domingo, outubro 26, 2008

A caixa de vidro

Qual será a porta ideal para a descoberta da música de Philip Glass? Em célebre entrevista, no documentário American Composers, o próprio admitiu que havia quem gostasse da sua música porque não era clássica. E quem gostasse porque, pelo contrário, era clássica. Ainda quem gostasse porque era popular. E ainda quem a admirasse porque, precisamente, não era popular... Nesta encruzilhada podemos sugerir, mesmo assim, eventuais atalhos que conduzam à “revelação”. Por Songs From Liguid Days para quem chega da pop, via Koyaanisqaatsi para os mais familiarizados com as electrónicas do presente, através da sua Sinfonia Nº 5 para os mais habituados a repertório clássico, com passagem por Mishima para os cinéfilos, via Einstein On The Beach, aqui apelando aos espectadores mais habituados às artes performativas, e por aí adiante... Na verdade, cada um pode encontrar o seu caminho (ou nenhum, que ninguém obriga a isso). E o que a GlassBox agora editada permite é, acima de tudo, o garantir deste processo, destes encontros, pelos caminhos e ritmos que cada um bem entender. Convenhamos que, para o habitual seguidor (e comprador de discos) da obra de Philip Glass, a “caixa” quase nada traz de novo. Uma regravação de Floe e um outro excerto de Glassworks ao vivo são os breves inéditos em 10 CD que visitam muita da obra do compositor entre os anos 60 e a actualidade.

O modelo da caixa segue o que, em tempos, a mesma Nonesuch aplicou a Steve Reich e a John Adams, que com Glass completam a “santíssima trindade” minimalista que a editora a si chamou nos anos 80. Com bem mais de cem discos editados (e muitas mais peças ainda por registar), a obra de Glass é aqui evocada através de referências-chave das suas mais variadas áreas e géneros já abordados. Das peças minimalistas que definiram a base da sua linguagem ao trabalho para o cinema, da ópera à sinfonia, da música de câmara a peças instrumentais, o panorama traduz um retrato relativamente abrangente do trabalho de um dos mais importantes compositores do nosso tempo. Estão aqui exemplos da etapa, entre meados de 60 e meados de 70, na qual traçou bases linguísticas, logo depois as primeiras experiências no teatro musical, as frestas de abertura à comunicação com outros públicos e, depois, sinais de progressivo interesse por um lirismo que veio a dominar a sua música, sem perder nunca uma relação com o presente e o gosto pela descoberta (e assimilação) de novas músicas. As falha maior do alinhamento da caixa revela-se na ausência do importantíssimo trabalho de Glass na área da canção, abarcando os ciclos Songs From Liquid Days (1986) e Book Of Longing (2007), assim como composições pontuais que entregou a vozes como as de Mick Jagger, Nathalie Merchant ou Suzanne Veja, algumas ainda por editar em disco. Na verdade, há na obra de Glass material para uma segunda caixa antológica... E apesar da ausência da canção, esta revela um conjunto expressivo de obras, bem como um boooklet de 190 páginas com ensaios e depoimentos por figuras como, entre outros, Laurie Anderson, David Bowie, Martin Scorsese, Errol Morris, David Byrne ou Suzanne Veja. Abaixo ficam os conteúdos dos dez CD desta caixa:

CD 1: Music In Contrary Motion (1969) + Music With Changing Parts (edit) (1970) + Music In Similar Motion (1969)
CD 2: Music In 12 Parts (partes VII, VIII, IX e X) (1971-74)
CD 3: Einstein On The Beach (excertos) (1976)
CD 4: Glassworks (excertos, incluindo regravação de Floe e registo ao vivo de Closing) (1982) + Etoile Polaire (excertos) (1977) + Dressed Like An Egg (partes IV e V) (1977) e Mad Rush For Organ (1979)
CD 5: Satyagraha (excertos) (1980)
CD 6: Koyaanisqatsi (excertos) (1982) e Powaaqatsi (excertos) (1987)
CD 7: Quartetos de cordas números 2 (1984), 4 (1989) e 5 (1991) e Études For Piano (2, 3, 5 e 9) (1994)
CD 8: The CIVIL wARS (prólogo) (1983) + Hydrogen Jukebox (excertos) (1990) + Sinfonia Nº 5 (VII) (1999) + Akhnaten (excertos) (1983)
CD 9: Sinfonia Nº 3 (1995) + Sinfonia nº 8 (2005)
CD 10: Bandas sonoras – excertos da música dos filmes Mishima (1984), The Thin Blue Line (1988), Anima Mundi (1992), Candyman (1992), La Belle et La Bête (1994), The Secret Agent (1996), Kundun (1997), The Truman Show (1998), Dracula (1999), The Fog Of War (2002) e The Hours (2002)