segunda-feira, outubro 23, 2006

Discos da semana, 23 de Outubro

Sérgio Godinho “Ligação Directa”
Seis anos depois de Lupa, o regresso aos originais dá-nos, bem focado, um dos melhores álbuns da obra recente de Sérgio Godinho. Tal como outros veteranos o fizeram nos últimos tempos (Bob Dylan, Neil Young, Paul McCartney, Brian Eno), também Sérgio Godinho encontrou novas forças e revitalizou a sua verve. Não que lhe tenha faltado alguma vez a ideia, o correcto e oportuno sentido de parceria, a música e palavras (Domingo No Mundo, de 1997, é um dos seus três melhores discos de sempre). Mas em Ligação Directa encontramos nova expressão consolidada de uma demanda por uma ligação ao tempo presente, precisamente tacteada nesse álbum de 97 e depois visivelmente ensaiada em Lupa (2000). Sólida, clara e capaz de conferir a um belo lote de canções um rosto presente, actuante, vivo e atento. Atente-se, contudo, que esta rara capacidade em viver em consonância com os desafios do presente não é apenas notícia de finais de 90. Todo o seu percurso se fez desta vontade em não ficar refém de um tempo, uma ideia, uma estética. Discos como Pano Crú (1977), Canto da Boca (1980) ou Na Vida Real (1986) são evidentes marcos de franco relacionamento com as revelações do “som” do tempo em que surgiram, o novo Ligação Directa fazendo o mesmo em relação ao presente. Não que se procurem aqui, como nesses outros discos, as modas em voga, as tendências da next big thing. Antes, um relacionamento de uma escrita, de identidade há muito firmada, com características do “som” presente (na produção, nos instrumentos convocados, na reunião de pistas de vários destinos que convergem aos vários arranjos, soberbos de resto). Tudo isto acontece, naturalmente, sobre um magnífico conjunto de canções, algumas sendo já candidatos a “futuros clássicos”, do magnífico Às Vezes o Amor a peças espantosamente salvas da memória (do memorável, mas esquecido) Portugal, Uma Comédia Musical como o são A Deusa do Amor e Só Neste País. Na essência, estão aqui as linhas estruturais da obra de Sérgio Godinho. Cantam-se amores, contam-se histórias, revelam-se personagens, mantém-se viva a alma crítica, respira-se cortante sentido de humor, em canções de carpintaria sempre aprumada. Não falta à chamada a representação de heranças da música popular portuguesa, a pop, respira-se sobriedade nas formas, ensaiam-se algumas novas ideias (como se escuta no Ás da Negação), apresenta-se até um sentido de encenação teatral (mais evidente em Só Neste País, entremeada de easy listening, quase à la Joe Dassin, com um sentido épico que aflora no refrão e promete fazer da expressão “só neste país é que se diz só neste país” mais um entre os muitos aforismos cantados que a obra de Sérgio Godinho soma desde os primeiros dias.

PJ Harvey “The Peel Sessions 1991-2004”
Admirada por John Peel, PJ Harvey gravou a sua primeira sessão para a BBC em 1991, antes mesmo de entrar em estúdio para registar o soberbo álbum de estreia, Dry. Os quatro temas dessa sessão abrem, plenos de força visceral, o alinhamento desta colecção que junta depois gravações de 1993, 1996, 2000 e 2004. Entre faixas dos álbuns em promoção, lados B e uma pérola que podemos encontrar num bootleg de 1996 e numa banda sonora (Naked Cousin), a força primordial da música de PJ Harvey aqui tem retrato sem maquilhagem. Sentem-se, evidentes, heranças da escola Patti Smith, semelhante também o seu permanente jogo de contrastes entre uma música de rugosidades claras mas de palavras meticulosamente escolhidas, palco de sentimentos extremos a quem voz e guitarra dão corpo. O efeito está nas proximidades do que em 1993 nos mostrou na nudez encantadora das suas 4-track Demos. As verdades primordiais expostas por uma obra que, na verdade, delas nunca se afastou.

Pet Shop Boys “Concrete”
Por uma noite só, a convite da BBC, os Pet Shop Boys juntaram-se num palco em Londres para transformar em realidade um sonho já ensaiado no sinfonismo de canções como It’s A Sin ou Left To My Own Devices. Com a BBC Symphony Orchestra, dirigida por Nick Ingman, contando com convidados como Rufus Wainwright (que transforma e assimila, espantosamente, Casanova In Hell), Robbie Williams (em Jealousy) ou Frances Barber (a protagonista do musical Closer To Heaven, em Friendly Fire), partem de um alinhamento dominado por canções do recente Essential e partilham a sua artilharia electrónica habitual com um sentido de encenação eloquente, novamente sob a direcção musical de Trevor Horn. Contra a vulgaridade de tantos outros discos ao vivo que pouco mais fazem que ser retrato de concertos que se limitam a recriar discos em palco, um registo consequente de uma noite diferente. De resto, ao cabo de mais de 20 anos de carreira, este é o primeiro disco ao vivo do grupo. Valeu a pena esperar pelo momento certo para o fazer.

Bright Eyes “Noise Floor (Rarities 1998-2005)”
Enquanto se espera por um novo capítulo na história musical de Connor Oberst, uma antologia de singles, versões, raridades e inéditos que nos permitem conhecer um pouco mais sobre o seu percurso (sobretudo em temas de uma etapa anterior a um activismo político que desviou entretanto muitas das suas preocupações noutro sentido). Entre gravações caseiras (umas em gravador de quatro pistas, outras directamente registadas no seu computador), um lote de 16 temas revela sobretudo a pulsão além-folk (sobretudo de costela indie rock) que sempre co-habitou na sua música e identidade. O lote apresentado é invulgarmente coeso e, salvo pontuais tiros ao lado, quase sugere a noção de indentidade que se deseja num álbum. I Will Be Grateful For This Day, editado na série Singles Club, da Sub Pop (em 2001) é espanto no estado puro. Em contrapartida, a faixa de abertura, Mirrors And Fevers, de um EP de 2000, é conjunto de sons sem Norte aparente. Já Blue Angels Air Show ou Weather Report são exemplos pop alternativa (de tempero folksy) de primeira água. Mais uma prova, afinal, de um talento a acompanhar e que, como nos mostrou em Digital Ash In A Digital Urn, não se esgota apenas na folk que tantos encómios na crítica tem angariado.

Também esta semana:
The Byrds (caixa), Robbie Williams, Mercury Rev (best of), Depeche Mode (3 reedições), Maximilian Hecker, Isobel Campbell, Badly Drawn Boy

Brevemente:
30 de Outubro: The Gift (ao vivo), Goldfrapp (remisturas), Agnés Jaoui, M Ward, Joana Amendoeira, Ann Pierlé, Aimee Mann, Marie Antoinette (BSO), Luna (best of), The Who
6 de Novembro: Mariza (ao vivo), The Matches, Kool & The Gang (antologia), Philip Glass (ópera e BSO The Illusionist), Moby (best of), Acorda (compilação em mp3)
13 de Novembro: Jarvis Cocker, Albert Hammond Jr

Novembro: Sam The Kid, Protocol, Goldfrapp (remisturas), Duran Duran (2 reedições), Clinic, Jay Jay Johansson, Humanos (ao vivo), Tom Waits, Sons & Daughters, Bryan Ferry, The KBC, Third Eye Foundation, JP Simões, U-Clic, Joseph K (antologia)


Estas datas provém de planos de lançamento de diversas editoras e podem ser alteradas a qualquer momento

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