segunda-feira, outubro 27, 2008

Discos da semana, 27 de Outubro

Somam já seis anos de vida mas estão longe de ser um nome referido com regularidade, até mesmo entre os que acompanham mais de perto o cenário indie pop/rock. Os Psapp são um duo londrino essencialmente dado à experimentação das electrónicas no formato da canção. É frequentemente referido o seu sentido de humor como elemento característico da sua personalidade. The Camel’s Back é o seu quarto álbum, dois anos depois do anterior The Only Thing I Ever Wanted, e pode representar o episódio que lhes faltava para chamar definitivamente atenções sobre a sua música. Diferentes de muitos outros projectos dados a cruzar electrónicas diversas sobre canções, os Psapp cultivam um curioso sentido de bizarria algo teatral que tanto estimula os que procuram a surpresa via electrónicas, como mostram uma capacidade em manter firme uma identidade pop, que lhes poderá um dia trazer admiradores entre os que gostam de saborear novas abordagens à clássica forma da canção. Este casamento nunca foi tão feliz na obra dos Psapp como no presente disco. Sem perder as suas marcas de identidade, o disco revela uma ambição para lá do seu terreno habitual. Não só há aqui exemplos de mais sólida composição, como se revelam instantes onde a ousadia nos arranjos (do sinfonismo de Part Like Waves ao minimalismo digital do tema-título) se reflecte na forma final de um álbum essencialmente pop onde o prazer da descoberta se revela a cada tema que se escuta. The Monster Song é um “êxito” pop em potência. E Fickle Ghost revela um aprumo formal “clássico” que ecoa os dias do elegante The Hounds of Love, de Kate Bush. Pode não ser uma uma obra-prima, mas é certamente um dos álbuns pop mais revigorantes de 2008.
Psapp
“The Camel’s Back”
Domino / Edel
4 / 5
Para ouvir: MySpace

Meses depois de nos ter dado em Let the Blind Lead Those Who Can See but Cannot Feel, álbum de estreia do seu one-man-project Atlas Sound, um dos mais estimulantes discos do ano, Bradford Cox apresenta aquele que é, até agora, o melhor álbum da sua banda “principal”, os Deerhunter. Distinto do aclamado Cryptograms, editado em inícios de 2007, Microcastle (terceiro álbum dos Deerhunter) não se afirma, como se poderia esperar, por uma ostensiva necessidade de demarcação face ao trabalho com Atlas Sound. Na verdade, mais longe está a memória do álbum do ano passado. Ao invés do que escutámos em Cryptograms, no novo Microcastles assistimos a uma mais concreta definição de um plano de trabalhos. A dispersão de ideias do álbum anterior é trocada por uma agenda mais concisa que, sem voltar costas às genéticas de formação da identidade da banda (do noise ao art rock, naturalmente sob protagonismo de um gosto pela revisitação do grande livro do psicadelismo), mostra agora particular interesse pelo experimentar da melodia, pelo gosto pelos micro-acontecimentos, pela forma mais definida da canção. Esboçam-se tapetes de acontecimentos. Texturas repetitivas na cenografia dos temas, ocasionais contemplações pelo poder do discreto, quase do silêncio. Abordagens que, de certa forma, materializam uma vez mais na canção pop/rock ideias desenvolvidas pelos compositores minimalistas e seus imediatos seguidores. O disco traduz uma atitude na composição que procura o trabalho no plano do detalhe, o que não impede, na obra final, a capacidade de sugerir a simplicidade onde, todavia, não deixou de haver ainda todo um vasto oceano se sons. Mas em vez da tempestade, uma nova bonança parece morar agora por estes lados. É portanto na gestão das formas, mais que na dos conteúdos, que se afirma o que de novo nos traz um disco que parece partilhar opções semelhantes às que vimos, por exemplo, na história recente de uns Animal Collective ou Of Montreal: o arrumar das ideias não renega heranças nem apaga linguagens. Mas abre caminho para a chegada de grandes canções!
Deerhunter
“Microcastle”
4AD / Popstock
4 / 5
Para ouvir: MySpace

Uma verdadeira tempestade varreu, a partir de inícios de 2007, as certezas que pareciam lançadas pelas estreias em disco que, de 2004 a 2006, indiciavam o aparecimento de uma nova geração de bandas britânicas, desta feita animadas pela vontade de aceitar as heranças (por muitos esquecidas) da estimulante memória pós-punk. O vendaval, que entre os líderes da nova mensagem poupou apenas os Franz Ferdinand (que entretanto se souberam afastar para pensar o terceiro passo), não mais fez que uma operação de selecção natural (que não se esgotou no Reino Unido). Nomes como os Editors, Maximo Park ou Futureheads acabaram apeados e, mesmo que alguns deles continuem a editar discos, não parecem ter gasolina no depósito para ir mais além. Estranho foi o que então aconteceu com os Kaiser Chiefs, banda que conciliara no belo álbum de estreia, Employment (2005) as genéticas pós-punk com os sabores de festa em pub e no estádio, afinal sabores clássicos (“lad”) da cultura pop/rock britânica. Editado em 2007, o sucessor (e medíocre) Yours Truly, Angry Mob quase enviou o grupo para o grupo dos despromovidos acima citados. E a vasta base de fãs foi o colchão que evitou maior dor na queda. O novo Off With Their Heads, mesmo distante da memória do álbum de estreia, mostra vontade em dar breve passo atrás antes de ensaiar novo mais adiante... Mais próximo do primeiro disco que do anterior (faltando-lhe todavia a pulsão dançante que fez de muitos temas verdadeiros hinos para dançar de caneca de cerveja na mão), o álbum retoma uma relação com os sabores da genética pós-punk e com o tom festivo que os revelara há três anos. Never Miss A Beat, o single, é talhado à imagem dos primeiros hinos. Like It Too Much pisca o olho a Adam & The Ants. Half The Truth soa ao diálogo do presente com uma Inglaterra pop, algures em 1978. Pelo meio há ainda momentos inconsequentes, mas aqui e ali surgem pontos de interesse. Um disco ainda longe da forma ideal, mas claramente melhor que o triste tropeção do ano passado.
Kaiser Chiefs
“Off With Their Heads”

Polydor / Universal
3 / 5
Para ouvir: MySpace

Brooklyn foi o lugar que assistiu ao encontro de mais duas almas migradas para a Big Apple. De Filadélifa chegou Rob Barber. E, de Kalamazoo (no Michigan), Mary Pearson. Os seus caminhos ali se cruzaram em 2006 e, desde então, seguem juntos como High Places de quem, depois de uma compilação de temas originalmente editados em singles em vinil, surge agora um primeiro álbum de originais. A sua música é aquilo a que poderíamos chamar... “house music”. Não por quaisquer eventuais ligações ao som que há 20 anos saiu de Chicago para pôr o mundo a dançar. “House music” não como género, mas como música “caseira”, uma vez que é no seu espaço de vida quotidiano, um apartamento em Brooklyn, que criam e gravam música, socorrendo-se de instrumentos, uns mais outros menos convencionais, entre estes últimos podendo figurar qualquer utensílio de cozinha que gere um som interessante. As características com ambições “experimentais” de uma música que não esconde o gosto pelo som, conhecem em High Places um cativante cartão de visita. A forma “clássica” da canção não parece, de todo, ser o objectivo primordial num álbum que revela mais vontade em explorar os cenários que as personagens que nele habitam. As texturas e drones, que traduzem técnicas de colagem e um interesse pelas estéticas da repetição, definem espaços onde a voz quase fantasmática de Mary Pearsen age como elemento de ligação à ideia da canção. As composições sugerem, na estrutura dos temas apresentados, uma aparente economia de recursos. Esse eventual ascetismo cede, na arte final, sob a edificação de cenários que não recusam vestir sugestões de exotismo, às vezes colhidas em sugestões de músicas de outras latitudes. Não faltam boas ideias. Falta apenas a capacidade de as usar num corpo mais sólido de composições onde a repetição seja opção formal e não apenas uma sensação deixada no ouvinte. Uma banda a acompanhar, sem dúvida.
High Places
“High Places”

Thrill Jockey / Mbari
3 / 5
Para ouvir: MySpace

Depois de um ano criativa e discograficamente agitado, sobretudo reconhecido pelos soberbos álbuns de The Field e Pantha du Prince, a editora de Colónia Kompakt Records, “casa” de referência para os admiradores do techno minimal, tem vivido um 2008 relativamente mais discreto, o que não é sinónimo de perda de relevância. Ainda a tempo de ajudar a fazer a história “electrónica” de 2008 eis que chega The Essence, segundo álbum que o DJ e produtor Peter Kersten (que também se apresenta por vezes como Lawrence) edita como Sten. O título parece indiciar o que a música, de facto, depois sugere: a demanda por um sentido de essência. Contido nas formas, concentrado na definição de caminhos (sem neles procurar pontos de fuga, atalhos ou desvios), The Essence toma como protagonista a estrutura e não os adornos. Os temas, centrados na construção de geometrias feitas de sons, arrumados depois por estratégias de repetição, não procuram prioritariamente a melodia, antes a sugestão de um rumo. Sem momentos de clímax, as composições sugerem-nos encontros com realidades que descobrimos como quem entra, a meio, numa história da qual não se escutou o início, saciando-nos todavia com o que vai acontecendo. Sombrio, The Essence é um disco que olha a parte e nunca o todo (a capa sugere-o desde logo). Minimal nos recursos procura uma intimidade com a estrutura puslante do ritmo e nela encontra o seu destino. O disco revela ainda uma abordagem, que todavia não busca a citação, aos modelos de referência fundamentais do género, nomeadamente as fundações históricas da techno na Detroit de meados de 80. Interessante, mas apenas para “frequentadores” do género.
Sten
“The Essence”

Kompakt / Flur
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Of Montreal, Mitsouko Uchida + Christian Tetzlaff (Bach), Morgan Geist, Lou Reed (live), Arthur Russell, Bloc Party, Los Campesinos, The Cure, The Move (best of), Hank Williams (caixa), Kitsuné Maison (vol 6), Best of James Bond, ZTT Records (caixa), Ryan Adams, A, Schiff (Beethoven – vol 8), Maria João + Mário Laginha, Shed, Cazals

Brevemente:
3 de Novembro: Johann Johansson, Fall Out Boy, Elvis Presley (duetos de Natal), Paul Weller (BBC sessions), Bob Dylan (DVD), Megapuss, Q-Tip, Razorlight, Stephen Sondheim (caixa), Ry Cooder (best of), Herbert, Luomo, Burnt + Jacki, Girl Talk
10 de Novembro: Grace Jones, Flaming Lips, The Smiths (best of), Genesis (caixa), Stereophonics, Tracy Chapman, Metro Area, Murcof
17 de Novembro: David Byrne + Brian Eno, Belle & Sebastian (BBC Sessions), Simon Bookish, Parenthetical Girls, Casiotone For The Painfully Alone (EP)

Novembro: The Killers, Neil Young (live), Philip Glass (caixa – edição nacional), John Adams (edição nacional), Marc & The Mambas (reedição), Momus, Doors (live), Max Richter
Dezembro: Dakota Suite, Yelle (remix), Shirley Bassey (reedições), The Smiths (caixa), Motown 50