quarta-feira, abril 30, 2008

Willie Nelson: 75 anos

Aos 75 anos — completados hoje —, Willie Nelson prossegue uma trajectória criativa que, embora com raízes na tradição country, o mantém nesses terrenos híbridos em que o rock é uma tentação sempre disponível. Disso mesmo é exemplo o seu novíssimo álbum, com chancela da Lost Highways, de título Moment of Forever: uma colecção de temas de grande intensidade romanesca, por vezes mesmo confessional, integrando composições de Kris Kristofferson, Randy Newman, Dave Matthews e Bob Dylan. Gravedigger (D. Matthews) é o single de lançamento do álbum.

Para ver a Angola que se ouve

Uma das melhores propostas do programa da secção IndieMusic, da edição deste ano do festival Indie Lisboa é um documentário mais interessado no contexto que enquadra a criação que sobre a obra em si. Tem por título É Dreda Ser Angolano e é um documentário assinado pelo colectivo Família Fazuma, nascido (ou antes motivado) pelo álbum Ngongenhação do Conjunto Ngonguenha. Ou, como se explica no ecrã, “um mambo tipo documentário” inspirado no disco. Ovimbuno, qimbundo, bakongo, bosquimano, mestiço e branco. Kizomba, semba, rebita, cabefula, kuduro... Tudo isto, como se lê no início do filme, são “formas de ser, falar, cantar, dançar e sentir em Angola”. Contudo, mais que um olhar sobre as línguas que se falam e as músicas que estas cantam, É Dreda Ser Angolano é, antes, um conjunto de olhares que nos revelam o espaço social, político e cultural de onde esta nova música angolana brota. Explica as suas genéticas, a sua identidade. E, como o faz Sebem, se bem que então falando em concreto do kuduro, a sua genuinidade. Um certo tom informal domina os olhares que cruzam ruas e escutam transeuntes, entre o trânsito, em mercados ao ar livre, em zonas residenciais. Ali falam das cenas do quotidiano, de casas sem luz (mas com fio puxado do vizinho), de valas de escoamento que são perigo em dia de chuvada, de assaltos depois das nove da noite, de lixo e jogos de bola. Entre palavras do dia a dia surgem figuras, pensadores de rua que falam de arte, de poesia, naturalmente também de música. A música, de nomes como Conductor, Phay Grand, MCK, Das Primeiro, Sebem, Os Turbantes, MC Sembele, Keita Mayanda e, claro, o Conjunto Ngonguenha, cruza estes olhares e palavras, explicando-se, simplesmente, o texto no contexto. Um intreressante dispositivo visual, simulando uma viagem de carro ao som da Rádio Dreda, “a mais recente de Luanda”, serve de coluna vertebral às histórias dispresas que, assim, ganham corpo sólido. O trabalho de câmara é do próprio Ikonoclasta (Conjunto Ngonguenha), revelando formas diferentes de olhar o envolvente que assiste ao nascer destas músicas. Filme imperdível, hoje, pelas 21.15 no Cinema São Jorge.

Mais um duo ele e ela

Chamam-se The Ting Tings e vêm de Londres. Ele chama-se Jules de Martino. Ela, Katie White, é uma ex-TKO (uma girl band, o que mostra que há sempre esperança...). A 12 de Maio editam We Started Nothing, o seu álbum de estreia. Como aperitivo, o teledisco de That's Not My Name. Uma pop de intensidade rítmica, vigor angular, sempre com ar limpinho... E muito fashion. Esperemos, contudo, pelo álbum para tirar a prova dos nove.

Strokes só regressam em 2009

Em entrevista ao NME Albert Hammond Jr sossega os amiradores dos Strokes, revelando que o grupo se deverá reunir para trabalhar num quarto álbum assim que termine a digressão que se seguirá à edição do seu segundo disco. Nada antes de 2009, portanto. Como Te Lhama, o segundo a álbum a solo do "stroke" Albert Hammond Jr sai a 7 de Julho.

Postais de Turim (2)

Um dos mais visitados museus de Turim revela uma das melhores colecções de arte do Antigo Egipto. Talvez a melhor depois das que se visitam nos museus do Cairo e British Museum (Londres). O Museo Egizio mora desde o século XIX no imponente Palazzo delle’Academie delle Scienze, a apenas um quarteirão da central Via Roma, ou seja, no coração da zona mais movimentada da cidade. A colecção actual nasceu de uma primeira, adquirida em 1824 por Carlo Felice de Sabóia a um cônsul francês e inclui exemplos representativos das diversas épocas da história do Antigo Egipto. São particularmente interessantes uma sala de entrada que contextualiza as peças no tempo, uma cave dedicada à exposição (já sob técnicas modernas) de necrópoles regionais, uma imponente e bem iluminada galeria de grandes estátuas e um pequeno templo núbio, em parte reconstruído no museu. No andar inferior a colecção egípica coabita com parte da antiga muralha romana da cidade, descoberta e ali preservada museologicamente. O piso superior ainda aguarda a necessária renovação, revelando ainda a colecção de múmias, sarcógafos e demais artefactos funerários ao jeito dos museus-armazém do século XIX. Nota especial, nesse piso, para uma sala que arruma os achados de um túmulo. Sugestão: evitar fins de semana e feriados. A fila para entrar é constante.

terça-feira, abril 29, 2008

Happy birthday!

"Madame de Tourvel" em Ligações Perigosas (1988). "Susie Diamond" em Os Fabulosos Irmãos Baker (1989). "Ellen Olenska" em A Idade da Inocência (1993). Não é tudo, mas seria o suficiente para dar entrada na história do cinema — Michelle Pfeiffer nasceu a 29 de Abril de 1958, faz hoje 50 anos.

Para (re)descobrir Joe Strummer

Passa hoje pelas 21.30 no Teatro Maria Matos, integrando a secção IndieMusic, do festival Indie Lisboa, o filme de 2007 de Julien Temple sobre o mítico líder dos Clash. Joe Strummer: The Future Is Unwritten (que brevemente terá lançamento em DVD entre nós pela Lusomundo) é um cuidado olhar retrospectivo por uma das mais influentes figuras nascidas da geração punk. Influência claramente constatada pelas palavras de figuras como as de Bono, Jim Jarmusch, Steve Buscemi, Martin Scorsese, Matt Dillon, Johnny Depp, John Cusak ou Flea (dos Red Hot Chilli Peppers), que o realizador escutou, muitas delas reunidas em volta de fogueiras, lembrando os dias de squatter que Strummer viveu na Inglaterra de inícios de 70. O filme concilia um relato biográfico (sem ar de lição) com opiniões, testemunhos e imagens várias, umas evocando Strummer, os Clash, os Mezcaleros, outras ilustrando o contexto em que esta música aconteceu. É particularmente interessante a forma como Temple evoca a Inglaterra dos dias de infância e juventude de Strummer, o seu estatuto de filho de funcionário da diplomacia de Sua Majestade e posterior etapa num colégio interno (com o pior aproveitamento escolar possível). Em vez dos habituais “testemunhos” de face frente à câmara, esses tempos que antecederam a vida pública de Strummer cruzam fotos e filmes de família com planos extraídos de filmes como If (1968), de Lindsay Anderson e Aminal Farm (1954) de Joy Batchelor e John Halas. Pecados maiores de Temple são um relativo privilegiar de “astros” do cinema relativamente aos da música na lista de entrevistados, assim como os extensos 124 minutos de duração do filme. A história contava-se, com principio, meio e fim em 90...

Discos da semana, 28 de Abril

Lento, reflectido, discretamente arredado dos olhares curiosos da voraz fome de informação que caracteriza o nosso tempo, o processo de criação do terceiro álbum dos Portishead foi imune a pressas, a ansiedades, a agendas definidas por terceiros. Alheou-se das tendências. Olhou para dentro, mas resistiu até à eventual tentação da repetição de (boas) fórmulas outrora ensaiadas. Firme, investiu naquilo que, na verdade, desde o início caracterizou uma das mais marcantes bandas inglesas nascidas na década de 90, ou seja, a exploração do som, o ensaio da ideia, tudo ao serviço de um fim maior: a canção. Dez anos depois de Roseland NYC (o álbum ao vivo que serviu de aclamação a uma banda que então era já vista como referência maior dos anos 90), o regresso faz-se com algo completamente diferente. Mas que, na essência, em nada foge a uma ética de trabalho que os acompanha desde os primeiros dias. O sucessor de Dummy e de Portishead não repete o intimismo trip hop das primeiras canções nem a melancolia eloquente e quase sinfonista das que se seguiram. O som é tutano do qual irradiam ideias. Umas essencialmente cenográficas, definindo paisagens de arrepiante e contido minimalismo, despojadas do supérfluo, do excessivo, por vezes mesmo do conforto, mas onde a surpresa se descobre em sucessivas audições ao microscópio. Outras claramente melodistas, definidas aqui por uma voz que a si chama a condução dos acontecimentos que definem a matéria viva das canções. Tecnologia e carne em diálogo próximo, íntimo, curioso. Como que medindo forças, mais em busca de simbioses, de partilhas, que receando um o domínio do outro. Apesar das evidentes diferenças (e naturais semelhanças) com o seu passado nos discos de 90, Third inscreve nova etapa numa mesma demanda por uma nova forma de abordar a melancolia na canção, usando o ruído, a máquina, a textura, como elementos de protagonismo na construção de um corpo que concentra na voz a expressão maior da condução da sua carga emotiva. A máquina vive. Mas quem sente é o homem.
Portishead
“Third”

Go Discs! / Universal
5 / 5
Para ouvir: MySpace

Os dois álbuns já editados pelos Arctic Monkeys já tinham deixado claros sinais do talento pop de Alex Turner, a sua principal força criativa (e voz). Mas agora, ao primeiro disco do projecto pararelo que o junta a Miles Kane (dos The Rascals), o que era “apenas” um estreante bem sucedido, confirmado ao segundo disco, torna-se alvo da concentração das atenções dos cultores de uma pop que, sendo presente, não ignora a memória. The Age Of Understatement, álbum de estreia dos Last Shadow Puppets é uma das mais agradáveis surpresas que a pop inglesa nos deu desde o álbum de estreia dos Franz Ferdinand. Trata-se de um inesperado manifesto de fulgor clássico, aliando uma escrita ágil (e eficaz) a um jogo vocal interessante, colocando sempre a canção na meta de cada instante. Como se a cada tema a gravar fosse destinada segunda vida em single. Na base da surpresa que se revela nas 12 canções de um álbum com rara capacidade de entender o valor do tempo de atenção do ouvinte (não abusando, portanto, da sua disponibilidade) mora um conjunto de referências que frequentemente escapam a muitos militantes da mesma geração indie a que pertencem Alex Turner e Miles Kane. Scott Walker, Ennio Morricone, Andy Williams, David Bowie (em finais de 60 e inícios de 70) e o imaginário das canções de 60 e 70 dos filmes James Bond (ou seja, os dias melhores de John Barry) são ponto de partida para um projecto que, mesmo sendo na origem uma visão de Alex Turner, mostra inteligente política de abertura à presença de colaboradores, cada qual adubando à sua maneira o campo que acaba depois por florir belo e convidativo. Além de Miles Kane (que já havia colaborado como guitarrista no segundo álbum dos Arctic Monkeys), entram em cena o produtor James Ford (Simian Moblie Disco) e o violinista Owen Pallett (Final Fantasy), este último o responsável pelos arranjos épicos, sinfonistas (que chamaram a estúdio a London Metropolitan Orchestra), que são moldura fulcral para as canções deste disco. Em conjunto fazem de The Age Of Understatement um dos mais suculentos monumentos de revisitação da memória pop de 60 sem nunca convocar a nostalgia como caução. Nem podiam. Aos vinte poucos, quando muito, lembrar-se-iam de ouvir os Blur contra os Oasis nos dias de escola...
The Last Shadow Puppets
“The Age Of Understatement”

Domino / Edel
4 / 5
Para ouvir: MySpace

Chegam de Toronto e, apesar de um início de carreira (há perto de cinco anos) definido através das normas de funcionamento da geração Internet, optaram por dar vida a uma aventura em estilo “clássico”, ou seja, com contrato com uma editora, e com primeiro álbum editado em CD e vinil... Os Crystal Castles são um duo. Ele, Ethan Kath, tem assinado remisturas para bandas como os Klaxons, Bloc Party, The Whip ou Liars. Ela, Alice Glass, é uma vocalista com gosto pela criação de personagens, ora assumindo o papel da guerreira, ora o do anjo assombrado. Em conjunto, propõem no seu álbum de estreia um interessante manifesto pela redescoberta dos mais simples e directos modos de expressar ora a ansiedade, ora os prazeres, da juventude, através de máquinas que colocam ao serviço da canção. Os textos que têm (sistematicamente) elogiado a estreia em álbum dos Crystal Castles falam habitualmente do álbum usando termos e nomes como nu-rave, Soft Cell, Poly Styrene (a vocalista dos X-Ray Spex), jogos de computador, entre outros como termos de comparação. Há, contudo, um termo que escapa a muitas descrições mas que se revela, afinal, estrutural a todo o disco: electroclash. Sim, electroclash, despido à essência do convocar de modelos electro pop vintage para, sob matriz lo-fi, construir uma nova realidade com sabor a fim de noite. Sem o glitter dos Fischerpooner. Sem o ascetismo de uma Miss Kittin. Sem a festividade de um Tiga. Com menos maquilhagem, menos pose chique, mais sentido de urgência... Enfim, mais... punk. Entre furacões de intensidade que pontualmente convocam memórias dos DFA 1979 (samplados numa das faixas), instrumentais com sentido melodista de canção e ocasionais momentos pop (onde revelam incrível capacidade em construir refrões), Crystal Castles é curioso parceiro de uma identidade pop electrónica que aborda, sob os códigos habituais na música que faz a festa nocturna, um sentido de desencanto e solidão que, recentemente escutámos também nuns Chromatics. A descobrir!
Crystal Castles
“Crystal Castles”
Lies
4 / 5
Para ouvir: MySpace

Madonna devia ter aprendido a lição com Bedtime Stories, tropeção r'n'b de 1994 que lhe deu um dos piores álbuns de toda a sua obra, abrindo terreno para uma sucessão de tiros ao lado na forma de singles de inspiração menor. A pintura salvou-se com Ray Of Light, que, nos antípodas desse álbum de 1994 lhe deu, em 1998, aquele que ainda hoje é o seu melhor disco. Em 2005 novo pico de forma, com o magnífico Confessions On A Dance Floor, incrivelmente capaz de juntar a um momento presente a genética da música de dança que se escutava quando se revelara na Nova Iorque de inícios de 80. Seguiu-se nova e triunfal digressão, depois, as surpresas: o abandonar da Warner (junto da qual havia editado desde os primeiros dias) e o chamar de nova equipa de colaboradores para um novo álbum de originais. Justin Timberlake, Timbaland, Kanye West, Pharell Williams... Ou seja, os pesos pesados da pop da presente década, já com farta sementeira de colaborações e mais suculenta ainda colheita de trunfos. 4 Minutes, o soberbo single de avanço do álbum (com Timberlake e Timbaland), acalmou as suspeitas (do costume). Hard Candy, contudo, mostra que as suspeitas, desta vez, eram fundamentadas, reduzindo Madonna a uma protagonista num filme que, mesmo com argumento seu, tem a realização nas mãos de terceiros. Madonna sempre sobe jogar o jogo do vampiro. Sempre soube escolher os parceiros de trabalho, encontrando-os na linha da frente da invenção dos acontecimentos. Timbaland, Timberlake, Pharell Williams e Kanye West, contudo, têm algo que os separa de figuras como William Orbit, Mirwais, Jellybean Benitez ou Stuart Price, “parceiros” de tempos idos: são estrelas planetárias, com sucesso global já firmado e reconhecido antes do beijo de... Madonna. Ou intimidada (não é coisa habitual), ou apressada ou menos inspirada, Madonna pouco de realmente novo mostra de si nas novas canções (para lá de eventuais marcas vivenciais), repetindo frequentemente fórmulas já escutadas. O que há de realmente novo em Hard Candy são as marcas de (competente) produção da nova equipa, a sua forma de integrar r&b e hip hop numa matriz pop. Quando a alma pop de Madonna fala acima dos novos parceiros (como em Miles Away ou Voices) a “velha” estrela brilha. Mas há um nevoeiro, que não apaga uma ideia de espartilho voluntário, a toldar brilhos de outrora. Que Stuart Price ou William Orbit compreenderam, respeitaram, valorizaram, e transformaram em momentos de rara inspiração pop. Não é o caso, desta vez.
Madonna
“Hard Candy”

Warner Bros
3 / 5
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Antes de mais, esclareça-se que estamos perante um “resumo” e não um “best of”. O discurso de marketing que tem acompanhado o lançamento desta antologia de oito anos da vida de Balla tem, como o sarcasmo da frase anterior sugere, perdido mais tempo a justificar o porquê da edição que, na verdade, a falar deste espaço que, entre as mil e uma experiências musicais de Armando Teixeira, parece ser aquele que corresponde à melhor resposta a um sonho antigo de concretização de uma ideia pop muito pessoal. É verdade que é ainda cedo para “resumir” uma obra num disco que seleccione os temas mais representativos. E se a ideia era a de dar a conhecer o que se havia passado antes do brilhante A Grande Mentira (2007), porque não uma reedição integral (até mesmo em CD dois em um)? É certo que Balla (2000) e Le Jeu (2003) saíram por etiquetas distintas, mas nada de impeditivo para um “retrato” mais esclarecedor (e não “resumido”) da obra a (re)descobrir. Adiante, então. Como acima se sugeria, em A Grande Mentira, Armando Teixeira atingiu a definição, antes sonhada em Boris Ex Machina e nas primeiras manifestações de Balla, de uma ideia pop elegante, capaz de citar a eloquência de tradições clássicas sem nunca esquecer, aliando-as a uma consciência do hoje em que tudo acontece. De Gainsbourg aos mais variados sabores dos prontuários lounge, sem esquecer travo brasileiro em tempos mais remotos, Balla evoluiu de uma espécie de olhar crítico (e interessado) pelo que nomes como Jay Jay Johansson ou De-Phazz nos revelavam em finais de 90, a personalidade (melómana) de Armando Teixeira acabando por emergir acima da trama das comparações para afirmar nesta música, em pleno, o seu sonho pop. Resumo (2000-2008), que inclui apenas um tema inédito (na melhor tradição pop electrónica), sugere etapas desse percurso e, na verdade, confirma a solidez da colheita 2007 perante os ensaios recordados em discos anteriores. Não é, de facto, um best of. Para o ser teria de conter no alinhamento temas como Ela ou Un Jeu Courtois. O alinhamento, aparentemente aleatório, não sabe contar uma história, limitando-se a juntar temas por critérios que parecem ir pouco além do “esta fica bem depois daquela”. Se a ideia do “resumo” era a de mostrar, a quem não conhecia Balla, o que foi a história até aqui, outro alinhamento (cronológico) seria mais esclarecedor. Assim como não teria sido mal pensado um texto capaz de suportar pelas palavras as histórias das canções que aqui se juntam e daquele que lhes deu vida. Em suma: belas canções desaproveitadas em antologia que deixa muito a desejar...
Balla
“Resumo (2000-2008)”
Chiado Records / SonyBMG
3 / 5
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Também esta semana:
Robert Forster, Yundi Li/Ozawa (Prokofiev), Jonathan Richman, Alabama 3, Four Tet, Nils Petter Molvaer, ABC, Tindersticks, M83, Air (reedição), Jamie Lidell, Cajun Dance Party

Brevemente:
5 de Maio: Animal Collective (EP), The Hacker, Isobel Campbell / Mark Lanegan, Marc Almond (EP), Soft Cell (reedição), Tokio Police Club, Future Sound of London (EP collection), Elvis Costello, Daniel Lanois (DVD), Yazoo (reedições), OMD (live)
12 de Maio: Bomb The Bass, Martha Wainwright, Mesa, Martina Topley Bird, Death Cab For Cutie
19 de Maio: The Ting Tings, Paul Weller, Pogues, Scarlett Johansson

Maio: Spiritualized, (reedições), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), OMD (live), NIN, Mountain Goats, Supremes (raridades), Otis Redding (reedições), Philip Glass (archives – vol 3), Wedding Present
Junho: Dead Can Dance (reedições), Ladytron, Radiohead (best of), Coldplay, Joan As Policewoman, Fratellis, Infadels

PS. A crítica aos Portishead é uma versão editada de um texto publicado no suplemento IN, da revista NS.

Postais de Turim (1)

É impossível passear por Turim sem reparar na estrutura que, desde finais do século XIX, é um dos ex-libris da cidade: a Molle Antonelliana. Idealizada em 1862 como uma sinagoga, o edifício, com 167 metros de altura, alberga desde os anos 90 do século XX o Museo Nazionale del Cinema (alvo de magnífico restyling em 2006). Este, por sua vez, deve as suas origens a uma colecção particular iniciada nos anos 40, e junta hoje um impressionante conjunto de fotografias, posters, cenários, peças de vestuário, máquinas e outra memorabillia associada à história da sétima arte. O museu é visita obrigatória em Turim. A visita começa por um piso integralmente dedicado às primeiras máquinas dedicadas à criação de ilusões visuais. Das sombras à lanterna mágica, dos caleidoscópios ao animatógrafo, junta-se uma colecção de instrumentos e imagens à possibilidade de recriar, no local, as ilusões que fizeram as primeiras etapas da história das imagens em movimento nos séculos XVIII e XIX. Nos andares superiores, além de uma extensa galeria de posters e de uma rampa (de passagem imperdível) na qual se evocam, por imagens (em fotos e ecrãs) alguns dos grandes momentos e figuras da história do cinema, os percursos recordam, além dos nomes, as etapas criativas e técnicas pelas quais passa a criação de um filme. O fim da vista pede passagem por um piso repleto de nichos que evocam os vários ambientes de filmes de género, da ficção científica ao horror, do erótico à comédia. O elevador central da Molle Antonelliana, que sobe os 18 andares da estrutura aberta, sem paredes, sem traves, é passagem para quem não sofra de vertigens, garantindo a quem suba um olhar panorâmico sobre a cidade, com os Alpes logo ali em frente.

Muito perto

Acontece tudo muito perto. Martin Scorsese filmou os Rolling Stones, no Beacon Theater, Nova Iorque, não apenas para nos fazer sentir o que é a vibração interior de um concerto, mas para instaurar uma intimidade física que passa por todas as convulsões sonoras e por todas as rugas da pele — Shine a Light é, de facto, uma data na história das relações música/cinema, um filme para nos fazer voltar a acreditar que há mais vida para além da rotina do ao vivo instaurada pelas leis da formatação televisiva. Depois de uma emblemática revelação no Festival de Berlim, depois de vários (des)acertos da data portuguesa de estreia, Shine a Light está finalmente anunciado para 8 de Maio — é um dos acontecimentos maiores de 2008.

segunda-feira, abril 28, 2008

Do hip hop para a pop

Lembram-se dela? Martina Topley-Bird foi a voz feminina que marcou determinante presença no sublime Maxinquaye, álbum de estreia de Tricky em 1995. Manteve a colaboração nos álbuns Pre-Millenium Tension e Angels With Dirty Faces e foi uma das figuras de destaque no projecto paralelo de Tricky, Nearly God. Seguiu depois carreira a solo que, agora, nos dá um terceiro álbum, de título The Blue God, a editar dentro de duas semanas. Aqui fica o teledisco de Carnies, o single de avanço. Uma pequena pérola pop...

Madonna ao vivo e por... telemóvel

Vai acontecer aqui, na quarta-feira, dia 30 de Abril: o concerto de Madonna, no Roseland Ballroom de Nova Iorque, não será apenas o primeiro a seguir ao lançamento mundial de Hard Candy — o evento, por certo, entrará para a história como modelo pioneiro de futuras comunicações/transmissões do mundo do entertainment.
Assim, os assinantes da Vodafone vão poder assistir ao concerto nos ecrãs dos seus telemó-veis ou, então, através dos respectivos sites de 14 países. São eles: África do Sul, Alemanha, Chipre, Egipto, Espanha, França, Grécia, Holan-da, Hungria, Itália, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido e Roménia. Segundo palavras de Frank Rovekamp, director geral global de marketing do grupo Vodafone, esta é uma estratégia orientada para novas formas de consumo nos "PCs e telemóveis", com abertura a "formatos ino-vadores". O teste é tanto mais simbólico quanto as características dos novos ecrãs musicais — das pequenas dimensões à qualidade técnica de imagem/som — irão necessariamente condicionar, para o melhor ou para o pior, as evoluções neste campo.
Entretanto, embora sem confirmação oficial, alguns sites dão como provável o seguinte alinhamento para a performance de Madonna:
1. Candy Shop
2. Miles Away (com Madonna na guitarra)
3. Music
4. Give It 2 Me
5. 4 Minutes (com Justin Timberlake nos ecrãs do palco)
6. Hung Up.

Nostalgia cinéfila

Entre as muitas formas de nostalgia cinéfila inclui-se o coleccionismo, em particular de imagens de propaganda dos filmes que, entretanto, caíram em desuso — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Abril), com o título 'Quando o cinema era... fotografia'.

Não é preciso recuar muito no tempo para nos lembrarmos das fachadas dos cinemas com gigantescos cartazes e, em particular, das fotografias cartonadas que, nas vitrinas das salas ou junto às bilheteiras, serviam para apresentar os filmes. Hoje em dia, nos multiplexes, o essencial da informação sobre os filmes está num quadro luminoso: luzes a piscar anunciam o título, eventualmente a classificação etária e o horário das sessões. Nasceu mesmo uma franja de público que já não tem qualquer paixão ou expectativa cinéfila: é um público sem gosto específico que escolhe ir ver um filme pelo horário mais próximo ou mais vantajoso...
Dave Kehr, crítico de cinema de The New York Times, faz-nos saber que há todo um revivalismo em torno desses materiais antigos de promoção do cinema, em particular das fotografias cartonadas. Em artigo publicado na American Photo de Mar-ço/Abril, Kehr refere o impulso coleccionista que, nos EUA, conferiu novo valor aos materi-ais “primitivos” de promoção dos filmes. O género de terror, em particular os clássicos dos anos 30 dos estúdios Universal, tem a sua cotação em alta. Assim, por exemplo, em Novembro de 2007, uma fotografia cartonada de Drácula (1932), de Tod Browning, com Bela Lugosi, foi vendido pelas Heritage Auction Galleries por nada mais nada menos que 65.725 dólares (cerca de 42 mil euros).
Entre os materiais que passaram a ser reconhecidos pelo seu genuíno valor artístico estão sobretudo imagens de filmes dos anos 30/40, mas também do pós-guerra. As memórias iconográficas podem pertencer a raridades como Fazil (1928), um dos primeiros trabalhos de Howard Hawks, ou a obras consagradas como Fallen Angel (1945), de Otto Preminger, há muito reconhecido como uma pérola do filme negro (entre nós: Anjo ou Demónio). Na prática, as fotografias cartonadas continuaram a existir até à década de 80, sendo progressivamente abandonadas em favor da publicidade televisiva. Exemplos como o de Fallen Angel [foto] permitem perceber o sofisticado “artesanato” ligado a este tipo de imagens: o filme é a preto e branco, mas as fotografias promocionais apresentavam-se trabalhadas numa requintada paleta de cores, a meio caminho entre a sépia e a sugestão dos tons do technicolor da época.
Há em toda esta história um sintoma que vale a pena sublinhar. Poderemos chamar-lhe o progressivo afastamento entre cinema e... fotografia. Não que o imaginário cinematográfico se possa pensar fora da multiplicidade das técnicas fotográficas. Em todo o caso, com o triunfo das linguagens televisivas e, mais recentemente, através da generalização dos processos digitais, os materiais especificamente fotográficos perderam o seu valor (comercial) na apresentação e difusão dos filmes.
Fica, por isso, um sentimento de mágoa. Os espectadores que dependem apenas de um spot promocional (visto num ecrã de televisão ou, algures, no labirinto da Internet) vivem, de facto, num universo cinematográfico virtual, distante e imaterial. Descobrir os filmes através das respectivas fotografias expostas à entrada das salas de cinema é um hábito que se perdeu. Um hábito e, claro, também o prazer a ele associado.

Reinvenção hip hop

Doze canções, de Candy Store a Voices — a edição japonesa tem direito a uma 13ª: Ring My Bell. Dois produtores: The Neptunes (isto é, Pharrell Williams) e Timbaland. Uma estrela pop: Justin Timberlake (em três temas, incluindo o single de lançamento, 4 Minutes). Outra estrela, do hip hop: Kanye West (Beat Goes On). Tudo isto cruzado, gerido ou contaminado por uma arte da reinvenção que volta a dar frutos: Madonna abre as portas às texturas do hip hop, conserva o apelo dançável (de Confessions on a Dance Floor, 2005) e não abdica de revisitar algumas reminiscências queridas da pop em que se formou. O resultado, paradoxal e genuíno, paradoxal porque genuíno, é o seu 11º álbum de originais — Hard Candy chega hoje às lojas.

domingo, abril 27, 2008

Para redescobrir um certo cinema italiano

Quando se fala em Perfume de Mulher, a maioria do público associa esse título ao filme de 1992, dirigido por Martin Brest, que deu a Al Pacino o seu Oscar. Na verdade, tratava-se um remake de uma "velha" comédia dramática italiana, com assinatura de Dino Risi e data de produção de 1974. Com Vittorio Gassman, Alessandro Momo e Agostina Belli, o original Perfume de Mulher está, finalmente, disponível em edição portuguesa de DVD. Esta é uma bela reflexão sobre o envelhecimento e a sedução utópica do universo feminino. Mais do que isso: é uma excelente oportunidade para (re)descobrirmos um cinema italiano que ainda mantinha uma clássica dimensão comercial, anterior à formatação narrativa e dramática imposta pela televisão (e, em Itália, essa formatação terá sido ainda mais devastadora do que num contexto como o português). Risi, a par de Mario Monicelli ou Luigi Comencini, é, afinal, um nome de referência de um cinema genuinamente popular.

Revivalismo a preto e branco

“Não vou deixar que me definam pela minha idade. Por que é que uma mulher há-de sê-lo? Não vou abrandar, abandonar tudo isto, fechar-me em casa e ficar gorda. Nem pensar nisso!” — são palavras de Madonna em entrevista concedida a Ariane Phillips, na edição de Maio da Elle britânica.
Esta afirmação de tenacidade é acompanhada por um magnífico portfolio, com assinatura de Tom Munro. Certamente não por acaso, as fo-tografias, na sua maioria a preto e branco, re-metem para um imaginário de raiz cinemato-gráfica e, mais concretamente, ligado às me-mórias de Hollywood: por um lado, Madonna prossegue o seu labor de revisão/reinvenção da iconografia do cinema; por outro lado, en-contramos aqui o mesmo revivalismo perverso patente em muitos outros retratos de Munro (Jennifer Jason Leigh, Michelle Williams, Dustin Hoffman, etc., etc.). Além de cinco imagens a preto e branco, a entrevista inclui ainda um plano com duas fotos a cores. em cenário e pose que, curiosamente, fazem lembrar um pouco o ambiente do teledisco de Hung Up.

A IMAGEM: Steven Meisel, 2005

Steven Meisel
Carolyn Murphy /
Vogue Italia, Agosto 2005

Os filmes que a imprensa (não) vê

No campo do cinema, que relações de trabalho existem entre distribuição/exibição e imprensa? Mais concretamente: como é possível informar e fazer opinião sobre os filmes que (não) são mostrados? Este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Abril) com o título 'Trabalhar os filmes'.

O espectador comum não se aperceberá, mas o trabalho de divulgação e opinião sobre os filmes que vão estreando é cada vez mais difícil. Não se trata de discutir a competência ou a dedicação das pessoas que fazem o marketing da distribuição/exibição. Trata-se, isso sim, de questionar o facto de os filmes serem mostrados à imprensa cada vez com menos antecedência em relação às datas das respectivas estreias (isto para já não falarmos das frequentes alterações dessas datas).
Não estão em jogo estados de alma. Nem se discute a boa vontade seja de quem for. O que importa reconhecer é que a circulação de informação (e, em particular, o acesso aos filmes em tempo útil) é um valor básico de trabalho e, salvo melhor opinião, interessante para todas as partes envolvidas. Daí a pergunta: qual o conceito de trabalho que distribuidores e exibidores têm sobre as suas relações com a imprensa? Tendo em conta as muitas mudanças (internacionais) que o mercado está a sofrer, esta é uma pergunta ainda mais pertinente. Vale a pena repeti-la de forma serena e construtiva.

Vampire Weekend em concerto

Afro-pop? Herdeiros dos Strokes? Sim, sem dúvida, sobretudo se não esgotarmos o fôlego da originalidade na prisão dos rótulos... Os Vampire Weekend são um dos fenómenos de 2008 (revelados pelo álbum homónimo) e estarão entre nós — Casa da Música, Porto — no dia 30 de Maio. Aliás, ao vivo, a sua energia e subtileza parece confirmar-se de forma inequívoca — vale a pena ouvi-los em concerto gravado (13 de Março, Austin, Texas) pela rádio pública norte-americana, NPR.

sábado, abril 26, 2008

Mitsuko Uchida premiada pela "BBC Music"

A pianista japonesa Mitsuko Uchida é a vencedora dos prémios do BBC Music Magazine, atribuídos pelos leitores da revista — a sua gravação das sonatas nºs 28 e 29 de Beethoven foi distinguida como disco do ano de 2007.
A revista atribui cerca de uma dezena de prémios à produção anual na área da música clássica. Desta vez, entre os distinguidos incluem-se ainda a maestrina Emmanuelle Haïm e a soprano Natalie Dessay (na categoria de ópera), o Jersusalem Quartet (música de câmara) e o pianista David Fray (revelação do ano). Na edição em que divulga o seu palmarés, o BBC Music Magazine inclui uma entrevista com o escritor Ian McEwan e o compositor Michael Berkeley, a propósito da sua colaboração na ópera For You, e um trabalho sobre os 40 anos da fundação do sexteto coral King's Singers. É um número fascinante, complementado por um magnífico CD com música coral da Renascença, gravado no York Early Music Festival.

Tele-25 de Abril

Como é que as televisões representam o 25 de Abril? E a história em geral? E que efeitos provocam essas representações? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Abril), com o título '34 anos depois'.

Durante anos e anos, vimos o 25 de Abril televisivamente simbolizado pelo mesmo automático arranjo de imagens e sons: alguns planos a preto e branco da revolta no Largo do Carmo pontuados pelo Grândola, Vila Morena, de José Afonso (entretanto banalizado como “Zeca” Afonso, até mesmo por muitos dos que nasceram depois e o referem como se tivessem andado com ele na escola primária...). Provavelmente, hoje vai voltar a acontecer.
É óbvio que nem só disso se faz a memória colectiva do 25 de Abril. E a sociedade portuguesa continua a lutar, de modos variados, para ao menos ter direito à complexidade contraditória das suas memórias. Mas esse tipo de automatismo “informativo” foi desgastando essas mesmas memórias e as nossas mentes, com a mesma estúpida indiferença com que, a pretexto de tudo e de nada, se repetem imagens dos atentados do 11 de Setembro como se fossem spots publicitários intermutáveis.
Trinta e quatro anos depois, valerá a pena reparar que esta banalização televisiva se tem desenvolvido como um monstro de muitos tentáculos, o mais recente dos quais é a demonização automática de tudo o que aconteceu no tempo do Estado Novo. De facto, uma coisa é reconhecer que o país viveu uma ditadura de muitos silêncios e muitos sofrimentos. Outra, bem diferente, é esse desporto irresponsável que tende a favorecer a ideia de que vivíamos todos fechados em casa, à espera que não houvesse uma patrulha policial a passar na nossa rua...
Estou a caricaturar? Muito pouco, para dizer a verdade. Num país de concursos fúteis e telenovelas que se repetem umas às outras, a banalização do passado (e, em particular, do nosso passado salazarista) transformou-se num efeito ideológico de rotina. É mais fácil supor (ou fazer supor) que a realidade era a preto e branco. É sempre infinitamente mais difícil lidar com a pluralidade de qualquer momento histórico e com o seu perturbante tecido de alegrias e dores, criações e depressões. Passámos a ser regidos pelas leis do fácil e, de facto, não foi para isso que se fez o 25 de Abril.

sexta-feira, abril 25, 2008

A IMAGEM: Paul Strand, 1915

Paul Strand
Sem título, 1915

A Nova Cultura Mediática

Há qualquer coisa de inevitavelmente incómodo e perturbante no discurso que o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, hoje leu na cerimónia da Assembleia da República comemo-rativa do 34º aniversário do 25 de Abril. Basta reparar nas respectivas palavras de abertura:
> Celebramos hoje, uma vez mais, o aniver-sário da revolução de 25 de Abril de 1974. Não vou repetir o que aqui afirmei o ano passado. Apenas direi que me impressiona que muitos jovens não saibam sequer o que foi o 25 de Abril, nem o que significou para Portugal. Os mais novos, sobretudo, quando interrogados sobre o que sucedeu em 25 de Abril de 1974 produzem afirmações que surpreendem pela ignorância de quem foram os principais protagonistas, pelo total alheamento relativamente ao que era viver num regime autoritário.
Não havia maneira mais directa (e, por isso mesmo, mais salutar) de identificar o problema — aliás, o discurso do Presidente tem a apoiá-lo um estudo da Universidade Católica, por ele próprio encomendado, que reflecte as relações fracas, ou mesmo vazias, que passaram a existir entre "Os Jovens e a Política".
Fica, de qualquer modo, um factor de profundo desencanto. De facto, todos sabemos — porque todos vemos no quotidiano — que muitos dos vectores essenciais dessa decomposição política dos jovens passam pelo triunfo daquilo que poderemos chamar, com inteira justificação, a Nova Cultura Mediática. Concretizando: desde a abertura do espaço televisivo (consumada no período em que Cavaco Silva foi primeiro-ministro de Portugal), todos os valores sociais — incluindo o enquadramento simbólico da juventude — foram objecto de muitas e dramáticas transformações, favorecendo o triunfo de conceitos puerilmente "hedonistas" que tendem a desresponsabilizar e despolitizar o cidadão comum, incluindo os jovens.
Raras vezes tem sido possível discutir estas questões em Portugal, já que o seu simples enunciado suscita automáticas cortinas de fumo. Daí que seja sempre necessário esclarecer duas ou três coisas muito básicas. Primeiro: que a abertura da televisão à iniciativa privada não é, em si mesmo, um mal e deve continuar a ser firmemente defendida. Segundo: que o reconhecimento da degradação da televisão contemporânea (portuguesa ou não) não implica a exaltação de regimes (como o Estado Novo) de partido único e televisão única. Terceiro: nenhuma crítica aos índices de responsabilização dos políticos implica qualquer forma de menosprezo pelas potencialidades da democracia, como regime político e tecido social.
Sou dos que consideram o alarme lançado pelo Presidente da República como inevitavelmente tardio. Em todo o caso, isso não lhe retira um duplo valor: o de defender um pensamento político activo, resistente aos lugares-comuns do dia a dia, e o de sublinhar a importância (também política) dos espaços específicos da juventude. Resta saber se a classe política, tantas vezes tão acomodada no próprio sistema mediático e no seu populismo informativo, tem respostas para dar.

"Vanity Fair" sob o signo de Madonna

É, por certo, um dos mais belos trabalhos jornalísticos feitos a propósito do lançamento de Hard Candy — na edição de Maio da Vanity Fair, Rich Cohen propõe um Madonnarama! que vai desde os tempos heróicos da década de 80 até à estreia de Madonna na realização cinematográfica, passando pela mãe, pela activista, pela viajante de todas as iconografias. No seu site oficial, a revista norte-americana celebra a presença de Madonna na história da Vanity Fair, recordando as dez vezes (aliás, onze) que ela já apareceu nas suas capas. Da mais recente para a mais antiga, foi assim:

> 2008 (Maio): fotos de Steven Meisel

> 2007 (Março): fotos de Annie Leibovitz

> 2002 (Outubro): fotos de Craig McDean

> 2000 (Março): fotos de Mario Testino

> 1998 (Março): fotos de Mario Testino

> 1996 (Novembro): fotos de Mario Testino

> 1992 (Outubro): fotos de Steven Meisel

> 1991 (Abril): fotos de Steven Meisel

> 1990 (Abril): fotos de Helmut Newton

> 1986 (Dezembro): fotos de Herb Ritts

quinta-feira, abril 24, 2008

Yasujiro Ozu no trabalho

Ainda a propósito da actualidade de Yasujiro Ozu (reforçada pelo recente lançamento, entre nós, de dois dos seus derradeiros filmes), vale a pena lembrar o estudo de referência que sobre ele escreveu o investigador e historiador cinematográfico David BordwellOzu and the Poetics of Cinema, uma edição do British Film Institute com data de 1988.
Para apresentar o livro, no seu site, Bordwell evoca uma visita a Tóquio, em 1995, com passagem pelos estúdios Shochiku. Aí deparou com uma reconstituição do espaço de trabalho de Ozu, incluindo o cineasta representado em... figura de cera [foto]. São memórias das singularidades do trabalho de investigação. Além do mais, convém referir que Ozu and the Poetics of Cinema pode ser lido, na íntegra, na própria Net — estão aqui as suas 416 páginas.

Bigger than life

Sean Young: foi, por certo, a promessa de estrela que Blade Runner (1983) anunciou, mas não se cumpriu (o protagonista Harrison Ford era já um nome consagrado por A Guerra das Estrelas e o primeiro Indiana Jones, Os Salteadores da Arca Perdida). A boa notícia é que é possível rever o filme como muitos espectadores mais jovens nunca o viram. A saber: não na magia digital do DVD, mas num... ecrã de cinema. Para comemorar os seus 25 anos, Blade Runner volta às salas escuras (na versão aprovada pelo seu realizador, Ridley Scott), confirmando o balanço ambíguo em que o cinema passou a viver — ou seja, entre a acessibilidade universal do DVD e o fascínio primitivo do grande ecrã. Mais do que um título de referência na ficção científica cinematográfica e na evolução as técnicas de efeitos especiais, Blade Runner é um símbolo exacto dessa vocação original do cinematógrafo: ser maior que a vida.

quarta-feira, abril 23, 2008

A política segundo John Ford

Não sendo um western ou um filme de guerra, é muitas vezes olhado como um objecto "atípico" ou "secundário" na trajectória de John Ford: The Last Hurrah/O Último Hurrah (1958) conta a história de um mayor de uma cidade americana, na década de 1950, apostado em conseguir a sua derradeira reeleição e fá-lo num misto de amargura política e desencanto existencial, porventura reflectindo a própria idade avançada de Ford e também do seu protagonista, Spencer Tracy (Ford viria a falecer em 1973, aos 78 anos de idade; Tracy viveu apenas até 1967, contava 67 anos). O certo é que, quarenta anos depois, o filme conserva a vitalidade do humanismo fordiano, ao mesmo tempo que revela uma dimensão de bizarra actualidade: este é, afinal, um conto moral sobre uma época em que a televisão começava a desempenhar um papel decisivo, e decisivamente perverso, na dinâmica dos poderes políticos — a boa notícia é que, finalmente, O Último Hurrah já está disponível em DVD.

Cannes: os filmes

Vicky Cristina Barcelona, o filme que Woody Allen rodou em Espanha, com Scarlett Johansson, Javier Bardem e Penélope Cruz [foto em cima] é o dos títulos programados, extra-concurso, para a 61ª edição do Festival de Cannes. Na competição vão estar alguns habitués da Côte d'Azur, incluindo Clint Eastwood, Steven Soderbergh, Wim Wenders, Atom Egoyan e os irmãos Dardenne. Quatro Noites com Anna, novo filme do polaco Jerzy Skolimowski [foto em baixo], produzido por Paulo Branco, foi escolhido para a abertura oficial da Quinzena dos Realizadores.
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Vai ser uma edição recheada de nomes consagrados, também nas fichas artísticas (o filme de Eastwood, por exemplo, é protagonizado por Angelina Jolie), a provar que Cannes se mantém a janela mais ampla para o essencial da produção cinematográfica internacional. Além disso, nos nomes comercialmente de "segunda" linha surge gente tão interessante como os franceses Arnaud Desplechin e Philippe Garrel, a argentina Lucrecia Martel e o argumentista americano Charlie Kaufman (que apresenta Sydenoche, New York, seu primeiro trabalho de realização). Está tudo no comunicado oficial do festival.
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Claro que se irá sempre especular sobre os "ausentes" (por não acabamento dos trabalhos de pós-produção ou, eventualmente, por preferirem a alternativa de Veneza, em Setembro). O certo é que o certame já ganhou a batalha da diversidade — géneros, culturas, formas de produção —, a confirmar na selecção da secção oficial paralela, "Un Certain Regard": aí estarão, entre outros, Bong Joon Ho, Michel Gondry e Leos Carax (três assinaturas para o filme Tokyo!), Raymond Depardon (La Vie Moderne) e James Toback (Tyson). Lá estaremos também, a partir de 14 de Maio.

Sentados no "tatami"

O derradeiro filme do mestre japonês Yasujiro Ozu chegou ao mercado português do DVD: O Gosto do Saké (1962) foi editado em edição conjunta com outra das suas preciosidades, O Fim do Outono (1960) — este texto, sobre O Gosto do Saké [foto], foi publicado no Diário de Notícias (20 Abril) com o título 'Segredos do Japão de Yasujiro Ozu'.

É um facto indesmentível que o mercado do DVD já se libertou da lógica mercantilista, induzida por muitas formas preguiçosas de marketing, segundo a qual a sua principal “utilidade” seria a reposição dos títulos estreados seis meses antes. De facto, concebê-lo assim era, além do mais, uma visão simplista e preconceituosa que menosprezava o imenso leque de alternativas, em particular na recuperação dos filmes mais antigos, com ou sem estatuto de clássicos.
Dito isto, importa reconhecer também que, em termos globais, o mercado (incluindo os locais de venda) continua a ser eminen-temente conservador. Duas razões principais contribuem para isso: desde logo, as privilégios promocionais que são concedidos a filmes que ainda há pouco tempo estrearam nas salas; depois, o escasso trabalho (em particular dos locais de venda) para valorizar as muitas pérolas que vão sendo editadas. Um exemplo? O de Yasujiro Ozu (1903-1963), mestre lendário da produção japonesa e, em boa verdade, um dos autores maiores de toda a história do cinema. Vale a pena recordar que, no último inquérito à crítica internacional organizado pela revista britânica Sight & Sound para eleger os “melhores de sempre”, o nome de Ozu integra a lista dos dez melhores cineastas, em décimo lugar (ex-aequo com Francis Ford Coppola); no Top 10 dos filmes, liderado por O Mundo a Seus Pés (1941), de Orson Welles, Ozu está representado por Viagem a Tóquio (1953), em quinto lugar.
Pois bem, já há vários anos que Ozu não é um nome ausente do DVD em Portugal. Viagem a Tóquio, precisamente, foi editado há poucos meses. Entretanto, chegou ao mercado O Gosto do Saké (1962), derradeiro trabalho de uma filmografia de mais de três décadas (iniciada em 1927, ainda no período mudo) que possui um incontornável valor simbólico: nele se condensa o desencanto do cineasta face ao Japão do pós-guerra e, em particular, à metódica desagregação das tradicionais relações familiares e sociais.
Ozu foi o inventor genial de um universo comandado por uma obsessiva austeridade narrativa. Os seus modos de encenar têm tanto de rigor formal como de peculiar entendimento dos espaços do quotidiano (são célebres as suas imagens das personagens enquadradas a partir do olhar que assumem quando se instalam sobre os típicos tapetes, “tatamis”, das casas japonesas). Apesar disso, ou justamente por causa disso, importa acrescentar que ele nunca foi um “formalista”, já que, em última instância, é a pluralidade do factor humano que comanda o seu cinema.
O Gosto do Saké possui um valor exemplar, quanto mais não seja porque traduz a crescente depuração das linguagens de Ozu. A história que nele se conta, centrada num veterano da guerra que tenta garantir um bom casamento para a sua filha, acaba por ser um espelho delicado, não isento de crueldade, de um tempo de reconversão acelerada da sociedade nipónica. Por um lado, todas as personagens de Ozu transportam um pudor tecido de muitos segredos; por outro lado, o seu cinema tende a criar uma transparência rara onde, por assim dizer, podemos compreender esses segredos sem destruir o pudor. Ironicamente ou não, O Gosto do Saké é, neste momento, em Portugal, um dos grandes acontecimentos cinematográficos.