quinta-feira, agosto 27, 2009

Tarantino ou a traição das imagens

Em cima, o célebre quadro — de uma série pintada em 1928-29, intitulada "A Traição das Imagens" — em que René Magritte nos apresenta um cachimbo e a sua negação escrita ("isto não é um cachimbo"). Logo a seguir, uma imagem da cena do jogo de cartas no filme de Quentin Tarantino, Inglourious Basterds/Sacanas sem Lei: cada participante exibe uma carta com uma identidade que desconhece e, através de perguntas que vai fazendo aos outros, tenta adivinhar o que lá está escrito.
Que aconteceu nas oito décadas que ligam e separam as duas imagens? Uma história em que a arte — todas as formas de arte — tem coabitado, de forma mais ou menos calculada, com a noção de simulacro. Não a simulação que é, no fundo, um mero logro "imitativo". Mas o simulacro. Ou seja: a possibilidade de a imagem conter, não apenas o imediato da simulação, mas também a ansiedade de uma verdade que se aproxima do concreto da matéria.
Daí que ambas as imagens suscitem a mesma pergunta: em que pensamos quando pensamos em imagens? E, desde logo, emerge uma resposta: pensamos em palavras. Ou ainda: o pensamento por imagens nunca é estranho às mil e uma formas de labor da escrita.
Claro que vivemos no interior de uma cultura mediática enredada no "espectáculo" como obscenidade quotidiana, cultura que tende a beatificar as imagens, para melhor nos dominar pelas palavras, ao mesmo tempo que nos afasta da especificidade da escrita. Em todo o caso, Tarantino, herdeiro de Magritte, é um dos que nos volta a convocar para a íntima articulação do visual e do escrito — para o visual como forma de escrita. Sacanas sem Lei é um filme dessa celebração ambígua em que o simulacro nos repõe face à perturbante verdade que nunca abandona os corpos — é, por isso, à sua maneira, um filme contra a normalização pornográfica das relações e da história.