segunda-feira, abril 23, 2007

Tati, 1958

Até que ponto a reposição de O Meu Tio (1958), de Jacques Tati, pode funcionar como a (re)descoberta de um genuíno clássico? A pergunta justifica-se, quanto mais não seja porque, de acordo com a ideologia televisiva dominante, o passado cinematográfico tende a ser encarado como uma curiosidade meramente "pitoresca". Pior do que isso: quando esse passado tem a ver com a comédia, quase sempre surge o preconceito paternalista segundo o qual os autores cómicos não passariam de derivações menores dos "verdadeiros" clássicos...
É pena se assim acontecer. De facto, O Meu Tio é um objecto de rara depuração formal e, mais do que isso, uma visão crítica do valor social da tecnologia cuja actualidade simbólica não se desvaneceu. Retomando a sua personagem emblemática — "Monsieur Hulot" —, Tati encena os êxtases e rotinas de uma família em ascensão social (a do sobrinho de Hulot), desse modo expondo os equívocos existenciais que fundamentaram o nascimento da sociedade de consumo (depois tão modelarmente analisada por estudiosos como Jean Baudrillard).
Com um humor de infinita subtileza, em tudo e por tudo alheio à lógica da gargalhada grosseira, hoje em dia imposta pelas mais medíocres derivações da stand-up comedy, O Meu Tio constitui, além do mais, a possibilidade de reeencontrar um dos grandes mestres do cinema francês. Embora exterior às lógicas e ao trabalho da Nova Vaga francesa, ele era também, neste final da década de 50, um dos mais revolucionários criadores da produção cinematográfica europeia.