segunda-feira, junho 29, 2009

Um trono que fica vazio

Estes textos foram publicado no DN, na edição de 28 de Junho, respectivamente com o título "Trono do Rei da Pop Aguarda Sucessor" e "Não será fácil encontrar novo rei"

O mundo da música popular gosta de distinguir os seus com títulos (ou por vezes cognomes) que assim definem uma certa aristocracia entre a elite dos mais bem sucedidos. Elvis Presley era, para todos, o "rei" (do rock'n'roll, como naturalmente se subentendia). Madonna, ainda é, e já com mais de 25 anos de segura presença no trono, a incontestada "rainha da pop". James Brown ficou conhecido como o "padrinho da soul". Benny Goodman era o "rei do swing". O argelino Khaled é, ainda sem rival à sua estatura, o "rei do raï". Já houve quem chamasse a Bob Dylan o "rei da folk" e a Bob Marley o "rei do reggae", se bem que semelhantes títulos de modo algum se enquadrem no perfil (nada monárquico) da personalidade de ambos os músicos... Sem subtexto nobiliário, o norte-americano Bruce Springsteen é, para os seus admiradores, "the boss" (o patrão) e Frank Sinatra foi muitas vezes referido como "the chairman of the board" (algo como o presidente da administração).
Michael Jackson também viveu sob o peso de um título. E, a partir de determinada etapa na sua vida fez saber que gostaria de ser reconhecido como o "rei da pop"... Houvesse leis dinásticas na música, e o título de rei ter-lhe-ia chegado, "consorte", com o casamento com Lisa Marie Presley, a filha de Elvis.
Na verdade, e antes do casamento, autodesignou o seu próprio título, mas de certa forma reinava já, com invulgar unanimidade e aceitação geral, desde que, em inícios dos anos 80, o impacte do álbum Thriller dele fez um caso de sucesso maior, de proporções nunca antes vistas, à escala planetária. O certo é que, mesmo sugerido pelo próprio, o título acabou mesmo universalmente aceite. Tanto que esta semana, perante a notícia da sua morte, raros foram os títulos que evitavam a palavra "rei". Como que a vincar que, mais que apenas uma vida, um reinado chegava ao fim.
A morte de Michael Jackson deixa agora um trono vazio, porém sem candidato evidente à sucessão. Além do veterano Prince (hoje sem a aura de outros tempos), poderíamos pensar em nomes como os de Justin Timberlake ou Robbie Williams. Mas estes são outros tempos. Na idade da Internet há hoje muitos pequenos/grandes feitos para vários pequenos/grandes nichos. O acesso à informação alargou o espectro de propostas e cada qual escolhe os seus ícones. A idade das super estrelas (que, com a ajuda dos telediscos, garantiu o ceptro real a Michael Jackson) é coisa do passado. E "reis" desta dimensão não mais serão coroados.
Os números, de facto, não falam contra Michael Jackson. Não só é um recordista de vendas de discos (Thriller é referência difícil de ultrapassar, com vendas que hoje devem ultrapassar os 100 milhões de exemplares à escala global), como ao longo de uma carreira de 40 anos somou prémios atrás de prémios. Venceu 19 Grammys, 22 American Music Awards, 12 World Music Awards... Só os Beatles (29), Elvis Presley (36) e Madonna (37) têm mais que os 28 singles no top ten norte-americano de Michael Jackson. Foi o primeiro a ter uma canção a entrar directamente para o top americano (com You Are Not Alone). Tem o teledisco mais caro da história (sete milhões de dólares foram gastos em Scream, dueto com a irmã Janet). Presenteou-se com luxos, entre os quais o Oscar de Melhor Filme de E Tudo o Vento Levou por um 1,5 milhões de dólares... Números, conquistas e gastos... de rei.
Se imaginássemos uma "família real" na música pop, teríamos de apontar a Madonna o título de "rainha". O sucesso, todos os anos renovado, faz de si a voz feminina de maior sucesso na história da música popular. Um reinado longo, que remonta à primeira metade da década de 80 e que, sem intervalos nem períodos menores, dela faz ainda hoje a mais bem sucedida das estrelas do firmamento da música pop. O trono da "rainha da pop" está seguro nas suas mãos. E, apesar das concorrências (Mariah Carey, Kylie Minogue ou Beyoncé), nenhuma outra parece capaz de disputar a posse do ceptro real da pop no feminino a Madonna.

E os pretendentes são...

Se o trono da pop no masculino ficar vazio, não será por falta de pretendentes ou de qualidades, feitos e números que estes possam revelar ao mundo. Justin Timberlake (um dos mais evidentes herdeiros das linguagens musicais e visuais de Michael Jackson), Robbie Williams e Kanye West são claros pretendentes de primeira linha a um trono que exige um sucesso planetário sustentado. É verdade que nenhum deles tem no currículo um disco com a dimensão cultural de um Off The Wall (muito menos um Thriller). Mas, mais que isso, aos três falta o contexto que, nos anos 70 e 80 permitiu a Michael Jackson afirmar-se perante milhões que o tomaram como ídolo. Na idade da fragmentação dos consumos culturais, o gosto não é partilhado da mesma forma e as multidões dificilmente atingem as mesmas dimensões em volta de uma voz comum. A liberdade de escolha do gosto (conquista feita na era da Internet) será o principal obstáculo à eventual ocupação do trono que esta semana Michael Jacskon deixou vazio.