segunda-feira, julho 28, 2008

Discos da semana, 28 de Julho

Os texanos Shearwater surgiram, em finais da década passada, como espaço paralelo para dar corpo e outra evidência a algumas canções mais tranquilas criadas pelos Okkervil River. Nove anos depois, com Will Shef já longe da aventura, a condução das operações cabe ao outro co-fundador, Jonathan Meibug. E em Rook, o seu quinto álbum, a banda pode ter encontrado, mais ainda que com o elogiado Palo Santo (2006), argumentos definitivos para ganhar a merecida visibilidade. Na essência, e apesar de pontuais incursões pelos livros de estilo do indie rock (como se escuta em Century Eyes), os Shearwater mantém o clima “tranquilo”, que os fez nascer, como principal marca de identidade. Com 36 minutos de duração, Rook apresenta-se como um espantoso monumento de concisão, sem que tal retire ao lote de dez canções qualquer lasca de intensidade. Face a discos anteriores da banda revela-se uma opção pela construção de um clima sonoro mais exigente, deixando de lado ventos lo-fi que hoje sacodem muitas das manifestações indie rock. Pelo contrário, a escrita cuidada, meticulosa, de Meibug convocou a estúdio uma pequena “orquestra” que sublinha com discretas presenças de harpas, trompete, clarinetes, violinos, violoncelos, entre outros, novos caminhos possíveis para uma personalidade que não abdica de genéticas indie rock e folk mas sonha aqui com outros desafios. The Snow Leopard e, mais ainda, Lost Boys (que pisca olho aos Pink Floyd de finais de 70), revelam uma certa curiosidade pelo legado prog. Já Home Life recorda a filigrana de intensidade de um Scecrets Of The Beehive, de David Sylvian. Apesar do exigente trabalho de arranjo nunca se perde aqui um sentido de leveza que, de resto, a voz frágil de Jonathan Meibug ajuda a manter presente. Há aqui um sentido de abandono que evoca a nudez rochosa do grande Norte (a capa ajuda a criar a imagem) ou outros plácidos cenários selvagens pouco habitados e distantes da grande luz tropical. Seguro herdeiro do clássico Spirit Of Eden, dos Talk Talk, um paraíso pastoral longe da presença humana. Ou seja, Rook é discreto monumento que convém mesmo descobrir.
Shearwater
“Rook”

Matador / Popstock
5 / 5
Para ouvir: MySpace

A história dos artistas internacionais com passagem por Portugal nos seus mais verdes anos não é vasta, mas vai do mainstream (Bryan Adams) à pop alternativa (Katherine Frank, das Rainbirds). 2008 junta mais um nome ao lote, com potencial para eventual carreira de sucesso, apesar do evidente berço indie. Trata-se da sueca Lykke Li, hoje com 22 anos e autora do mais aclamado álbum de estreia da pop sueca deste ano. Filha de uma fotógrafa e de um músico, viveram seis anos em Portugal antes, mais tarde, passar por paragens como Marrocos, o Nepal e a Índia. Regressada à Suécia, Lykke Li começou a seguir as pisadas do pai. E, em finais de 2007, quando edita o EP de estreia Little Bit, é responsável por verdadeira tempestade de entusiasmo entre bloggers de todo o mundo (podendo agradecer à eficácia do teledisco que acompanhava a canção muita da ajuda nessa etapa de quebra de gelo e conquista de primeiros admiradores). Recentemente ouvimos novo single. E, agora, um álbum de estreia que em tudo confirma as melhores expectativas. Produzido por Björn Yttling (um dos elementos do trio Peter, Björn & John), Youth Novels é um disco que parte da identidade indie que parece formadora em Lykke Li, mas abre alas ao desafio dos horizontes que tem pela sua frente e, ou não estivéssemos em terreno sueco, não teme o prazer do grande melodismo pop. O som é o tempero fulcral de um álbum que exibe espantosa capacidade de contenção perante o vasto mundo de instrumentos que conta em seu redor. A voz de Lykke Li é, depois, o veículo que transporta histórias bipolares (de amor e depressão – ou não se tratassem de memórias de juventude) até canções com um encanto peculiar. Nunca festivas, mas longe de implosivas e fugidias. A composição é interessante e os arranjos capazes de sugerir invulgar solidez para uma estreia. Já se ouviram comparações a nomes como Feist, Kate Nash, Lilly Allen ou Björk... A verdade é que Lykke Li mostra já aqui espantosa personalidade (musical e vocal) e, por mérito próprio, pode já militar na linha da frente da nova geração pop sueca.
Lykke Li
“Youth Novels”

Warner
4 / 5
Para ouvir: MySpace

Poucas bandas têm uma carreira tão entregue ao sabor (sempre interessante) da deriva como os Primal Scream. Ao longo de 26 anos de actividade, já apontaram azimutes em tantas direcções quantas as vezes que editaram álbuns, do olhar retro de Sonic Flower Groove (injustamente esquecido, mas magnífico, álbum de estreia, em 1987) ao reencontro com a genética dos blues em Riot City Blues (2006), da visão pop dançável do mítico Screamadelica (o seu disco que fica para a história, de 1991) ao desafio aos sentidos de Vanishing Point (1997)... Tudo isto numa obra onde não faltaram os tropeções, seja no desnorte de Give Out But Don’t Give Up (1994) ao politicamente pretencioso (e na verdade inconsequente) XTRMNTR (2000)... Na verdade, a surpresa é esperada a cada novo álbum. E Beautiful Future não foge à regra. Radicalmente distante do apenas curioso disco de há dois anos, o novo álbum devolve a banda aos terrenos da pop e, a dados momentos mesmo, ao prazer do reencontro com o prazer do convite à dança. Sem representar, necessariamente, um álbum de balanço, ou mesmo de síntese, Beautiful Future é, mais que um olhar novo, um devolver de atenções a terrenos já vividos. Não faltam boas canções, entre as quais se conta uma soberba revisão de um original dos Fleetwood Mac (Over & Over), em colaboração com Linda Thompson, através do qual reencontram algumas das mais remotas experiências do primeiro álbum. Não se trata de uma operação de nostalgia. Nunca o fariam. Mas, antes, de um rearrumar de ideias numa obra que, entre tamanha diversidade, raras vezes tomou discos seus como ponto de partida para eventuais sequelas e desenvolvimentos. Em Beautiful Future os Primal Scream olham para si mesmos e reposicionam-se num terreno no qual nos deram alguns dos seus melhores momentos. Não os iguala. Mas representa o seu mais recomendável conjunto de novos temas desde o já distante Vanishing Point, de há onze anos...
Primal Scream
“Beautiful Future”

B Unique / Warner
3 / 5
Para ouvir: MySpace

Há alguns meses eram alvo dos maiores aplausos entre bloggers e sites de afinidade indie pela rede fora. O “som de 2008”, a banda do futuro e exageros afins, daqueles do tipo rei-morto-rei-posto que hoje elegem uns para amanhã falar dos seguintes... Criou-se o entusiasmo, a banda assinou contrato. Bernard Butler chega para assumir a cadeira da produção... Primeiro single, primeiro hit. Chega o álbum... E eis que começa a reacção... Primeiro nos blogues, pedindo o fim do hype... Agora a Pitchfork, para quem a banda antes parecia o melhor que o futuro guardava, arraza o disco. Terá a reacção algo a ver com o facto do álbum ter conseguido visibilidade invulgar em Inglaterra? Tipo... sucesso? Na verdade, talvez não seja o sucesso dos Black Kids o motor do desconforto. Mas, antes o facto de, comparando a arte final de Partie Traumatic com o som do EP de estreia Wizzard Of Ahhhs (de Agosto de 2007), se sentir que o que era um caldeirão de boas ideias em ebulição acabou demasiado arrumado, polido e, no fim, algo descaracterizado. Naturais da Florida, os Black Kids não serão propriamente uma banda de grandes e novas ideias. São mais uma entre uma geração que despertou para os discos dos pais (ou seja, a colheita de 80) e neles descobriu referências sobre as quais decidiu definir a sua identidade. A diferença era, há um ano, sugerida pela forma festiva e entusiasmada como abordavam essas referências para a criação de canções com sabor a híbrido com viço contemporâneo. O carácter multiracial do colectivo e a forma frontal de abordagem a temáticas sem filtro, temperavam a ideia com aquele picante de subversão que conquistou atenções. O álbum não perde nenhuma destas características genéricas, mas arrumou o caos sugerido em favor de uma ordem que denuncia, agora, alguns exemplos de escrita menos apurada entre algumas das novas canções. Estão ainda aqui os ecos de uns Associates, Orange Juice e outros contemporâneos. Há boas canções, como é o exemplo de I’m Making Um Charm. Mas o que parecia uma promessa única acaba, no todo, não muito diferente do que temos ouvido recentemente...
Black Kids
“Partie Traumatic”

AlmostGold / Universal
2 / 5
Para ouvir: MySpace

Em tempos falava-se no “difícil terceiro disco” como uma barreira que definia sims e sopas para a vida de muitas bandas... Hoje, talvez pelo ritmo de vida mais acelerado que a sociedade nos impõe, essa mesma fasquia desceu para o segundo álbum. E ao longo dos últimos anos foi aí que tropeçaram muitas das bandas que deram que falar num primeiro encontro mas que, afinal, não tinham muito mais para nos contar que na primeira mão cheia de canções. The Killers, She Wants Revenge, Kaiser Chiefs, Futureheads, Editors... A lista é longa e agora acolhe mais uma das estreias que mais deu que falar em 2006: as brasileiras Cansei de Ser Sexy. Apesar de gravado em São Paulo, contando com um novo elemento na banda (substituindo a baixista que abandonou a aventura pop para continuar os estudos), Donkey está longe da ingenuidade lo-tech e da festa despretenciosa que fizera da estreia um “caso”. Na verdade, o grupo perdeu muito entre o lançamento original do álbum de estreia pela Trama (no Brasil) e a edição global (via Sub Pop) ao omitir as canções em português nas quais realmente brilhava. Mesmo assim, muita festa e pouca ambição saíram-lhes pela porta certa. E o mundo respondeu aceitando a sua chegada... Dois anos depois, a banda não mais parece a que nos deu aquelas canções que deram cor ao verão de 2006. Está mais “arrumada”, mostra nova identidade cosmopilita nas letras. E quase perdeu por completo as marcas de genética paulista (cidade de antiga e interessante tradição pós-punk, é certo), em detrimento de uma lógica de aproximação aos modelos de raiz da new wave made in USA (e periferias). É um álbum tecnicamente competente. Não abdica da vontade de fazer pop. Mas perde o viço do entusiasmo da estreia. Ou seja, a alma que fazia a festa...
Cansei De Ser Sexy
“Donkey”
Sub Pop
2 / 5
Para ouvir: MySpace

Também esta semana:
M Faithfull (live), Black Affair, Nine Inch Nails, Mr Scruff, Forward Russia, Alva Noto, Billy Idol (best of)

Brevemente:
4 de Agosto: Connor Oberst, David Vandervelde, Brazilian Girls, Joseph Arthur, Elvis Presley (68 Comeback Special), Prodigy (reedições), Atlas Sound, Sonic Youth
11 de Agosto: Late Of The Pier, Levellers (reedições), Simian Mobile Disco (remisturas)
18 de Agosto: Stereolab, Dandy Warhols, Fiery Furnaces, Lindstrom, Juliana Hatfield,

Agosto: Teddy Thompson, Durutti Column (BSO), The Faint
Setembro: Brian Wilson, Giant Sand, Calexico, Okkervil River, Parenthetical Girls, The Cure, Mercury Rev, Morrissey