quarta-feira, abril 18, 2007

Solidão de cineasta

(continuação de post de 4 de abril)
4. Talvez não haja muito a dizer de Inland Empire, a não ser que se trata de uma perseguição: uma câmara (de David Lynch) segue uma actriz (Laura Dern). Em duplo sentido: porque Laura Dern é a actriz do filme de David Lynch e também porque, dentro desse filme, ela faz um filme enquanto personagem-actriz. Nesta perspectiva, não há qualquer carácter obscuro, nenhuma chave a revelar: representar é, por definição, ferir as evidências do real — se se trata de confirmar essas evidências, só a telenovela nos pode garantir tal "gratificação".
5. Daí também o imenso e pudico gesto de amor que Inland Empire envolve. Na solidão irreprimível da sua câmara, o cineasta é também aquele que transfere a razão do seu olhar para as razões do seu objecto (por acaso, uma actriz). Lynch filma o próprio mundo a nascer enquanto mecânica que resiste, paradoxalmente, aos desígnios da racionalidade. Afinal de contas, uma história — contar uma história — é apenas adiar a morte que nos chama.
6. É talvez isso que faz de Inland Empire um filme, de uma só vez, tão trágico e tão irónico. Por um lado, vemos nele a crueldade imensa de um mundo em que nada, nem mesmo o cinema, nos garante uma qualquer redenção; por outro lado, tudo se passa como se o simples acto de filmar nos resgastasse da dor inerente a qualquer solidão. Este não é, por isso, um filme que se perca no labirinto do real — é o real que deixou de acreditar no cinema. Afinal de contas, a certa altura, Laura Dern vê-se a si própria a viver a mesma vida no ecrã de uma sala de cinema... E reparem na sala: está vazia, apenas restamos nós.
(continua)