quinta-feira, setembro 28, 2006

Em conversa com Hilly Krystal (1)

Queria abrir um bar de blues, mas acabou por ser padrinho dos Ramones. Hilly Krystal, que desde 1973 comanda as operações do CBGB’s prepara-se agora para rumar a Las Vegas. Mas antes, convoca memórias de um bar que escreveu história em Nova Iorque. Primeira parte de uma entrevista originalmente publicada, em Agosto, na revista '6ª', do DN.

Esta não era nem a música nem o destino que esperava quando abriu o clube em 1973…
A minha ideia era a de abrir um clube de country, bluegrass e blues. Não seria a country de Nashville, mais os idiomas folk, o bluegrass. Entre os artistas que havia na cidade nessa altura falava-se de interesses no city blues, no country blues… O contexto era diferente. E até nas jukeboxes havia singles não dançáveis que algumas rádios tocavam. Eu conhecia alguns músicos nestas áreas, sobretudo no Nordeste. Arranjei este lugar e isso era o que queria fazer.

Esta zona era um lugar bem diferente em 1973…
Sim, a Bowery era a pior parte da cidade. E muita gente nunca vira a este lado. Só aparecia gente do Village e East Village, e mesmo assim… Tudo bem. Mas não conseguia trazer gente de outros lugares, porque tinham medo desta zona.


E o que mudou?
Comecei a programar mais e diferentes géneros de música. E decidi tentar coisa novas. Algum jazz, rock’n’roll… E depois toda aquela nova onda de músicos… Chamaram-lhe punk mais tarde, mas no princípio tratávamo-los como street rock. Eram miúdos sem nenhum lugar para tocar a sua música. Tocavam em águas furtadas, onde também dormiam. Havia os Talking Heads a viver numa água furtada na Broadway, as Stilettos a morar no quarteirão mais abaixo do nosso. E depois os Ramones, de Queens. Os Shirts eram de Brooklyn… Tinham onde ensaiar, mas nenhum clube os deixava tocar a sua música.


E abriu-lhes as portas?
Tentei um dia por semana, sob insistência do manager dos Television, que me convenceu a fazer isto num domingo. Tocaram os Television e os Ramones. E descobri que havia muito mais gente a querer tocar a sua música. Meses mais tarde, pelo Verão, mudei de política. Eu também sou músico, e sempre gostei de compor, sobretudo na esfera da clássica a essa altura. E ver outros a querer fazer a sua música pareceu-me positivo. Vamos nisso, e logo vemos o que acontece.

Era uma opção viável enquanto gestão de um clube?
Levei anos a conseguir ganhar dinheiro. Mas dormia nas traseiras do clube, pelo que não tinha de pagar mais outra renda.


Que grupos lhe deram a impressão de estar a ver mais que pontuais fenómenos localizados, abrindo a consciência de um movimento a dar os primeiros passos?
Não sei bem… Não eram os melhores músicos, tecnicamente falando. Esporadicamente começou a haver um público mais fiel para alguns deles. Os Ramones, depois de terem tocado umas 20 ou 30 vezes, já tinham um público seu. Mudaram o estilo, tornaram-se mais coesos e ficaram mais excitantes. Penso que, quando a Patti Smith começou a aparecer, isto na Primavera de 1975, as coisas começaram-se a compor. Era já uma figura conhecida. Era uma poetisa reconhecida, respeitada. E a comunidade da poesia começou a aparecer. O grupo dela tocou aqui sete semanas, com os Television a fazer as primeiras partes. Tocavam quarto noites por semana, dois sets por noite. Ela tinha já muitos fãs, e trouxe ainda mais. O Clive Davies, da Arista Records, veio vê-la várias vezes e acabou por assiná-la. Foi excitante ver tudo isso a acontecer. Depois montei um festival. Creio que em inícios de Julho… Era mais uma operação arriscada, e publiquei grandes anúncios no Village Voice. Havia tantas bandas que ninguém ainda conhecia… E programei a actuação das melhores 40 bandas de rock de Nova Iorque ainda sem contrato discográfico. Havia o festival de Newport, de jazz e folk, a decorrer então na cidade, e esperava que toda essa gente visse os anúncios e aparecesse. E apareceram… Vieram os jornalistas, e ficaram surpreendidos com as bandas que ali viram.


Clive Davis foi, como disse, o primeiro executivo da indústria discográfica a aperceber-se que qualquer coisa estava ali a acontecer…
Ele sempre foi um homem interessado, mas apenas na Patti Smith. Era quem ele queria. O Seymour Stein assinou os Talking Heads e os Ramones, entre outros mais. O Craig Lreon era um A&R, e aparecia muitas vezes. Os jornalistas começaram a escrever regularmente sobre estas bandas, e os fotógrafos a tirar fotografias… Neste contexto eu só podia continuar a apoiar estes acontecimentos. Foi duro, foi difícil. Trabalhávamos ininterruptamente, mas foi uma aventura. E foi divertido. Sentia-se que qualquer coisa estava mesmo a acontecer. Não sei se seria o sucesso… A Patti Smith foi contratada. Mas foi quando os Ramones assinaram que senti a coisa mais profundamente, porque essa sim, foi uma banda aqui cultivada desde o início. O mesmo posso dizer que senti, depois, com os Blondie, Talking Heads, Shirts, Mink de Ville…

(conclui amanhã)

PS. A foto publicada neste post é para uso exclusivo do Sound + Vision e não pode ser reproduzida sem autorização.


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