terça-feira, maio 29, 2007

Canções pop por Joana d'Arc

Está finalmente disponível no mercado, embora sem lançamento previsto para Portugal, a reedição do clássico Architecture & Morality, álbum de 1981 dos Orchestral Manouevers In The Dark. A banda, de Liverpool, representou uma das primeiras forças de primeira linha da primeira geração pop electrónica na Inglaterra de finais de 70. O seu single de estreia, Electricity (em 1979) foi o sexto editado pela Factory Records. Contudo, a carreira dos OMD (assim acabaram conhecidos) fez-se depois, essencialmente, na Dindisc, uma pequena editora sob distribuição da Virgin Records. Os seus dois primeiros álbuns, Orchestral Manouevers In The Dark e Organization, ambos editados em 1980, lançaram pistas e primeiros sinais de uma vida dupla, tranquilamente dividida entre gosto em criar hinos pop e a curiosidade pelas potencialidades das novas ferramentas ao serviço da música electrónica. E não houve álbuns tão capazes de expressar essa dupla vida como o magnífico Dazzle Ships, de 1983, e Architecture & Morality, de 1981, o disco que agora regressa aos escaparates em edição recheada de extras e justificou o reencontro da banda em palco, numa digressão, encetada há poucos dias, na qual estão a tocar este álbum, de fio a pavio.


O título do álbum encerra, por si só, um programa de intenções, como que querendo mostrar como se concilia o que aparentava ser inconciliável. O rigor matemático da electrónica e a sede de descoberta, aleatória, da criação artística. Menos sombrios que contemporâneos como os Cabaret Voltaire ou John Foxx, menos efusivos que os Human League (reinventados em versão 2.0 para Dare!), A Flock Of Seagulls ou Depeche Mode), menos “teatrais” que os Soft Cell ou Fad Gadget, os OMD pareciam viver numa terra de ninguém, não equidistante das linhas mestras da pop electrónica em erupção, mas orientados segundo um gosto peculiar que, no texto que acompanha a presente “collectors edition”, o jornalista Paul Morley descreve como o que poderia ser o futuro da Joy Division, “caso Love Will Tear Us Apart” tivesse sido o começo e não o fim”. O álbum destaca-se dos muitos que essa geração pop então apresentou, propondo uma sugestão temática em torno de um ciclo de canções com uma figura (e sua simbologia) como protagonista: Joana d’Arc. Um fascínio pela mulher, a sua história, a relação com a fé e religião, traduz-se numa visão que não é de reflexão histórica, mas de recontextualização da sua imagem e heranças num futuro sem data. E mesmo aí, mais que um retrato concreto, optam por uma visão impressionista que, da história, herda sobretudo sugestões de uma vida armadilhada por um sentido de dever ditado mais pela emoção que pela razão.

Este não é o álbum de pop electrónica “típico” do seu tempo, sobretudo numa banda que gozava já de uma certa visibilidade mainstream, tendo já colhido primeiros êxitos, em 1980, com Messages e Enola Gay e que conseguiu depois levar os três singles extraídos deste Architecture & Morality (sucessivamente Souvenir, Joan of Arc e Maid Of Orleans, ao top five britânico). Canções e instrumentais texturalmente ricos em figuras nascidas de uma exaustiva exploração das potencialidades do mellotron e técnicas de estúdio empregando o uso de fitas (muito em voga na música concreta e junto de bandas de rock progressivo nos anos 70) fazem um álbum que traduz o seu tempo. Mas que, como poucos da sua geração, sobrevivem quase 30 anos depois, da primeira à última faixa. O melhor dos OMD, antes da sedução definitiva pelos “prazeres” mainstream, que os tomaram depois de 1984.




O alinhamento que a actual edição propõe junta às canções do álbum original os lados B dos singles dele extraídos, bem como o single abortado Gravity Never Failed e dois outros temas em forma incompleta, depois transformados e incluídos no álbum seguinte (The Romance Of The Telescope e Of All The Things We’vre Made). Como extra surge ainda um DVD com os telediscos de Souvenir e Maid of Orleans, uma actuação no Top Of The Pops (na qual tocam, ao vivo, Joan Of Arc) e ainda a gravação de um concerto, de 1981, no Theatre Royal. A capa, de Peter Saville, surge na sua versão original, em amarelo.