terça-feira, outubro 23, 2007

Discos da semana, 22 de Outubro

Ao segundo álbum de temas originais (o anterior, Oh You’re So Silent Jens, na verdade, era uma antologia de velhas notas soltas), o sueco Jens Lekman confirma que nele temos a apontar um dos grandes herdeiros, no presente, da grande tradição da canção de autor. Sem os sinais de arte final lo-fi que há três anos se escutavam em When I said I Wanted To Be Your Dog (um álbum de estreia que não deixou ninguém indiferente, é verdade), o novo disco mostra o mesmo contador de histórias numa mais segura afirmação das suas capacidades na escrita e, sobretudo, mais desafiante na abordagem à sua forma. O título ainda sugere sinais de uma vivência de bairro de que estas canções podem ser vistas como pequenas crónicas vivenciais. Kortelada é, na verdade, o bairro de Gotenburgo onde estas canções ganharam forma. Um bairro familiar, de rostos conhecidos das rotinas do dia a dia, com o seu ritmo de subúrbio, as suas pequenas histórias. Cenários e gentes que Lekman assimila e transforma em canções onde ao real se junta a ficção, como que observando e comentando à distância o que outrora pode até ter sido próximo. Canções que ganharam, depois, eloquente forma em arranjos mais elaborados, mais ousados, herdeiros de escolas várias da cultura pop, mas cientes de que na nostalgia não moram todas as respostas. Jens Lekman é um crooner em afirmação, e tem neste disco a colecção de canções que cruza a dor e paranóia das histórias relatadas com o charme dourado dos arranjos que as adornam. Sedutores jogos de contrastes que a voz domina afirmando uma pop em technicolor que já se adivinhava no passado do músico mas não se esperava tão consequente e firme tão depressa.
Jens Lekman
“Night Falls Over Kortelada”

Secretly Canadian / Flur
4/5
Para saber mais: site oficial
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Depois de um primeiro álbum a solo decididamente irregular, Rosin Murphy parece reencontrar o caminho que, em tempos, de si fez uma das mais atraentes e enigmáticas vozes ao serviço de uma pop vitaminada em energias dançantes... Falamos dos primeiros tempos dos Moloko (em particular do álbum de estreia Do You Like My Tight Sweater, de 1995), cuja carreira deslaçou com o tempo, acabando ao fim de quatro álbuns, e quase com a memória da sua estreia apagada. Overpowered não é estilisticamente um sucessor desse álbum dos Moloko, mas nele encontra familiaridade ao afirmar uma existência que firma identidade na canção pop e se veste, depois, com trajes de glamour colhido nas tendências em voga na cultura de dança. É verdade que, em mais nenhum momento do alinhamento se repete o absoluto instante de génio pop que se escuta no tema título (em parceria com Seiji, dos Bugz In The Attic), que parece citar “clássico” I Wanna be Your Lover dos La Bionda. Mas pelo alinhamento do álbum não faltam outros exemplos de saudável relação entre a pop e a música de dança. Checking On Me mostra mais verdades r&b que muita da produção que como tal se afirma e ganha prémios na MTV. Let Me Know recupera a canção para piano com tempero house de finais de 80. Movie Star é puro e delicioso delírio electro pop. Footprints recorda o disco pré-Febre de Sábado à Noite. Cry Baby evoca o hi-nrg de Bobby Orlando. Em suma, não se trata de um compêndio pedagógico “viagem pela pop dançável em 11 faixas (e dois bónus)”, mas não deixa de ser uma das mais curiosas incursões da pop pela história da música de dança dos últimos tempos. E com algumas boas canções, acrescente-se...
Roisin Murphy
“Overpowered”
EMI / EMI Music Portugal
3/5
Para ouvir: MySpace
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Quantas são as bandas que dão o arzinho da sua graça depois de uns discos que passaram a Leste das atenções, ganham estatuto fugaz de nova banda favorita e, depois, aos poucos, perdem encantos e desaparecem. Parecia ser esse o futuro destinado aos suecos The Hives. Depois de dois álbuns que quase ninguém escutou na hora da sua edição, conquistaram meio mundo com um dos mais viciantes hinos de garage rock da década (Hate To Say I Told You So) e uma antologia, com a bênção da Poptones de Alan McGee. Há três anos, Tyrannosaurus Hives mostrava apenas sinais de gestão de continuidade em mais do mesmo, alertando para a possibilidade de, nesta banda favorita da véspera poder morar mais um caso de “já foi”... A verdade é que a resposta a essa etapa de continuidade inconsequente respondem agora com um álbum de inesperada versatilidade e vitalidade. Uma diversidade que não se esgota nas duas colaborações com Pharell Williams, nem no mero facto de passarem a recorrer mais a teclados, mas que mora ao longo de todo o alinhamento de um dos mais contagiantes discos de rock’n’roll deste ano. É, contudo preciso vencer a antecâmara do álbum para o descobrir de facto. As três faixas de abertura são Hives em modo “clássico”, garage rock melodista e estridente quanto baste. Segue-se We’re All Right, uma espécie de interlúdio de transição (uma das colaborações do senhor Pharrell). E então entramos num disco onde a pulsão garage pura destes suecos mostra porque tanta fama de bom pastiche tem a música da sua terra. Aqui há de tudo, do hino new wave (Return The Favour) ao coro de cervejas em noite de pub (Your Dress Up For Armageddon), de um rock temperado a funk (T.H.E.H.I.V.E.S.) aos diálogos de canto e fala à Adam & The Ants (Giddy Up!)... E até mesmo uma pequena folia pop que parece herdeira, bem arrumada, é certo, da fase final de Mr Bungle (Puppet On A String, que não é versão do hino eurovisivo de Sandie Shaw)... Eles voltaram. A preto e branco, como o título diz, mas com mais cores que nunca.
The Hives
“The Black And White Album”
A&M Records / Universal
4/5
Para ouvir: MySpace


Os manos Friedberg, que é como quem diz os Fierey Furnaces, são um caso complicado. Deram a esta década, no seu segundo álbum (Blueberry Boat, de 2004) uma das mais estonteantes surpresas. Ao álbum fizeram suceder uma antologia de singles (EP, 2005), na qual se escutava a sua evidente paixão pela canção pop e uma forma muito peculiar de a abordar. Mas depois o disparate instalou-se. Reharsing My Choir (2005, o tal disco gravado com a avó) e Bitter Tea (2006) eram pálidas materializações de potencialidades antes reveladas. E, convenhamos, frustração para quem neles procurou um álbum capaz de suceder, sobretudo, à excelência e personalidade pop das canções reunidas em EP. Valha-nos então este Widow City (a sua estreia pela Thrill Jockey), porque representa, finalmente, o ensaio de passo seguinte a essa experiência até aqui não dado. Deixaram de lado aquela vontade de fazer de cada disco um conceito... Juntam um baterista, mais guitarras às suas electrónicas. E no novo mais não mostram que um conjunto de canções nas quais são claras as marcas de uma banda que, na melhor tradição Monty Python, gosta de, ao fim de uns compassos, decretar “and now for something completly different”, para logo depois aplicar novo salto ou voltar à casa partida. As canções dos Fiery Furnaces são pequenos desafios. Atraem-nos com uma sequência de acordes ostensivamente doce, iludem-nos pelo canto e, depois, zás, levam-nos onde menos esperamos. Muitas vezes conseguem viagens inesquecíveis. Outras vezes enganam-se, e lá vamos com eles por atalhos de labirinto... Widow City tem casos num e outro destes caminhos possíveis. Aqui moram momentos de pop inventiva e superlativa. E alguns pontuais desvios, meio perdidos, pelo desconhecido, pelo acidental, por vezes inconsequentes... O bom, todavia, supera os eventuais desnortes. Se bem que, melhor mesmo teria sido um alinhamento mais curto, onde um filtro poderia aprumar a colecção pop que aqui se mostra. Mesmo assim, este é o seu melhor momento desde EP...
Fiery Furnaces
“Widow City”
Thrill Jockey/Dwitza
3/5
Para ouvir: MySpace
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Terão ainda conserto? Conserto de arranjo, que concertos de palco ainda os dão... Falamos dos R.E.M., em evidente rota pela ribanceira abaixo. Não se trata de uma aplicação primária daquela ideia que defende que o passado é sempre melhor que o presente numa banda. Até porque, em 27 anos de carreira, os REM já conheceram etapas melhores e piores, em diversos ciclos. Desde há uns tempos, contudo, parecem sob evidente ciclo-não. Around The Sun, o seu mais recente álbum de originais, foi o pior momento de uma digníssima carreira, uma das primeiras a trazer ao mundo os sinais de uma América rock indie nascida na alvorada de 80. Em tempo de pausa, lançam um registo ao vivo gravado há dois anos no Point Theatre, em Dublin. Dois CDs, um DVD... E uma espécie de best of ao vivo, com energia gritante a principio, encontrando Michael Stipe a calma logo depois, assegurando um desfile competente, representativo, mas longe do viço de concertos que, quem os viu, certamente recordará. Há temas recentes, como Bad Day ou Electron Blue que, ao vivo, mostram mais carne que nos originais de estúdio. Mesmo assim, este retrato de duas noites de palco mais não mostra que uma banda profissional, segura, a cumprir o que se lhe pede. Raros álbuns ao vivo justificam ser mais que uma desculpa para editar mais um besf of. Não é, decididamente, o caso...
R.E.M.
“Live”

WB / Warner
2/5
Para saber mais: Site oficial


Também esta semana:
Dave Gahan, Soulwax (remixes), Lilac Time, To Rocco Rot, Van Morrison (best of), Flaming Lips (DVD), Teddy Thompson, Teresa Salgueiro, Stevie Wonder (best of), Ian Brown, Steve Jansen, Tributo aos Mão Morta

Brevemente:
29 de Outubro: Rodrigo Leão, Bob Dylan (DVD), Ray Davies, Youssou N’Dour, Sex Pistols, Mazgani, Libertines (best of)
5 de Novembro: Sigur Rós (CD + DVD), Gorillaz (compilação), Boy Kill Boy, Nick Cave (banda sonora), David Byrne, Ladytron (repackage)
12 de Novembro: Susumu Yokota, Rolling Stones (compilação), LCD Soundystem, Raveonettes, Killers, Led Zeppelin (best of)

Novembro: Duran Duran, Sex Pistols (singles), Scissor Sisters (DVD), Daft Punk (live), Muse (live), U2 (reedição), Jean Michel Jarre (reedição)
Dezembro: Rufus Wainwright (CD+ DVD ao vivo), Johnny Greenwood