segunda-feira, novembro 24, 2008

Em conversa: Carlos do Carmo (5/5)

Terminamos hoje a publicação da versão integral de uma entrevista com Carlos do Carmo publicada no DN a 17 de Novembro, data que assinala o lançamento da antologia “Fado Maestro”, que celebra os seus 45 anos de carreira.

Há discos que ainda gostasse de fazer?
Gostava de fazer um disco de fado jocoso. Falar daquilo que se passa em Lisboa. O Fado dos Contentores... O perder da vista do Tejo... São ideias malucas, mas o fado é isto... Apeteciam-me muito cantar uma dezena de factos a falar dos mamarrachos, a contar histórias dos prédios que estão vazios ou onde vivem apenas duas pessoas. Mas sem um ar dramático. Mas para nos rirmos de nós próprios. Acontece que não sou poeta. E não tenho cá o Ary. Se houver aí um tipo que tenha jeito para isso e se disponha a isso, vamos aí... O fado é camaleónico. Está sempre a adaptar-se às épocas. E isto era o que eu ouvia os ceguinhos a cantar no bairro da bica. Cantavam as histórias do dia a dia... Então o que é o que o Carlos do Carmo vai cantar hoje? Vou cantar o Fado dos Contentores... Com todo o respeito pelos Contentores dos Xutos...

Depois de um certo afadtamento, o que fez que os portugueses se reencontrassem com o fado?
O gosto...

E como renasce esse gosto? Levou tempo...
Cansaço... Depois houve um momento... Lá passaram os anos 80, foi-se fazendo o processo, devagarinho... Mas a rádio pública não toca fado... E muitas outras rádios não tocam fado. Então isto tem muita piada, porque nos topes, alguns dos discos que mais vendem são de fado. E os espectáculos estão cheios... É muito engraçado.

Foi importante o aparecimento de uma nova geração de fadistas?
Naturalmente. Mas se houve momento crucial, ele foi a morte da Amália. É um momento de ruptura... Algo desapareceu fisicamente. E ao ter o mediatismo que teve, durante uma semana não se falou em mais nada nos jornais, os miúdos foram ouvir os discos da Amália que as mães tinham...

Porque há sobretudo vozes femininas na actual geração?
São ciclos. Um ciclo feminino... Quando morreu o Marceneiro houve um ciclo de homens. O fado tem estas histórias curiosas.

Falta ensinar curricularmente o fado em Portugal?
Acho que sim. E estou convencido que o trabalho que está a ser feito no sentido da candidatura do fado a património imaterial da UNESCO, em 2009, se nos correr bem vai mudar coisas. Vai haver regras.

O público redescobriu o fado. Mas ainda há muito desconhecimento. Porque sabem os portugueses tão pouco sobre o fado?
Terá a ver com a nossa falta de auto-estima? Ou com aquela ideia que, quando qualquer coisa não corre bem, lá se diz que é o nosso triste fado...

Mas o fado é triste?
Se as pessoas fossem informadas saberiam que há o fado corrido. O fado dançado... Não, é o nosso triste fado!

Colaborou e conviveu em anos recentes com figuras de espaços musicais bem diferentes do fado, como um Pedro Abrunhosa ou um Sam The Kid...
Estamos a falar de pessoas de grande talento. O Pedro é uma pessoa de talento. Aquela sua ideia de conservar o seu bairrismo... O homem do Porto que continua a ser do Porto. E o Sam é um miúdo giríssimo.

O fado pode ganhar muito ao escutar estas contribuições que chegam de músicos outras áreas?
Penso que sim. A Naifa?... O Varatojo toca bem e a miúda canta... Ainda não estou muito por dentro destes novos, os Deolinda... Ainda não sei avaliar. Não são coisas que me choquem. Pelo contrário, acho piada.

E um Paulo Bragança?
O Paulo, quando apareceu foi, do ponto de vista masculino, uma grande revelação. Era uma imagem e a forma de cantar. Havia quem se impressionava por ele cantar descalço... Porquê? Apetecia-lhe cantar descalço? Cante! Cada vez mais percebo o [Carlos] Saura, que chamou ao filme Fados. Não é fado – Fados!

O “s” faz alguma diferença?
Uma grande diferença! Toda a diferença. Temos o Caetano a ir a um registo almaliano, depois a miúda cabo-verdiana, e a Lila Downs a cantar Lucília do Carmo, que é uma delícia... A Argentina... Aquele momento mágico da Mariza com o Poveda. Não é o fado. São fados.

O Museu do fado, de resto, também sublinha essa diversidade.
E agora de que maneira! Dez anos depois aprendemos algumas coisas. Quando se constituiu as primeiras reuniões faziam-se em autêntica colaboração. Um levava um livrito, outro dois ou mais um disco... E em dez anos é extraordinário o que se investigou!

Vai deixar coisas suas ao museu...
É verdade. Excepto alguma ou outra coisa pessoal que fique para filhos e netos.

Porquê o Museu do Fado?
É o espaço certo.

O seu último disco, À Noite, teve uma edição em vinil...
Há várias razões para o explicar. Uma delas a música. Mas outra é o facto de poder dar ao retrato do Pomar uma possibilidade de ser visto com outra dimensão. E lá vão comprando...