico e imponderável, antes mesmo de ter o nome com que agora reconhecemos a sua herança.