segunda-feira, dezembro 17, 2007

Caixa com surpresas

Ano Bowie - 69
David Bowie Box - Caixa de 10 CD, 2007

Com Let’s Dance, em 1983, David Bowie descobriu, pela primeira (e última) vez que um disco podia ser, de raiz, pensado para chegar ao grande mercado. Somou mais êxitos, é verdade, mas depois de 1984 acumulou progressivos equívocos. Consciente da soma de erros nesses quase dez anos, optou em 1993 por reencontros com memórias mais “agradáveis”. Por um lado, em Black Tie White Noise, reavivando antigas paixões pelo rhythm’n’blues. Por outro, aceitando o desafio de compor, com protagonismo de electrónicas e texturas, uma banda sonora para The Buddha Of Suburbia. Assim renasceu o homem pop visionário, o grande compositor, a voz única. Bowie, afinal, vivia de novo, mal imaginando que, à sua frente, residiria um tempo de revelações e criações quase ao nível das melhores que nos dera nos dias áureos de 70.
É precisamente esse período que se segue ao reencontro com a grande forma aquele que se encerra na caixa agora editada. Aqui se encontram os cinco álbuns de originais que Bowie lançou entre 1995 e 2004, os quatro primeiros dos quais, todos eles, dignos de figurar numa selecção dos seus discos mais estimulantes. Todos eles surgem em versões duplas, cada qual com um CD com extras nos quais se juntam ao alinhamento original os lados B associados aos singles extraídos do álbum em questão, assim como remisturas e algumas raridades...
A caixa abre com 1.Oustide (1995), disco que assinalou um reencontro com Brian Eno (desde a trilogia Low, Heroes e Lodger) e que traduz a mais ousada manifestação artística de Bowie desde finais de 70. Conceptual, socorre-se de electrónicas, formas inesperadas e personagens de ficção para contar uma sombria aventura de fim de milénio. De 1997, Earthling é uma continuação destas ideias, contudo mais próximo de uma intensidade rock’n’roll, de referências da música inglesa e de contaminações várias, do industrial ao drum’n’bass. hours... (1999) assinala um primeiro óbvio mergulho no passado, definindo uma nova etapa “clássica” que evoca memórias da pop acústica de Hunky Dory num disco que fala do envelhecimento. Heathen (2002) promove o regresso de Tony Visconti à produção, num álbum que traduz nova expressão do sentido futurista dos dias de Station To Station. Menos interessante, aparentemente criado sob o desejo de levar uma banda rock’n’roll para a estrada, Reality (2003) é o mais recente álbum de Bowie.
O melhor da caixa descobre-se no disco de extras do disco de 2002, no qual se reúnem alguns temas do álbum Toy, no qual em 2000 Bowie pretendia revisitar temas esquecidos de singles que editara nos anos 60 e novas gravações de maquetes soltas de inícios de 70. Um disco que aqui se sugere um perfeito assombro, elo perdido entre a placidez classicista de hours... e a elegância de Heathen. A editora que vetou a edição do disco tirou a Bowie um dos seus melhores álbuns dos últimos anos...
PS. Versão editada de um texto publicado na revista NS