quinta-feira, setembro 27, 2007

Discos da semana, 24 de Setembro

Editado em 2006, Rather Ripped revelou o melhor momento dos Sonic Youth em cerca de uma década. Já este ano, os concertos centrados em Daydream Nation colhem aplausos transversais, ao mesmo tempo que um inesperado acordo com a Starbucks os coloca na lista dos nomes de primeiro plano a optar por caminhos alternativos numa indústria em clara etapa de transformação. Curioso, assim, o momento que Thurston Moore escolhe para lançar o seu segundo álbum a solo, sucessor do já distante Psychic Hearts (1995). Trees Outside The Academy tem em si todos os elementos que dele poderiam fazer o sucessor directo de Rather Ripped, caso o processo de evolução do som dos Sonic Youth aceitasse a contaminação folk e o protagonismo de uma guitarra acústica que aqui se evidencia. Talvez não tenha sido essa a vontade do grupo, optando Thurston Moore por concentrar as canções “primas” de Incinerate (e outras, mais distantes, mais discretas, mais acústicas) num álbum em nome próprio e em etiqueta sua, como que a deixar claro que este é apenas um episódio seu, o próximo sabendo-o novamente entre o grupo que ajudou a transformar numa das referências maiores da história da música popular. Trees Oustide The Academy é, apesar do protagonismo da guitarra acústica e dos elegantes arranjos onde pontuam o violino (de Samara Lubelski), as percussões de Steve Shelly (sim, dos Sonic Youth) e a guitarra ocasional de J Mascis (dos Dinosaur Jr, em cujo estúdio trabalharam), um álbum onde encontramos as marcas de identidade de Moore, não se acanhando este de pequenos devaneios “sónicos” em momentos localizados, como no próprio tema-título. Thurston Moore não esconde aqui outros destinos da sua curiosidade musical, nomeadamente em terreno folk, de onde partem muitas das ideias estruturais desta soberba colecção de canções. Entre os seus mundos, este é um disco de conforto garantido a quem há muito o acompanha, onde uma noção de surpresa não deixar de se sugerir, sobretudo na elegância do recorte de canções que sabem ser mais íntimas sem que isso as transforme em diários confessionais. Trees Outside The Academy revela um homem na fronteira dos 50, brilhante autor de grandes canções, directo no seu discurso, seguro nas formas, discreto na sua comunicação. Eis um disco “feel good” para quebrar o mito que só das sombras nascem os grandes momentos de criação.
Thurston Moore
“Trees Outside The Academy”
Cargo Records / Ananana
4/5
Para saber mais: MySpace
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Não é por acaso que, disco após disco, PJ Harvey se afirma como uma das mais sólidas referências da música dos nossos tempos, evidente sendo a sua admiração por duas figuras que, de certa forma, ajudaram a moldar a sua forma de se expressar: Patti Smith e Nick Cave. A primeira foi condutora das primeiras manifestações de Polly Jean, traduzindo a frontalidade rock de álbuns como Dry (1992) ou Rid Of Me (1993) o melhor da genética que tem Horses e seus descendentes por raiz. Mais tarde, álbuns como To Bring You My Love (1995) ou Stories Of The City Stories Of The Sea (2000) confirmaram-na mais que mera discípula. Este último disco, premiado, assegurou a sua descoberta por mais vastos públicos, aos quais PJ Harvey respondeu depois com o mais radical Uh Huh Her (2004), sublinhando que, como no passado, é mulher do seu destino e dotada de uma inabalável vontade em surpreender. White Chalk volta a fazê-lo e, mais que nunca, mostra como Nick Cave (na sua fase pós-90) é também uma das suas maiores fontes de admiração. Contudo, à luxuriante grandiosidade das baladas daquele com quem partilhou o microfone em Henry Lee (em 1996), PJ Harvey opõe neste seu novo álbum um ascetismo para voz, piano e poucos mais adornos, como que aplicando um minimalismo de osso à mostra semelhante ao que, então acompanhada pela sua guitarra, nos mostrara nos primeiros álbuns. O álbum é um verdadeiro pólo de surpresas e revelação, a capa representando desde logo um primeiro desafio ao que até aqui tínhamos como “imagem” da cantora que, deslumbrantemente, se transfigura. Austera nas formas, sussurra mais vezes que as que canta. As próprias canções são prodígios de contenção, algumas mais próximas de esboços que de espaços de arte final, em conjunto propondo um ciclo que traduzem, mais que uma temática comum, uma forma de estar, de reflectir. Poucas notas, palavras ocasionalmente crípticas por vezes construídas como monólogos interiores, demonstrando como por vezes não são necessários socos de som para arrebatar atenções. Vai surpreender muito boa gente. Certamente dividir opiniões... Mas PJ Harvey nunca foi alvo de unanimidades...
PJ Harvey
“White Chalk”

Island / Universal
4/5
Para ouvir: MySpace
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Quando, há cinco anos, o inesperado Oh Me Oh My… revelava uma voz diferente, animada por uma alma ávida da redescoberta de velhos sentidos que pareciam afastados das demandas musicais dos últimos tempos (ou, mais correctamente, dos espaços de grande divulgação), as atenções não levaram muito tempo a centrar-se em volta de Devendra Banhart. Longe de querer ser um líder de uma qualquer nova mensagem, a verdade é que acabou por encarnar um papel de visibilidade protagonista num movimento que deu nova vida (e visibilidade) a velhas heranças da folk e a um evidente prazer pela exploração de certas características “míticas” que pareciam arredadas do discurso musical (apesar da pujança das famílias alt-country desde meados de 90). Colocaram-no sob o rótulo “new weird America”, mas para Devendra Banhart, e toda uma nova geração de folkies (dotados de um estimulante sentido de liberdade formal sem barreiras), os feitos tornaram-se mais importantes que as etiquetas. E houve até quem dele fizesse mais bandeira que o próprio de si mesmo e sua música... Adiante... Há dois anos, Cripple Crow assinalava um passo de saudável ambição formal, ultrapassando o músico os seus primeiros espaços de ensaio que entretanto haviam corrido mundo. Agora, em Smokey Rolls Down Thunder Canyon, leva ainda mais adiante os desafios de contaminação, confirmando em pleno as expectativas de quem em si identificava, ainda a escutar Nino Rojo (2004), que seria uma das figuras de maior relevo da presente década. Se houve quem tivesse descrito Cripple Crow como o seu Blonde On Blonde, há já quem defina o novo disco como o seu White Album (sendo menos apaixonada, portanto mais sóbria, esta segunda comparação que a primeira). De facto nas entranhas de Smokey Rolls Down Thunder Canyon moram tantos caminhos quanto os afluentes de um qualquer vale onde desaguam referências, gostos, desejos. Com convidados como Vashty Bunyan ou Gael Garcia Bernal, com incursões pela música latina, o doo wop, o rock’n’roll, ou paisagens tex mex, este é o álbum em que Devendra Banhart efectivamente sai do armário folk para mostrar como essas são genéticas afinal conjugáveis com todas as demais. Mutante a cada nova faixa, o disco reflecte a saudável ambição de quem não se conforma com a repetição. É o melhor disco de Devendra Banhart até ao momento, e deixa promessas de ainda mais e melhor no futuro...
Devendra Banhart
“Smokey Rolls Down Thunder Canyon”
XL Recordings / Popstock
4/5
Para ouvir: MySpace
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A saída da vocalista Kristin Anna Valtysdottir não significou um ponto final para os Múm. O grupo, que no início da presente década conheceu exposição global, aproveitando focos de atenção sobre a Islândia lançados por Björk, os Gus Gus e Sigur Rós, ganhou visibilidade por uma identidade que projectava um certo sentido de onirismo boreal através de uma música feita de filigranas para electrónicas e canto. Parte da sua personalidade sendo, na verdade, vincada pelas características teatrais da vocalista que, entretanto, trocou a Islândia por Nova Iorque (onde este ano gravou já um álbum com Avey Tare, dos Animal Collective). Com nova formação alargada a sete elementos, os Múm apresentam neste seu quarto álbum um manifesto de vida que traduz um desejo de reinvenção de si mesmos, claros os sinais de busca de novo ponto de partida. De comum com os três discos anteriores mantém-se um ainda claro interesse pelas texturas e por uma linguagem que aceita tanto a presença das electrónicas como a de instrumentos tradicionais. Os Múm de segunda geração são contudo uma banda que parece hoje mais votada à procura da canção que da exploração de finas linhas de melodias e texturas digitais, e com um desejo de conferir à sua música uma carnalidade mais evidente. O álbum revela isso mesmo, o esforço na escrita reflectindo contudo ainda uma irregularidade nos feitos, oscilando o alinhamento entre boas concretizações de ideias e episódios deslaçados, incompletos, desarrumados. A alma folk do grande Norte habita nestas canções, ensopa-as de névoas e brumas que adivinham contacto próximo do muito frio com o muito quente. Contudo, mais que um sucessor de Summer Make Good (de 2004) ou do fulcral Finally We Are No One (de 2002, o tal álbum que incluía o “hino” gelado Green Grass Of Home), este é um disco de renascimento, de redefinição de ideias e objectivos. Os dados estão baralhados, mas o caminho parece sugerido. Esperemos por um próximo álbum para tirar conclusões...
Múm
“Go Go Smear The Poison Ivy”

PIAS / Edel
3/5
Para ouvir: MySpace
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Não é a primeira vez que vemos uma grande promessa identificada com um soberbo álbum de estreia a tropeçar e tropeçar ao segundo disco. É o que está a acontecer com os britânicos Hard Fi, cujo novo álbum em nada satisfaz as altas expectativas de quem aguardava algo bastante diferente para suceder ao muito promissor Stars of CCTV, de 2005. A banda, oriunda de uma pequena cidade a Sul de Londres, chamou justificadas atenções quando o seu álbum de estreia revelou curiosa capacidade de fazer coexistir uma admiração pelo punk e pela música de dança (ou, especificamente, pelos Clash e Daft Punk). Dois anos depois, procuram manter firme uma vontade em fazer das suas canções espaço de debate para questões na ordem do dia, da guerra no médio oriente à emigração ilegal, mesmo que lhes falte o sentido da palavra e da ideia como encontramos em contemporâneos seus como os The Rakes ou The Streets, francamente mais capazes de traduzir na sua música veículos de opinião de rua, portanto distintos da eloquência polida dos opinion makers de televisão. Contudo, não é na palavra que faltam os argumentos aos Hard Fi. Um primeiro olhar para o álbum mostra-os capazes de usar ideias e discurso. “No cover art”, lê-se numa capa (sem capa), evidente provocação ao sistema “tradicional” na era do download, na qual para muitos o conceito de capa de disco deixou de fazer sentido. Contudo, foi na hora de passar das ideias à prática (musical) que o equívoco lhes bateu à porta. Aparentemente desnorteados, ou ofuscados, pelo inesperado sucesso do álbum de estreia, apostaram numa abordagem mais limpa e directa a um rock ocasionalmente dançável, fácil na digestão, com evidente subtexto de sonhos de grandeza nas entrelinhas. Nada contra a ambição, se aplicada com inteligência e sentido de oportunidade. Aqui, contudo, parece mais coisa de oportunismo de pouca dura...
Hard Fi
“Once Upon A Time In The West”
Atlantic / Warner
2/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Edwin Collins, The Grid, Murcof, Simon & Garfunkel (Live 1969). Manu Chao, Turin Brakes, David Bowie (reedição), Dead Or Alive (reedição), Debbie Harry, Broken Social Scene, Fados (banda sonora), Ian Brown, Pet Shop Boys, Scott Walker, Joni Mitchell, Jona Lewie (reedição), Squeeze (reedições), Jose Gonzales, Iron & Wine


Brevemente:
1 de Outubro: Clã, Bob Dylan (best of), Jim White, Felix da Housecat, Babyshambles, Annie Lennox, Bruce Springsteen, Mick Jagger (best of), Lou Rhodes
8 de Outubro: David Fonseca, Beirut, The Cloud Room (ed europeia), Ed Harcourt, Fiery Furnaces, The Hives, Robert Wyatt, Teddy Thompson
15 de Outubro: Efterklang. Lilac Time, REM (ao vivo), Roisin Murphy, Underworld, Undertones

Outubro: Madonna, Junior Boys, Sex Pistols (caixa de singles), Dave Gahan
Novembro: Duran Duran, Sigur Rós (CD + DVD), Sex Pistols (singles), Led Zeppelin (best of)