sábado, novembro 27, 2010

Luz e sombras de Bruce Springsteen (2/3)


[1] Darkness on the Edge of Town (1978), título decisivo na discografia de Bruce Springsteen, regressou às lojas numa fabulosa edição, revista e (muito) ampliada — esta é a segunda parte de um conjunto de textos publicados no Diário de Notícias (20 de Novembro).

A 22 de Maio de 1974, no jornal de Boston The Real Paper, o critico de música Jon Landau escreveu uma das frases mais célebres da história da música popular americana: “Eu vi o futuro do rock and roll e o seu nome é Bruce Springsteen”. Landau reagia assim a um concerto de Bruce no Harvard Square Theatre e o mínimo que se pode dizer é que, como num filme, esse foi o princípio de uma bela amizade: Bruce acabaria por contratar Landau que, além de produzir o seu álbum seguinte, Born to Run (1975), se transformou num fundamental colaborador e conselheiro.
Curiosamente, a frase de Landau surge quase sempre citada de forma incompleta, omitindo as palavras que se seguem: “Numa noite em que experimentei a necessidade de voltar a sentir-me jovem, ele devolveu-me a sensação de estar a ouvir música pela primeira vez.” Na sua perspicácia, o crítico reconhecia em Bruce o poder encantatório de renovar uma promessa lendária da cultura pop: a de viver uma eterna juventude.
Mas os tempos estavam também ensombrados pela irreversível degenerescência da cultura “hippie” e, sobretudo, nos EUA, pela proximidade muito palpável das feridas da guerra do Vietname. Com a reedição de Darkness on the Edge of Town, o álbum de 1978 que Bruce gravou a seguir a Born to Run, podemos redescobrir agora as convulsões dessa época em que, em boa verdade, não havia nenhuma certeza capaz de unificar a música popular anglo-saxónica. O ano de 1977 envolvera mesmo dois acontecimentos de dramático simbolismo: a edição do álbum homónimo de The Clash, celebrando todo o desencanto agreste do movimento punk, e a morte de Elvis Presley (a 16 de Agosto, contava apenas 42 anos), porventura o derradeiro ícone de um imaginário desesperadamente juvenil.
Para Bruce, o momento implicava o confronto com uma encruzilhada cultural e pessoal. Cultural porque a sua ligação a um rock mais tradicional, sempre tocado pela herança folk, parecia fora de moda ou, pelo menos, estranha aos entusiasmos do triunfante disco sound (vale a pena recordar que o filme Febre de Sábado à Noite, com música dos Bee Gees, lançado em finais de 1977, viria a transformar-se num dos maiores sucessos do ano de 1978); pessoal porque restava esclarecer até que ponto o seu labor ficaria encerrado do espaço mais “alternativo” dos dois primeiros álbuns, os magníficos Greetings from Asbury Park, N. J. e The Wild, the Innocent and the E Street Shuffle, ambos publicados em 1973.
A resposta contida em Darkness on the Edge of Town adquiriu um valor tanto mais emblemático quanto o tempo mostrou que pode sintetizar algumas das componentes vitais do universo criativo de Bruce. Por um lado, este é um álbum que celebra a enérgica crueza de um som que teria o seu momento mais popular no lendário Born in the USA (1984); por outro lado, há nele uma dimensão intimista que se viria a ampliar no minimalismo técnico de Nebraska (1982) e também na comovente introspecção desse diálogo com a dolorosa herança do 11 de Setembro que foi The Rising (2002). As sombras a que se refere a canção título surgem, afinal, contrariadas pela luminosidade de canções definitivamente adultas. Em The Promise Land, Bruce canta mesmo: “(...) não sou um rapaz, não; sou um homem / e acredito numa terra prometida”.