sábado, agosto 25, 2007

Uma obra colossal

Apesar de ser hoje cidadão islandês, Vladimir Ashkenzay é um dos grandes músicos russos da sua geração. Primeiro como pianista, mais tarde também como maestro, ganhou notoriedade sobretudo através de interpretações de obras de grandes compositores russos. Como pianista gravou os 24 Prerlúdios e Fugas de Shostakovitch, as sonatas de Scriabin, a integral de piano de Rcahmaninoff ou os concertos para piano de Prokofiev. Tudo isto ao longo de uma carreira que também dele fez grande intérprete de Chopin, Schumann, Beethoven, Mozart ou Bartók. Algumas das suas gravações mais célebres (para o catálogo da Decca) foram recentemente reunidas numa caixa de 8 CD que celebra o seu 70º aniversário, que se assinalou no passado mês de Julho. Como maestro, registou, entre muitas obras, peças de Sibelius, Rachmaninoff ou Scriabin. Foi maestro da Royal Philarmonic Orchestra de 1987 a 1994, da Filarmónica Checa de 1998 a 2003 e, desde 2004, està à frente da NHK Symphony Orchrestra, de Tóquio. Segue-se a Sydney Symphony, que passará a dirigir a partir de Janeiro de 2009. Foi com a orquestra japonesa que concluiu, já este ano, um velho sonho seu, iniciado há precisamente 20 anos: a gravação da integral das sinfonias de Shostakovitch, que deu origem a uma outra edição integrada na comemoração do seu 70º aniversário.

Shostakovich: The Symphonies é uma caixa de 12 CD na qual não só encontramos as 15 sinfonias do compositor cujo centenário se celebrou em finais do ano passado, como uma série de outras obras para orquestra (entre as quais o magistral ciclo de canções A Canção da Floresta) e o Querteto de Cordas Nº 8. É um trabalho de grande fôlego, recuperando uma série de gravações já editadas, incluindo contudo registos inéditos das sinfonias número 4, 13 e 14. Ashkenzay dirige não só a NHK Symphony Orchestra, como a Royal Philarmonic Orchestra e a Orquestra Filarmónica de S. Petesburgo, das três conseguindo fazer um corpo comum que, nestes discos, relata a mais espantosa obra sinfónica integralmente criada no século XX (parte da obra sinfónica de Mahler data do século XIX). Tendo vivido parte significativa da sua carreira sob a opressão estalinista, e resolvido da forma possível alguns casos de confronto com as regras “artísticas” decretadas pelo poder, Shostakovitch não deixou nunca de levar à sua música uma intensidade vivencial, ocasionalmente retratista, que conheceu particular fulgor nas sinfonias que datam dos dias em que viveu, como tantos russos, a invasão alemã por alturas da II Guerra Mundial, assim como as que mais tarde escreveu para recordar os massacres de 1905 (Sinfonia Nº 11, de 1957 ou o massacre nazi em Babi Yar, na Ucrânia (Sinfonia Nº 13, de 1962, contando com poemas cantados de Yevegny Yevtushenko). Destaca-se nesta caixa a soberba gravação da célebre Sinfonia Nº 7 – Leninegrado (de 1941), cuja interpretação aqui traduz a tensão e medo de uma cidade sob cerco. Igualmente pungente é a Sinfonia Nº 8 (de 1943), sombria, reflectindo o pessimismo que invadira o compositor em tempo de guerra. Contudo, mais que um reflexo de uma vida sob invasão alemã, a sinfonia não é mais que uma tradução em música de um sentimento de revolta contra as purgas estalinistas dos anos 30, o que só se confirmaria depois da morte do compositor, em cujas memórias publicadas postumamente se referia às sinfonias nº 7 e 8 como o seu requiem, pelos que morreram na guerra e às mãos de Estaline.