segunda-feira, janeiro 28, 2008

Discos da semana, 28 de Janeiro

O primeiro grande álbum de rock’n’roll do ano começa, antes de nos mostrar qualquer canção, por lançar uma questão de fundo. Pergunta-nos se gostamos de música rock... Questão fulcral, num tempo em que, é visível, o rock’n’roll voltou a morar nos hábitos de quem faz e escuta música. Um tempo em que, todavia, exceptuando raros não alinhados, o rock’n’roll mais parece um jogo de baralha e volta a dar, o seguidismo sendo mais frequente que a real ousadia. Coisa estranha, afinal, numa música que, supostamente, nasce de uma pulsão de rebeldia, de inconformismo, de busca de personalidade, de frontalidade, de choque, por vezes mesmo de ruptura... Os British Sea Power nunca seguiram movimentos nem tendências, apesar de deixarem sempre claras as suas paixões e referências (e nada de invulgar aqui, que aceitar heranças não é, necessariamente, sinónimo de as duplicar). A memória de uns Echo & The Bunnymen, The Cure de inícios de 80, da Joy Division, de um Bowie de finais de 70, mora nas raízes de um som que procura sistematicamente novas formas de expressar um sentido de excentricidade muito caro à cultura pop britânica. Ao terceiro álbum parece ganhar forma uma opção firme por um rock musculado, mas ágil, épico e melodista. Poderemos sentir afinidades eventuais com os Arcade Fire, sobretudo no carácter sinfonista de alguns instantes (e a presença do seu ex-colaborador Howard Bilerman na equipa de produção contribui para vincar a ieia). Mas enquanto o colectivo canadiano explode sob sombras e um clima de tensão permanente, a música dos British Sea Power é mais livre, de horizontes abertos e claramente bafejada por uma brisa que acalma os ânimos. Waving Flags, o single de avanço, é um dos monumentos de pop coral mais irresistíveis dos últimos tempos. O álbum guarda depois outros momentos, exigindo-nos dedicação, compensando-nos depois a cada nova audição.
British Sea Power
“Do You Like Rock Music?”
Rough Trade
4 / 5
Para ouvir: MySpace


O novo álbum de Sérgio Godinho não é, apenas, “mais um disco ao vivo”, comentário que à partida até poderia parecer evidente se somarmos, desde 1991, a edição de outros quatro registos de palco (Escritor de Canções, Noites Passdas, Rivolitz e Afinidades, este último com os Clã). Nove e Meia No Maria Matos é, na verdade, o primeiro registo ao vivo de Sérgio Godinho com Os Assessores (o crédito é, de resto, evidente na capa), banda que o acompanha regularmente desde a gravação de Lupa (2000) e com quem tem trabalhado, digressão após digressão, na recuperação e transformação de velhas canções sob novos arranjos. É o documento desse trabalho o que, afinal, escutamos neste disco no qual o recente Ligação Directa tem um peso protagonista, contudo não excessivo. O disco documenta a passagem por Lisboa do espectáculo que se fez à estrada no ano passado, assinalando também um reencontro com um espaço com memória, uma vez que foi ali que terminou a sua primeira digressão de sempre, Sete Anos de Canções, há precisamente 30 anos. Apesar da diversidade de opções nos arranjos, todos eles oportunos e capazes de dar nova vida a velhos clássicos (mas sem lhes roubar nunca a alma), o alinhamento mostra sábia capacidade de ordenar tantas quadras soltas. Há no alinhamento, como manda a palavra uma “linha”, um sentido, quase como se fosse uma narrativa... Afinal, contam-se histórias.
Sérgio Godinho
“Nove e Meia no Maria Matos”
Universal
4 / 5
Para ouvir: MySpace


O shoegaze está mesmo de volta! Depois de discos recentes dos Midnight Movies, Raveonettes ou Magnetic Fields, mais um nome assegura outra contribuição segura: Pluramon. Projecto alemão, comandado por Marcus Schmickler, apresenta ao quinto álbum, e contando com a presença semi-oficial de Julee Cruise, uma segura colecção de canções capazes de, numa relativa montra de diversidade, sugerir unidade. The Monstrous Surplus capta as heranças da canção densa, tensa e intensa de uns Cocteau Twins e a teatralidade de uns Mazzy Star, em vez dos mais habituais e recorrentes traços de citações aos My Bloody Valentine ou mesmo The Jesus & Mary Chain. Há um clima de mistério, quase cinematográfico, particularmente sublinhado nos momentos em que a voz de Julee Cruise é protagonista. O alinhamento divide todavia esse protagonismo por outras presenças, entre as quais as de Jutta Koether e Júlia Hummer, a esta última cabendo uma reinvenção de If The Kids Are United, dos Sham 69 (originalmente editado como single em 1978), descobrindo nova forma subtil de abordar um clássico dos dias do punk, afirmando-se aqui, naturalmente pela surpresa, um dos mais espantosos momentos do álbum.
Pluramon
“The Monstrous Surplus”
Karaoke Kalk / Flur
3 / 5
Para ouvir: MySpace


O sucessor do promissor Repulsion Box (de 2005) revela nos escoceses Sons & Daughters uma inesperada capacidade de fuga ao desfile de equívocos, armadilhas e tragédias que nos últimos meses tem ceifado – frequentemente por males de inércia ou esgotamento criativo além das iniciais citações dos modelos pós-punk – a vida de muitas das bandas daquilo a que se chegou a chamar a geração “novo rock”. Sem fazer do novo This Gift um monumento (nem nada que se pareça!), o disco consegue todavia encontrar na assimilação do indie rock feminino mais cru e directo da década de 90 (leia-se PJ Harvey ou Elástica) uma série de modelos que se enquadram no constante desafio entre um certo melodismo pop e a intensidade eléctrica, de arestas não polidas, que caracteriza esta colecção de canções. A voz pouco (ou mesmo nada) maquilhada de Adele Bethel aceita as sugestões das referências escutadas, sublinhando depois o carácter aparentemente impefeito na arte final de canções intensas. Pena, contudo, que esta intensidade não se traduza, depois, em grandes composições como, por exemplo, mostraram no single de avanço Guilt Complex. Ou seja, This Gift solta energia, mas não mostra total capacidade em aproveitá-la em pleno... (*)
Sons & Daughters
“This Gift”
Domino / Edel
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Há músicas que se deve começar a descobrir pela história que as precede. Port O’Brien é hoje uma banda de cinco elementos que começou a dar primeiros passos há poucos anos como, apenas um duo, juntando a escrita e vozes de Van Pierszalowski e Cambria Goodwin em terras da Califórnia. Na génese da ideia morava uma admiração pelas canções de Neil Young e Nick Drake, entre outras figuras da folk. Determinante era, contudo, a temporada de Verão passada por Van Pierszalowski a bordo de um barco de pesca de salmão, em Kodiak Island, no Alasca. O ambiente, onde contrastava a serenidade do cenário com a intensidade do trabalho revelar-se-ia inspirador, muitas das canções que o grupo hoje canta tendo surgido nessas latitudes, entre as horas de repouso, o salmão já no porão. Um primeiro álbum revelou o grupo em 2005. E quando M Ward os apontou como nova banda favorita, a maré de atenções virou em seu favor. Correram a estrada ao lado dos Modest Mouse, Bright Eyes e Rogue Wave. E editaram, em finais de 2007, um álbum que reúne uma série de temas que tinham lançado, em auto-edição, nos últimos meses. Este é The Wind And The Swell, um álbum que mostra como aos postulados folk o grupo soma, sem perder o sentido de dieta acústica do seu som, uma multiplicidade de opções e contaminações, muitas delas colhidas nas melhores ideias do actual indie rock. Uma banda promissora, a ter em atenção.
Port O’Brien
“The Wind And The Well”
American Dust / Sabotage
3 / 5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Eels (best of), These New Puritans, Novembro, Sam The Kid (repackage), Sons & Daughters, Cage The Elephant, Wendy James, Susumu Yokota, Miss Kittin, Lightspeed Champion

Brevemente:
4 de Fevereiro: KD Lang, The Kills, Hot Chip, Triffids (reedições), Morcheeba, Joni Mitchell (DVD), Cass McCombs, Motown (caixa 9 – 1969), Kitsune Maison (vol 5), Nada Surf, Kronos Quartet (Terry Riley)
11 de Fevereiro: Morrissey (best of), Michael Jackson (reedição), One Night Only, Bob Mould, Goldfrapp, Smashing Pumkins (EP), Soft Cell (reedição), Buzzcocks, Durutti Column (reedição), Mind da Gap (best of)
18 de Fevereiro: Nick Cave, The B-52’s, Envelopes, Tegan & Sara, David Fonseca (repackage)

Fevereiro: Vampire Weekend, Rita Redshoes, Boy Kill Boy, Gary Numan (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), ABC, Moby, Sigur Rós, Sebastien Tellier, Correcto
Março: Bauhaus, R.E.M., Breeders, Elbow, Supergrass, Billy Bragg, Faces (reedições), Nick Cave & The Bad Seeds, Van Morrisson, Devotchka, Daft Punk, Young Knives, Zombies (reedição), John Tavener, Philip Glass (BSO), The Grid, The Teenagers, Super Nada, OMD (reedição), Guillemots, The La’s (reedição), Cinematic Orchestra (live), We Are Scientists, Why?

Estas datas são provisórias e podem ser alteradas
(*) Versão editada de um texto publicado no suplemento IN, da revista NS